DESABAFO DE UM JUÍZ!
Ao condenar os onze membros da quadrilha dos herdeiros do bicheiro carioca, Castor de Andrade, o juiz federal Vlamir Costa Magalhães, da 4ª Vara Criminal Federal do Rio, aproveitou sua sentença de 265 páginas para condenar a decisão do Conselho Nacional de Justiça que recomenda juízes a não usarem o nome de operações policiais em peças judiciais, e outra do Supremo Tribunal Federal, que regulamenta o uso de algemas pela polícia.
Para Magalhães, ao aprovar a Recomendação 18 de 4 de novembro passado, pela qual sugeriu aos magistrados que não utilizassem os nomes com os quais a Polícia Federal costuma batizar suas Operações para não auxiliar no marketing político do Departamento de Polícia Federal, o CNJ simplesmente tentou censurar atos jurisdicionais. Para ele, esta recomendação “viola flagrantemente, dentre outros importantes valores constitucionais, a liberdade de pensamento e expressão dos magistrados”. Em nota de pé de página, após utilizar o nome “Operação Gladiador”, Magalhães comenta:
“O que esperar de um país em que se pretende ditar palavras que podem e não podem ser utilizadas em decisões judiciais? A inteligência e o profissionalismo dos membros do Poder Judiciário no Brasil são suficientes para não deixar que o mero emprego das denominações conferidas a operações policiais afete sua imparcialidade ou o cumprimento de quaisquer deveres inerentes ao cargo. A recomendação n. 18/04.11, 2008 do Egrégio Conselho Nacional de Justiça viola flagrantemente, dentre outros importantes valores constitucionais, a liberdade de pensamento e expressão dos magistrados (art. 5o, IV CR/88 e art. 41 da Lei Complementar n. 35/79). Assim, observadas as limitações decorrentes da legislação e do bom senso, nenhum órgão, entidade ou pessoa tem competência constitucional para censurar previamente atos jurisdicionais. Por entender que os únicos compromissos da magistratura se dão com o interesse público, com a legislação e, sobretudo, com a Constituição, à qual todos um dia juramos cumprir, fiz e continuarei fazendo menção a nomes de operações policiais sempre que se fizer necessário, nesta e em outras decisões”.
Algemas de gabinete
O juiz também foi crítico com relação à decisão dos ministros do STF, em agosto do ano passado, quando da elaboração da súmula vinculante que restringiu aos casos excepcionais o uso de algemas pela polícia. Para Magalhães, falta competência ao Judiciário para regulamentar a questão.
Em determinada parte da sentença, o juiz descreve o que lhe pareceu serem regalias que o bicheiro preso Fernando de Miranda Ignácio desfrutava junto aos policiais de sua escolta. Numa audiência em que o réu, “sem algemas, trajando terno e óculos escuros e guardando certa distância em relação aos policiais federais que faziam sua escolta” provocou “extrema apreensão e surpresa na ocasião quando, no momento da assinatura do termo, o acusado Fernando Ignácio pôs a mão na parte interna de seu requintado paletó e de lá sacou - para alívio dos presentes - apenas uma lustrosa caneta importada, deixando claro que sequer fora revistado”. Aproveitando-se da citação da falta de algemas, ele, em outra nota de pé de página na sentença criticou a decisão dos ministros do Supremo por decidirem sobre um tema que, no entendimento dele, “não deve ser analisado dentro de gabinetes”. Ele comenta:
“Descabe, por impertinência, aprofundar aqui a discussão sobre o uso de algemas em réus presos, inclusive durante a escolta para audiências. Contudo, é fato que o Poder Judiciário não tem competência constitucional para normatizar a questão, sendo certo que o Código de Processo Penal de 1941 não o fez e a Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84), em seu artigo 199, dispõe apenas que a matéria deve ser regulada por decreto federal, o que até o momento não ocorreu. Assim sendo, observados os ditames constitucionais e punidos os casos em que haja comprovado abuso, a real necessidade do uso de algemas decorrente do perigo para a segurança dos policiais e do próprio preso somente pode ser verificada por agentes tecnicamente habilitados presentes no momento e no local da condução do preso, tema que não deveria ser analisado, antecipada e genericamente, dentro de gabinetes. Assim, por questão de segurança, probidade e tratamento igualitário, penso que a regra geral deveria ser no sentido de que todos os presos, sem exceção, fossem conduzidos com algemas, que poderiam ser retiradas em audiência por decisão judicial, a requerimento da defesa, ouvido o Ministério Público e, em especial, o agente responsável pela escolta”.
