A PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL E A JUSTIÇA DO TRABALHO
Segundo o artigo 114, IV da Constituição Federal, a Justiça do Trabalho tem competência para apreciar o habeas corpus de matéria afeta à sua jurisdição (não criminal). Essa afirmativa seria válida, porque a autoridade que está a coagir é um juiz.
Mas o Supremo Tribunal Federal, recentemente, proferiu dois acórdãos (RE 349.703 e 466.343), que abordaram a força normativa dos tratados, afastando a incidência da súmula 691 da Corte.
Neles prevaleceu que os tratados relativos aos direitos humanos têm natureza SUPRA LEGAL, ou seja, estão acima da lei, mas abaixo da Constituição Federal.
Todavia, se aprovados conforme o § 3º do artigo 5º da CF (com o mesmo quórum das Emendas Constitucionais), serão equiparados às ECs.
A consequência do entendimento do STF é que não existe mais a prisão civil do depositário infiel.
Ressalte-se que, para garantir a efetividade da execução, os juízes têm removido os bens penhorados.
O TST vinha mantendo-se firme em sua posição de afastar a efetividade do Pacto de San Jose da Costa Rica, uma vez que as decisões STJ não tinham efeito vinculante, e o próprio STF editara a súmula supra mencionada, afastada nos recentes julgados.
No entanto, o TST sinaliza nova posição, confirmando a tendência de nosso Judiciário, no que corrobora o Acórdão nº HC - 199439/2008-000-00-00, proferido pelo mesmo tribunal superior, que abaixo transcrevo, no seu inteiro teor:
NÚMERO ÚNICO PROC: HC - 199439/2008-000-00-00
PUBLICAÇÃO: DJ - 12/12/2008
Andamento do Processo
A C Ó R D Ã O
SBDI-2
JSF/KNOC/sm
HABEAS CORPUS PREVENTIVO SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.
DEPOSITÁRIO INFIEL. NÃO-CONFIGURAÇÃO. À luz das normas internacionais em
que o Brasil é signatário, o Supremo Tribunal Federal vem decidindo que,
notadamente após a edição da Emenda Constitucional 45/2004, em atenção ao
disposto no art. 5º, § 3º, da CF/88, restaram derrogadas as normas
definidoras da custódia do depositário infiel. Assim, desde a ratificação
pelo Brasil do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art.
11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da
Costa Rica (art. 7º, 7), não haveria mais base legal para a prisão civil
do depositário infiel. Em Informativo do STF ficou consignado voto do Min.
Marco Aurélio no sentido de que a circunstância de o Brasil haver
subscrito o Pacto de São José da Costa Rica, que restringe a prisão civil
por dívida ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia,
conduziria à inexistência de balizas visando à eficácia do que previsto no
art. 5º, LXVII, da CF , dispositivo este não auto-aplicável, porquanto
dependente de regulamentação, por texto legal, acerca dessa prisão,
inclusive quanto ao seu período . Diante deste contexto, entende-se
razoável a concessão da ordem habeas corpus.
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Habeas Corpus nº
TST-HC-199439/2008-000-00-00.1, em que é Impetrante MARCOS ANTÔNIO DINIZ,
Paciente REGINALDO DE PAULA CINTRA e Autoridade Coatora HELENA ROSA
MÔNACO S. L. COELHO JUÍZA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª
REGIÃO.
Trata-se de Habeas Corpus originário preventivo substitutivo de Recurso
Ordinário impetrado por MARCOS ANTÔNIO DINIZ, com pedido liminar, em favor
de REGINALDO DE PAULA CINTRA contra acórdão proferido pelo Tribunal
Regional do Trabalho da 15ª Região, que, nos autos do Processo
HC-01083/2008-000-15-00.8 denegou a ordem de habeas corpus para suspender
o ato do Juiz do Trabalho da 1ª Vara do Trabalho de Franca SP (RT
147/2003-015-15-00.8), que decretou a prisão civil do Paciente, como
depositário infiel, pelo prazo de 6 (seis) meses ou até a apresentação dos
bens que estavam sob a sua guarda, com a opção de depositar o valor
equivalente de acordo com a avaliação.
Inicialmente, o Impetrante sustentou a inconstitucionalidade da prisão
civil, citando no ponto jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça. Quanto à ilegalidade do ato, argumentou que
Paciente apresentou, nos autos da Reclamação Trabalhista, meios
alternativos para quitação da dívida (substituição dos bens penhorados e
adjudicados por pares de calçados), o que foi recusado pelo Exeqüente.
Disse que não foi comprovado que os bens penhorados foram trocados,
conforme afirmado pelo Exeqüente no dia 1º de setembro de 2008, por
ocasião da remoção dos bens.
Após indeferido o pedido liminar mediante o despacho de fls. 458/460, a
Autoridade dita Coatora prestou informações às fls. 464/471, apresentando
documentos anexos.
Remetidos os autos ao Ministério Público Trabalho, o parecer foi
proferido para se conceder a ordem de habeas corpus, expedindo-se salvo
conduto em favor do Paciente (fls. 498/502).
É o relatório.
V O T O
HABEAS CORPUS PREVENTIVO SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DEPOSITÁRIO
INFIEL.
Primeiramente, cabe ressaltar que a jurisprudência pacificada desta Corte
admite a possibilidade de impetração de habeas corpus originário,
substitutivo de Recurso Ordinário, porquanto o Tribunal Regional, ao
denegar o writ, passa a ser a autoridade coatora.
