Sobre os elementos de convicção no inquérito civil

A articulista aborda a polêmica questão de prova, presunções, indícios e toda sorte de meios que servem para formar a convicção no inquérito civil

Gisele Leite

Sendo o inquérito civil um instrumento dotado de oficialidade há uma grande especulação doutrinária sobre a eficácia ou valor probatório dos elementos de convicção presentes nele.

Édis Milaré entende que “tudo que se apura no inquérito civil tem validade e eficácia em juízo, valendo, quando mais não seja, como inicio de prova material, com presunção de veracidade”.

Bem salienta Moacyr Amaral Santos que o vocábulo prova tem sido utilizado, tanto em doutrina como na legislação em várias acepções, podendo significar a atividade de provar, ou ainda, os meios utilizados para esta atividade, chamada de probatória ou probante, ou, até mesmo o seu resultado final, em termos de apuração da verdade.

Há uma certa falta de precisão, portanto, sobre o vocábulo proba que tanto aponta para o conjunto de atos processuais praticados para averiguar a verdade e formar o convencimento do juiz e ora, aponta para os meios de prova(que seriam os instrumentos pelos quais os fatos se fixam em juízo).

Assim, Lent afirma que o termo “prova” alude a uma atividade da parte ou do juiz, voltada a convencer este último da veracidade ou falsidade de uma afirmação.”

Guasp afirma de maneira semelhante que prova “é o ato ou série de atos processuais, pelos quais se trate de convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que hão de se ter em conta na decisão”.

Greco Filho enfatiza que prova “é todo o elemento que pode levar o conhecimento de um fato a alguém sendo processo é todo o meio destinado a convencer o juiz a respeito da verdade de uma situação de fato.”

Apesar de tratarmos de inquérito civil, é relevante ressaltar que o processo civil vem recebendo paulatinamente modificações que atenuam a rigidez dos princípios, o mesmo se pode alegar quanto ao “discussório”. Se é verdade que incumbe às partes o ônus da prova.

O princípio discussório não se encerra com a observância, pelo juiz, da prova dos autos. As partes determinam, ainda , quais os fatos devem ser provados: apenas os contraditados pela parte contrária.

Portanto, independem de prova os fatos que:

a) foram afirmados pela parte autora e confessados pela parte contrária( art. 334,IICPC); b) os admitidos , no processo, como incontroversos(art. 334, IIICPC);c) não impugnados pelo réu da defesa ou contestação(art. 302 CPC);d) os fatos notórios.

Em se tratando de direitos indisponíveis, haverá sempre a necessidade de prova dos fatos, inadmitindo-se, por exemplo, qualquer atitude negocial das partes( art.333, parágrafo único, I CPC).

Os meios legais são aqueles disciplinados expressamente em lei, em especial no CPC, a saber: a) depoimento pessoa(arts. 342-347 CPC);b) confissão(arts. 348-354 do CPC);c) exibição de documento ou coisa(arts. 355-363 do CPC); d) prova documental( art. 364 – 399 CPC); e) prova testemunhal(arts. 400-419); f) prova pericial(arts. 420-439 do CPC); g) inspeção judicial( art. 440-443 do CPC). À deve a prova ter estes se juntam todos os meios legais ou moralmente legítimos.

Deve a prova ter como objeto os fatos alegados pelas partes e ser dotado de duas características essenciais, quais sejam, a relevância e a pertinência, sendo a primeira uma análise subjetiva e a segunda uma análise objetiva, estando preenchida toda vez que a prova for recair sobre fato constitutivo do direito do autor ou sobre os fatos modificativos, impeditivos ou extintivos desse direito, traduzidos a defesa de mérito indireta.

Preleciona Moacyr Amaral Santos ser a prova, a soma dos fatos produtores da convicção, apurados no processo. O inquérito civil no entanto nem é processo( nele na há contraditório e dele não participa o juiz) conclui-se que quaisquer elementos são demonstradores ou não da ocorrência dos fatos investigados, não são tecnicamente provas e sim, somente meio de prova.

Carnelutti entende que o meio de prova, é antes de tudo, a percepção do juiz, cujos instrumentos são seus sentidos(visão, audição, tato , olfato e gosto) através dos quais toma contato com as “fontes de prova”( que são os fatos percebidos pelo juiz e que lhe servem para a educação do fato a provar).A dedução também integra o conceito de meio de prova.

