A penhora do salário e a eficácia da execução

* Crônica publicada nos sites ESPAÇO VITAL, JUSBRASIL, AJURIS e PÁGINA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO RS

** O enfoque da necessidade de devolver efetividade às ações do Judiciário.

A decisão da 10ª Câmara Cível do TJRS, balizada pelo voto do relator, desembargador Luiz Ary Vessini de Lima, chancelando a penhora de percentual sobre salário (Espaço Vital de 06.06.2008) pode surgir como divisor de águas entre o Judiciário eficiente que queremos e o Judiciário arcaico que vivenciamos. Pode também representar uma aproximação da Justiça brasileira com o que se pratica na enorme maioria dos tribunais de países vizinhos.

É verdade que no ano de 2007 um magistrado da 12ª Vara Cível de Brasília (DF) já havia determinado a penhora sobre um percentual de salário; contudo, ao contrário da situação consolidada no tribunal gaúcho, lá as justificativas foram frágeis e o juiz fundamentou sua decisão mais em seu foro íntimo do que propriamente em argumentos jurídicos que pudessem se considerar sólidos.

Também é de se sublinhar que no processo legislativo tramitou projeto que permite a penhora de percentual de altos salários, assim definidos como aqueles que ultrapassem o patamar de 20 vezes o valor do salário mínimo - , mas é crível que nesta faixa não se insere a chamada grande massa consumidora.

O voto do magistrado Vessini de Lima destaca a necessidade de confirmação da penhora sobre percentual de salário quando reste claro que esse é o último recurso para evitar a frustração completa da realização do crédito. Em resumo, é a última esperança do credor de receber , não apenas aquilo que lhe é devido, como também e sobretudo o crédito que o Judiciário condenou o devedor a pagar.

A lucidez e a coragem do voto torna-se ainda mais robusta quando no julgado é consignada a necessidade de o Judiciário interpretar a norma legal de modo tridimensional, onde a lei entra em simbiose com o fato concreto e o valor social. Carlos Cossio diria que "é o direito consagrado na conduta posta em interação inter-subjetiva".

É a mão do Judiciário conferindo eficácia ao Direito, mesmo que para isso tenha de se relativizar a interpretação de determinadas normas em prol da harmonia do conjunto representado nessa trilogia: fato, norma e valor.

A Justiça gaúcha vem de encontro com o que se pratica nos países vizinhos, onde desde há muito tempo o Judiciário já penhorava percentuais de salários, como ocorre na Argentina, onde recentemente na Província de Buenos Aires dezenas de executivos de multinacionais tiveram seus salários constritos por dívidas fiscais.

No Uruguai não é diferente e nenhum devedor tem caminho aberto para o calote , pois um percentual alto do salário fica sujeito à penhora.

Há, enfim, indicativos claros de que está para acabar o faz-de-conta do processo de execução; e com certeza haverá uma sensível diminuição de processos e incidentes protelatórios. Cientes de que o Judiciário vai chegar no bolso, os devedores vão acertar o passo.