Jogo ilegal
A sentença foi dura com a quadrilha dos bicheiros; Ignácio, genro de Castor e Rogério Costa de Andrade e Silva, sobrinho do capo do Jogo do Bicho carioca, já falecido. Os dois, desde a morte do antigo chefão, travam uma sanguinária batalha na disputa pela exploração das máquinas caça-níqueis na Zona Oeste da cidade, provocando dezenas de mortes. Foi através da Operação Gladiador, em dezembro de 2006, que a Polícia Federal – por conta do combate ao crime de descaminho e contrabando de componentes eletrônicos estrangeiros ilegalmente utilizados nas maquinetas – conseguiu desbaratar três quadrilhas de contraventores.
A investigação começou a partir de outra investigação sobre a movimentação patrimonial do ex-policial federal Paulo César Ferreira do Nascimento, o Paulo Padilha, que se iniciou na contravenção, junto com o irmão Moacir, como sócios de Rogério Andrade. Padilha, porém, acabou crescendo e formando uma terceira quadrilha também atingida na sentença do juiz da 4ª Vara Criminal Federal.
Os dois parentes de Castor e Paulo Padilha foram condenados pelos crimes de contrabando ou descaminho, corrupção ativa e formação de quadrilha. Ignácio e Andrade ganharam pena de 18 anos de reclusão e 360 dias multa, cada um deles estipulados em cinco salários mínimos vigente. Já Paulo Padilha, por não ter sido comprovada a utilização de armas pelo seu bando, ficou com uma pena de 15 anos e seis meses de reclusão e também 360 dias multas no mesmo valor aplicado aos outros dois chefes de quadrilha.
A denúncia inicial do processo atingia 43 réus, mas a sentença só analisou a situação de 11 deles, que se encontram presos. Os demais respondem a processos desmembrados. Os onze foram condenados. Entre eles, estão três policiais ligados ao ex-chefe de Polícia Civil do Rio, o também ex-deputado estadual Álvaro Lins, que se encontra preso por outro processo. Conhecidos pelo Grupo de Inhos, já que os três eram tratados pelo diminutivo de seus nomes, os policiais: Hélio Machado da Conceição (o Helinho), Fábio Menezes de Leão (Fabinho) e Jorge Luís Fernandes (Jorginho) receberam penas de sete anos de reclusão e 200 dias multa, cada um deles estipulado em dois salários mínimos vigente. Fábio e Hélio foram condenados por formação de quadrilha e corrupção passiva. Mas Jorginho ganhou penas pelos crimes de formação de quadrilha e por contrabando ou descaminho, já que ficou provado que ele também era dono de máquinas.
Segundo o juiz Magalhães, tornou-se cristalino o fato de que estes três policiais não são dignos “da credibilidade e responsabilidade outorgada sobre seus ombros pelo Estado e, portanto, não podem e não devem exercer a nobre função policial e a proteção da sociedade”. Em consequência, ele decretou a perda dos cargos dos três.
Pode parecer repetitivo, e o é; pode parecer impenitente, talvez; o texto em questão é de certa forma grave e revela, na visão e desabafo do magistrado, que até eles sofrem uma forma de censura prévia e póstuma; todos querem ditar as regras judiciais, seja pelo próprio sistema judicial, seja pela força da violência, seja oxalá, pela barbárie da corrupção. O juiz ganha um salário razoável para encerrar altercações entre elementos desgostosos e com tais deliberações, tenta o “homem da capa preta” colocar ordem num país que mais se parece a um galinheiro sem patrão ou a um inferno sem lúcifer.
Leis que precisam de marketing para “pegar”; leis que são elaboradas por analfabetos de pai, mãe e parteira; Poderes que não se enxergam como “Poderes”; denúncias gravíssimas que são esquecidas na primeira lágrima de uma medalha conquistada ou na próxima denúncia solta ao vento; e desta forma, chegou ao meu texto publicado de número duzentos repetindo a pergunta célebre que ninguém ousa responder publicamente, principalmente quem detém os direitos formais de resposta: QUE PAÍS É ESSE?