Cite-se, no ponto, precedente desta colenda SBDI-2 que faz referência,
inclusive, à jurisprudência do excelso Supremo Tribunal Federal sobre essa
questão. In verbis:
HABEAS CORPUS - PRISÃO DE DEPOSITÁRIO INFIEL - AUSÊNCIA DE
DEMONSTRAÇÃO DA CONSTRIÇÃO ILEGAL.
1. A jurisprudência do STF elaborou construção no sentido de admitir,
como ocorre no caso em exame, habeas corpus originário substitutivo de
recurso ordinário, por entender que o Tribunal Regional que denega o writ
passa a ser a autoridade coatora, o que afasta a possibilidade de se
receber o presente habeas corpus como recurso ordinário, pelo princípio da
fungibilidade recursal. (HC-760171/2001, Rel. Min. Ives Gandra Martins
Filho, DJU de 26/10/2001.)
Em consulta ao sistema de informação processual junto ao site do TRT da
15ª Região, constata-se inclusive que já houve o trânsito em julgado nos
autos do Processo HC-01083/2008-000-15-00.8 desde o dia 8 de setembro de
2008. Com efeito, em atenção ao princípio constitucional da eficiência da
prestação jurisdicional (art. 5º, LXXVIII, CF/88), passa-se ao exame do
presente Habeas Corpus substitutivo do Recurso Ordinário.
Conforme já relatado, o primeiro ponto suscitado pelo Impetrante para
questionar a ilegalidade da prisão civil do Paciente na condição de
depositário infiel está relacionado com a aplicação das convenções e dos
tratados internacionais sobre direitos humanos dos quais o Brasil é
signatário, como no caso do Pacto de São José da Costa Rica, que prevê a
exclusividade da prisão civil do devedor de alimentos, e também o Pacto
Internacional de Direitos Civis e Político no sentido de que Ninguém
poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual
(fl. 7).
De fato, à luz das normas internacionais em que o Brasil é signatário, o
Supremo Tribunal Federal vem decidindo que, notadamente após a edição da
Emenda Constitucional 45/2004, em atenção ao disposto no art. 5º, § 3º, da
CF/88, restaram derrogadas as normas definidoras da custódia do
depositário infiel. Assim, desde a ratificação pelo Brasil do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art.
7º, 7), não haveria mais base legal para a prisão civil do depositário
infiel.
No Informativo 477 do STF, foi noticiado que o Exmo. Min. Marco Aurélio,
Relator do Processo Habeas Corpus 87585/TO com julgamento ainda não
concluído em razão de vista regimental ao Min. Menezes Direito, deferiu
o writ para afastar do cenário jurídico a ordem de prisão decretada contra
o paciente. Entendeu que a circunstância de o Brasil haver subscrito o
Pacto de São José da Costa Rica, que restringe a prisão civil por dívida
ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia, conduziria à
inexistência de balizas visando à eficácia do que previsto no art. 5º,
LXVII, da CF, dispositivo este não auto-aplicável, porquanto dependente de
regulamentação, por texto legal, acerca dessa prisão, inclusive quanto ao
seu período. Concluiu, assim, que, com a introdução do aludido Pacto no
ordenamento jurídico nacional, restaram derrogadas as normas estritamente
legais definidoras da custódia do depositário infiel .
No prosseguimento do julgamento do Processo STF-RE-466343/SP, Rel. Min.
Cezar Peluso, o qual também ainda não foi concluído, em voto-vista, o
Exmo. Min. Celso de Mello, também considerou, na linha do que exposto no
voto do Min. Gilmar Mendes, que, desde a ratificação, pelo Brasil, do
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa
Rica (art. 7º, 7), não haveria mais base legal para a prisão civil do
depositário infiel (Informativo 498 do STF).
Frise-se que, no presente caso, foi noticiado mediante as Petições
166953/2008-7 e 173847/2008-0 que o ora Paciente impetrou Habeas Corpus no
Supremo Tribunal Federal, cujo Relator Exmo. Ministro Celso de Melo, em
decisão liminar, afastou a aplicação da Súmula 691 do STF, e determinou a
suspensão da eficácia da ordem de prisão do Paciente na condição de
depositário infiel, sustentando que a matéria relativa à ilegitimidade
constitucional da prisão civil do depositário infiel está sendo analisada
pelo Plenário do STF (Processo RE 349,703/RS e RE 466.343/SP), que, em que
pese não ter concluído o julgamento, oito dos Ministros daquele Tribunal
já proferiam votos favoráveis à tese da inadmissibilidade da prisão civil
na hipótese de infidelidade depositária.
Assim, considerando que a d. maioria dos membros do Supremo Tribunal
Federal já se manifestou no sentido da inconstitucionalidade da prisão
civil do depositário infiel, entende-se razoável a concessão da ordem
requerida.
Portanto, concedo a ordem de habeas corpus para que seja emitido em
favor do Paciente salvo-conduto. Oficie-se, com urgência, ao
Juiz-Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, à
Autoridade Coatora, ao Impetrante e ao Paciente.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios
Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conceder a
ordem de habeas corpus para que seja emitido em favor do Paciente
salvo-conduto. Oficie-se, com urgência, ao Juiz-Presidente do Tribunal
Regional do Trabalho da 15ª Região, à Autoridade Coatora, ao Impetrante e
ao Paciente. Com ressalva de entendimento do Exmo. Ministro Ives Gandra
Martins Filho.
Brasília, 2 de dezembro de 2008.
JOSÉ SIMPLICIANO FONTES DE F. FERNANDES
Ministro-Relator
NIA: 4594341
Maria da Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.
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