A distinção entre fontes de prova e meios de prova está presente em Guasp sendo fontes as operações mentais mediante as quais se obtém a convicção judicial, já os meios de prova são aqueles instrumentos que por conduto da fonte de prova chegam eventualmente a produzir a convicção do Juiz( e que podem ser pessoas ou coisas).

Para Lent, os meios de prova são as pessoas e coisas às quais faz referência o interessado para provar as suas afirmações, entre outras, as testemunhas, os peritos e os documentos.

Chiovenda entende como as fontes que o juiz extrai os motivos de prova(assim, por exemplo, a pessoa da testemunha e os lugares inspecionados). Pontes de Miranda define como os “meios pelos quais o juiz recebe os elementos ou motivos de prova: os documentos, as testemunhas, os depoimentos das partes.

Vicente Greco Filho em resumida definição afirmou “meios de prova” são os instrumentos pessoais ou materiais trazidos ao processo para revelar ao juiz a verdade de um fato”.

Há três sistemas de avaliação da prova: o sistema da convicção íntima do juiz, o sistema da prova legal e o sistema da persuasão racional(ou do convencimento racional).

O da convicção íntima tem sua origem no direito romano que conferia ampla liberdade ao juiz (para optar pelas diferentes alegações trazidas pelos litigantes, podendo, inclusive, deixar de dar a solução à lide, se entendesse não haver atingido o necessário grau de convicção quanto aos fatos alegados.

Por influência do direito germânico, institui-se, após, o sistema prova legal, mediante o qual os critérios para valoração das provas, e, portanto, da verdade processual.

Há o sistema do tarifamento das provas, verificado o valor atribuído pela lei a cada prova, reconhece-lo na sentença.

Chiovenda é o sistema segundo o qual é previsto em lei um complexo de regras que, dividindo as provas em plenas e semiplenas, e cada uma, de sua vez, em várias espécies, determinando o número de presunções necessárias para formar uma prova.

Cappelletti ressaltando um aspecto histórico quanto a valoração das provas esclarece: “as mulheres não eram admitidas a testemunhar, ou bem , no caso de sê-lo, eram valoradas em metade, um terço, ou menos ainda, que os varões.”

Cappelletti aponta neste período, consolidou-se a máxima testis unus testis nullus, pela qual o depoimento de uma só testemunha não tinha força probatória alguma(exceto se tratasse de um cardeal, ou de um papa).

Para se evitar a prevalência de decisões é que se desenvolveu a tendência de se conferir o maior poder ao juiz na avaliação do conjunto probatório, firmando-se o sistema da persuasão ou da convicção racional.

Tal sistema mantém a liberdade de apreciação da prova, vincula op convencimento do juiz ao material probatório constante nos autos, obrigando também o magistrado fundamentar sua decisão e o modo de aferir seu convencimento.A persistência de elementos do sistema de prova legal é constatada pela doutrina estrangeira e nacional.

Chiovenda a exemplifica com as regras de limitação da prova testemunhal, com aquelas sobre a força probante de atos públicos, das confissões, etc.

Liebman comenta que “a liberdade de apreciação se contrapõe às regras da prova legal, que outrora limitavam em larga medida aquela liberdade e que hoje se reduzem a escassos resíduos mantidos por vários razões”.

O que não significa faculdade de decisão arbitrária e puramente subjetiva, como se o juiz se permitisse decidir segundo uma incontrolável e irracional intuição da verdade ou segundo seu próprio conhecimento extraprocessual dos fatos da causa.

Lent afirma que a livre valoração não equivale nem a arbítrio, nem ao poder de decidir com base em puras sensações, e os critérios com os quais se decidiu a sentença devem emergir em sua motivação.

Ovídio A . Baptista da Silva identifica gravíssimas seqüelas do sistema de prova legal(art. 319 CPC). Há liberdade, no sentido de que o juiz aprecia as provas livremente, desde que não se afaste dos fatos estabelecidos, das provas colhidas, das regras científicas, jurídicas , da lógica e da experiência. A convicção do juiz é condicionada às regras legais.

No sistema de persuasão racional é a de qualquer meio de prova possa ser utilizado para o convencimento do juiz a respeito de certa afirmação realizada pela parte.