CARLOS HENRIQUE MASCARENHAS PIRES
www.irregular.com.br
Ao condenar os onze membros da quadrilha dos herdeiros do bicheiro carioca, Castor de Andrade, o juiz federal Vlamir Costa Magalhães, da 4ª Vara Criminal Federal do Rio, aproveitou sua sentença de 265 páginas para condenar a decisão do Conselho Nacional de Justiça que recomenda juízes a não usarem o nome de operações policiais em peças judiciais, e outra do Supremo Tribunal Federal, que regulamenta o uso de algemas pela polícia.
Para Magalhães, ao aprovar a Recomendação 18 de 4 de novembro passado, pela qual sugeriu aos magistrados que não utilizassem os nomes com os quais a Polícia Federal costuma batizar suas Operações para não auxiliar no marketing político do Departamento de Polícia Federal, o CNJ simplesmente tentou censurar atos jurisdicionais. Para ele, esta recomendação “viola flagrantemente, dentre outros importantes valores constitucionais, a liberdade de pensamento e expressão dos magistrados”. Em nota de pé de página, após utilizar o nome “Operação Gladiador”, Magalhães comenta:
“O que esperar de um país em que se pretende ditar palavras que podem e não podem ser utilizadas em decisões judiciais? A inteligência e o profissionalismo dos membros do Poder Judiciário no Brasil são suficientes para não deixar que o mero emprego das denominações conferidas a operações policiais afete sua imparcialidade ou o cumprimento de quaisquer deveres inerentes ao cargo. A recomendação n. 18/04.11, 2008 do Egrégio Conselho Nacional de Justiça viola flagrantemente, dentre outros importantes valores constitucionais, a liberdade de pensamento e expressão dos magistrados (art. 5o, IV CR/88 e art. 41 da Lei Complementar n. 35/79). Assim, observadas as limitações decorrentes da legislação e do bom senso, nenhum órgão, entidade ou pessoa tem competência constitucional para censurar previamente atos jurisdicionais. Por entender que os únicos compromissos da magistratura se dão com o interesse público, com a legislação e, sobretudo, com a Constituição, à qual todos um dia juramos cumprir, fiz e continuarei fazendo menção a nomes de operações policiais sempre que se fizer necessário, nesta e em outras decisões”.
Algemas de gabinete
O juiz também foi crítico com relação à decisão dos ministros do STF, em agosto do ano passado, quando da elaboração da súmula vinculante que restringiu aos casos excepcionais o uso de algemas pela polícia. Para Magalhães, falta competência ao Judiciário para regulamentar a questão.
Em determinada parte da sentença, o juiz descreve o que lhe pareceu serem regalias que o bicheiro preso Fernando de Miranda Ignácio desfrutava junto aos policiais de sua escolta. Numa audiência em que o réu, “sem algemas, trajando terno e óculos escuros e guardando certa distância em relação aos policiais federais que faziam sua escolta” provocou “extrema apreensão e surpresa na ocasião quando, no momento da assinatura do termo, o acusado Fernando Ignácio pôs a mão na parte interna de seu requintado paletó e de lá sacou - para alívio dos presentes - apenas uma lustrosa caneta importada, deixando claro que sequer fora revistado”. Aproveitando-se da citação da falta de algemas, ele, em outra nota de pé de página na sentença criticou a decisão dos ministros do Supremo por decidirem sobre um tema que, no entendimento dele, “não deve ser analisado dentro de gabinetes”. Ele comenta:
“Descabe, por impertinência, aprofundar aqui a discussão sobre o uso de algemas em réus presos, inclusive durante a escolta para audiências. Contudo, é fato que o Poder Judiciário não tem competência constitucional para normatizar a questão, sendo certo que o Código de Processo Penal de 1941 não o fez e a Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84), em seu artigo 199, dispõe apenas que a matéria deve ser regulada por decreto federal, o que até o momento não ocorreu. Assim sendo, observados os ditames constitucionais e punidos os casos em que haja comprovado abuso, a real necessidade do uso de algemas decorrente do perigo para a segurança dos policiais e do próprio preso somente pode ser verificada por agentes tecnicamente habilitados presentes no momento e no local da condução do preso, tema que não deveria ser analisado, antecipada e genericamente, dentro de gabinetes. Assim, por questão de segurança, probidade e tratamento igualitário, penso que a regra geral deveria ser no sentido de que todos os presos, sem exceção, fossem conduzidos com algemas, que poderiam ser retiradas em audiência por decisão judicial, a requerimento da defesa, ouvido o Ministério Público e, em especial, o agente responsável pela escolta”.