Há a necessidade de apresentação do instrumento público, se este for da substância do ato(art.366 CPC). Lessona alega: “existem meios para os quais a lei determina o valor probatório( o império da prova legal) e os meios para os quais não determina o valor probatório(onde impera a persuasão racional).

Ponderou Chiovenda que na prova legal, o momento probatório apresenta-se ao espírito do legislador, antes que ao do juiz; o legislador partindo do homo medius, fixa em abstrato o modo de agregar certos elementos de decisão.

Assim assevera Carnelutti, “se a regra legal atribui a dada prova eficácia absoluta , a existência do fato probando se estabelece por uma relação de equivalência entre o fato e a prova, por isso que a prova é suficiente para determinar os efeitos.”

Zamora y Castillo vê nos documentos e na confissão, meios de prova que conservam seu valor probatório. Valentin S. Melero aponta corrente doutrinária que entende que “ao menos para determinadas provas legais pré-constituídas cabe valora-las e configura-las com uma eficácia substancial verdadeira e própria.

Há no inquérito civil uma força probante intrínseca, não havendo a existência de prova, e sim somente meios de prova pré-constituídos que são, força probatória de convencimento sobre os fatos neles representados.

Chiovenda adotou o conceito de eficácia objetiva do meio de prova, diferenciando-o da sua atendibilidade.

Pontes de Miranda para quem “em toda prova há dois valores a observar – o valor objetivo e o valor subjetivo, a quem correspondem a eficácia objetiva e a atendibilidade, diferenciando, ainda, a força probatória abstrata e a força probatória concreta dos meios de prova.

Se a eficácia e a validade dos elementos coligidos no inquérito civil não podem ser afirmadas genericamente, tampouco cabe qualquer posicionamento apriorístico no sentido de não terem aqueles elementos qualquer validade ou eficácia, por haverem sido colhidos inquisitivamente.

São de toda ordem os meios de prova coligidos no inquérito civil, em geral, instruído por documentos, depoimentos de testemunhas e de investigados e a realização de estudos técnicos.

Reúnem-se, assim diversos elementos de convicção que servirão, para formar o convencimento do próprio membro do Ministério Público que presidia o inquérito civil.

A doutrina quase unânime inegavelmente têm os documentos como prova de valor superior à da testemunha no processo civil, fato também afirmado por Carnelutti que define o processo civil como o “reino do documento” .

Alcalá-Zamora y Castilo alega que são os documentos em maior medida que a confissão que originalmente se referiu a expressão, a verdadeira regina probationum.

Tanto assim quando da propositura da ação por força do art. 283 do CPC, é indispensável a juntada dos documentos para que instruam a petição inicial. Para Chiovenda, documento em lato sensu é toda a representação material destinada, a reproduzir determinada manifestação do pensamento, como uma voz fixada duradouramente(vox mortua).

Carnelutti entende como “representação de pensamento” afirma que documento é uma coisa representativa, ou seja, capaz de representar um fato”.

Sendo Moacyr Amaral Santos, documento público é “todo e qualquer documento que haja sido feito por quem esteja no exercício de uma função pública e legalmente autorizado a faze-lo”.

O art. 364 do CPC criou uma presunção absoluta não só da formação dos documentos públicos, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença. O convencimento do documento público está limitado por força de lei.

José Frederico Marques analisando a perícia, no processo penal, visa proceder à verificação e formação do corpo de delito. A perícia integra a informatio delicti, é sempre ato instrutório emanado por órgão auxiliar da Justiça para descoberta da verdade. Sua força probante deriva da capacidade técnica de quem elabora o laudo e do próprio conteúdo deste.

A decisão do STF a qual afirmou não ter o indiciado o direito a oferecer quesitos quando se trata de perícia na fase do inquérito policial(RTJ 58/434). Confissão quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário podendo ser judicial ou extrajudicial(art. 348 do CPC).

.A confissão faz prova contra o confitente, daí Silvio Rodrigues considera-la a rainha das provas e reputá-la Caio Mário como probatio probantissima.

A doutrina se controverte em ora considerar a prova documental a mais relevante delas e, ora considerar a confissão como probantíssima.

Entendendo Frederico Marques constituir prova legal, a que o juiz se acha vinculado, como o caso previsto pelo art. 319 do CPC (que disciplina revelia).

Com a confissão, há a concordância entre as partes e, isto normalmente constitui um limite ao poder do juiz, não sendo necessárias outras provas. Também se considera a confissão extrajudicial como prova legal.

A obtenção de confissão do investigado no inquérito civil, é assim, meio de força probatória inegável que deverá ser necessariamente ser reconhecida pelo juiz, ao proceder à avaliação da mesma.

Os depoimentos testemunhais possuem menor eficácia objetiva e ainda a má fama de ser a prostituta dos autos. Não há como comparar a eficácia do testemunho oral, realizado ante as partes e do juiz, com o anterior depoimento colhido em procedimento administrativo inquisitivo ou ainda processual penal.

Havendo o dever da testemunha falar a verdade do que sabe também nos procedimentos extrajudiciais(processos policiais ou administrativos na dicção do art. 342 do CPC).

Tais meios de prova, em situação litigiosa, só poderão ter ser valor aferido em apreciação contraditória introduzidos no processo pelo réu, pelo menos para que se possa discutir sobre sua autenticidade.

O valor do bem protegido e a irreparabilidade do dano que demora de tutela, recomendaria, então um menor grau de exigência quanto ao valor da prova do fumus bonis juris na decisão proferida com fulcro no CDC.

Pode-se afirmar que apreciação que a apreciação do valor de cada meio de prova coligido no inquérito civil é tarefa a cargo de cada juiz.

O Diploma processual brasileiro não se referiu expressamente sobre as presunções e indícios, dispondo sobre as máximas de experiência: “ em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica , ressalvado, quando a esta, o exame pericial”(art.335 do CPC).

É mesmo uma tema de difícil abordagem e apresenta grande divergência terminológica. Nem sempre, porém, o fato do qual decorre a conseqüência jurídica pretendida pode ser submetido a prova direta.

Quando não é possível a prova direta do fato principal a parte faz prova dos fatos circunstanciais, que sã os indícios, dos quais se infere a existência e modo de ser do fato principal.

O indício é, portanto, toda circunstância de fato da qual se pode extrair a convicção da existência do fato principal. O termo indício às vezes é utilizado para significar “suspeita” ou “certo grau de probabilidade”, como, por exemplo, quando se diz “há indícios de autoria”.Mas ainda não se pode extrair certeza. É mais claro, porém, entender indícios como fatos não principais dos quais se vai extrair(ou se pretende extrair) a convicção da existência do fato constitutivo.

Há, por conseguinte, um salto mental entre a prova do indício e a convicção do fato principal. Esse salto pode resultar de norma legal chamada de presunção legal.

A presunção não é, portanto, um meio de prova, mas sim uma forma de raciocínio do juiz, o qual de um fato provado, conclui a existência de outro que é o relevante para produzir a conseqüência pretendida.

As presunções legais segundo Amaral Santos, podem ser absolutas, relativas e mistas. A presunção legal absoluta é aquela que não admite prova em contrário, ou seja, a lei reconhece determinada situação proibindo que se faça prova em contrário ou tornando irrelevante qualquer tentativa de prova em contrário. O juiz não pode convencer-se em sentido contrário diante de uma presunção legal absoluta.

As presunções relativas são as que admitem prova em contrário e por isto mesmo menos robustas, e as presunções mistas são as que admitem em determinada prova em contrário também prevista em lei. A denominação de mista não é muito própria porque não existe a categoria lógica entre o absoluto e o relativo; tudo o que não é absoluto, relativo é.

Já a relatividade comporta graus e classificações. Estas se subdividem em presunções relativas de contraprova livre e presunções relativas de contraprova vinculada ou determinada( esta corresponderiam as mistas).

Os Códigos comumente instituem presunções quando pretendem criar uma situação de vantagem em favor de determinada parte, a fim de facilitar o labor probatório da parte a que aproveita. Provado um fato( que não é o principal), chega-se, pela presunção legal, à convicção da existência do fato principal. Se a presunção é relativa,a parte contrária pode fazer prova contra a convicção de que o principal existe, tentando quebrar o nexo entre o fato antecedente e o conseqüente instituído pela presunção.

Às vezes, as presunções legais atuam não de fato a fato, mas de fato a conseqüência jurídica, como, por exemplo, nos casos em que a lei institui presunção de culpa ou presunção de legitimidade ou ilegitimidade.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 06/03/2009
Código do texto: T1472366
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