Jogo ilegal
A sentença foi dura com a quadrilha dos bicheiros; Ignácio, genro de Castor e Rogério Costa de Andrade e Silva, sobrinho do capo do Jogo do Bicho carioca, já falecido. Os dois, desde a morte do antigo chefão, travam uma sanguinária batalha na disputa pela exploração das máquinas caça-níqueis na Zona Oeste da cidade, provocando dezenas de mortes. Foi através da Operação Gladiador, em dezembro de 2006, que a Polícia Federal – por conta do combate ao crime de descaminho e contrabando de componentes eletrônicos estrangeiros ilegalmente utilizados nas maquinetas – conseguiu desbaratar três quadrilhas de contraventores.
A investigação começou a partir de outra investigação sobre a movimentação patrimonial do ex-policial federal Paulo César Ferreira do Nascimento, o Paulo Padilha, que se iniciou na contravenção, junto com o irmão Moacir, como sócios de Rogério Andrade. Padilha, porém, acabou crescendo e formando uma terceira quadrilha também atingida na sentença do juiz da 4ª Vara Criminal Federal.
Os dois parentes de Castor e Paulo Padilha foram condenados pelos crimes de contrabando ou descaminho, corrupção ativa e formação de quadrilha. Ignácio e Andrade ganharam pena de 18 anos de reclusão e 360 dias multa, cada um deles estipulados em cinco salários mínimos vigente. Já Paulo Padilha, por não ter sido comprovada a utilização de armas pelo seu bando, ficou com uma pena de 15 anos e seis meses de reclusão e também 360 dias multas no mesmo valor aplicado aos outros dois chefes de quadrilha.
A denúncia inicial do processo atingia 43 réus, mas a sentença só analisou a situação de 11 deles, que se encontram presos. Os demais respondem a processos desmembrados. Os onze foram condenados. Entre eles, estão três policiais ligados ao ex-chefe de Polícia Civil do Rio, o também ex-deputado estadual Álvaro Lins, que se encontra preso por outro processo. Conhecidos pelo Grupo de Inhos, já que os três eram tratados pelo diminutivo de seus nomes, os policiais: Hélio Machado da Conceição (o Helinho), Fábio Menezes de Leão (Fabinho) e Jorge Luís Fernandes (Jorginho) receberam penas de sete anos de reclusão e 200 dias multa, cada um deles estipulado em dois salários mínimos vigente. Fábio e Hélio foram condenados por formação de quadrilha e corrupção passiva. Mas Jorginho ganhou penas pelos crimes de formação de quadrilha e por contrabando ou descaminho, já que ficou provado que ele também era dono de máquinas.
Segundo o juiz Magalhães, tornou-se cristalino o fato de que estes três policiais não são dignos “da credibilidade e responsabilidade outorgada sobre seus ombros pelo Estado e, portanto, não podem e não devem exercer a nobre função policial e a proteção da sociedade”. Em consequência, ele decretou a perda dos cargos dos três.
Pode parecer repetitivo, e o é; pode parecer impenitente, talvez; o texto em questão é de certa forma grave e revela, na visão e desabafo do magistrado, que até eles sofrem uma forma de censura prévia e póstuma; todos querem ditar as regras judiciais, seja pelo próprio sistema judicial, seja pela força da violência, seja oxalá, pela barbárie da corrupção. O juiz ganha um salário razoável para encerrar altercações entre elementos desgostosos e com tais deliberações, tenta o “homem da capa preta” colocar ordem num país que mais se parece a um galinheiro sem patrão ou a um inferno sem lúcifer.
Leis que precisam de marketing para “pegar”; leis que são elaboradas por analfabetos de pai, mãe e parteira; Poderes que não se enxergam como “Poderes”; denúncias gravíssimas que são esquecidas na primeira lágrima de uma medalha conquistada ou na próxima denúncia solta ao vento; e desta forma, chegou ao meu texto publicado de número duzentos repetindo a pergunta célebre que ninguém ousa responder publicamente, principalmente quem detém os direitos formais de resposta: QUE PAÍS É ESSE?
CARLOS HENRIQUE MASCARENHAS PIRES
www.irregular.com.br