O Excesso Exculpante na Legítima Defesa
Resumo: O artigo jurídico é uma visão crítica a respeito do excesso exculpante na Legítima Defesa. Temos a pretensão de mostrar a sua evolução histórica, a exclusão de antijuridicidade e suas causas, o conceito de legitima defesa e seus requisitos e por fim a analise do excesso exculpante.
Abstract: The article is a critical legal about the excess exculpante at Legitimate Defense. We have the desire to show its historical evolution, the exclusion of antijuridicidade and its causes, the concept of legitimate defense and their requirements and finally to analyze the excess exculpante.
Palavras-chave: Legítima Defesa. Exculpante. Excesso. Direito.
Sumário: 1. INTRODUÇÃO – 2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA – 2.1 Histórico – 2.2 Os Grandes Expoentes – 3. DA EXCLUSÃO da ANTIJURIDICIDADE – 3.1 Da Antijuridicidade – 3.1.1 Conceito – 3.1.2 Teoria do Tipo - 3.2 Das Causas Supralegais de Exclusão da Antijuridicidade - 3.3 Das Causas Legais de Exclusão da Antijuridicidade - 4. DA LEGÍTIMA DEFESA - 4.1 Das Teorias - 4.2 Dos Requisitos - 4.2.1 Da Agressão Injusta Atual ou Iminente - 4.2.2 Da Proteção a Direito Próprio ou Alheio - 4.2.3 Da Repulsa com os Meios Necessários - 4.2.4 Do Uso Moderado dos Meios - 5. DO EXCESSO NA LEGÍTIMA DEFESA - 5.1 Referência Histórica e Conceito - 5.2 Estrutura e Função - 5.3 O Excesso Doloso e Culposo - 5.4 Excesso Exculpante - 6. CONCLUSÃO - 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - Anexo. Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
1. INTRODUÇÃO
O instituto da legítima defesa figura como a mais antiga das causas que excluem a antijuridicidade de um fato contrário ao direito, de um fato típico. Remonta a quase todas a legislações da antiguidade. O instituto tem como fundamento a natural e extintiva preservação da vida, a lei suprema da criação que cedo se manifesta em todas as criaturas.
A legítima defesa, em seu fim, é uma delegação hipotética e condicionada do Estado, que não pode ser onipotente e onipresente, a pessoa que se encontra em situação de injusta e iminente agressão, para que possa exercer a autotutela e com o uso moderado dos meios necessários possa repelir essa injusta agressão, a direito seu o a outrem.
Essa reação legítima, autorizada pelo Direito, somente se distingue da ação criminosa pelo seu elemento subjetivo, qual seja, a vontade de se defender, o animus defendendi, esta vontade carrega consigo um valor positivo a uma conduta objetivamente reprovável.
Contudo, essa reação não deve ultrapassar os limites impostos pela norma permissiva, caso contrário estará configurado o excessus defensionis, que poderá ser, a título doloso ou culposo, ou não censurável.
E nesse ponto, ou seja, o excesso exculpante, é que se foca o presente artigo.
2. DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA
2.1 Histórico
A história do Direito Penal, e, conseqüentemente da Legítima Defesa, se confunde com a história da humanidade. Ele surge com o homem e o acompanha através dos tempos. É nesse contexto que paralelamente se tem a presença da Legitima Defesa.
A origem da pena, nada mais foi que a vingança, pois é mais que compreensível que naquele indivíduo dos tempos remotos, dominado pelos instintos, o revide à agressão sofrida devia ser fatal, não havendo preocupações com a proporção, nem mesmo com sua justiça.
Os historiadores enumeram várias fases da pena: a vingança privada, a vingança divina, a vingança pública e o período humanitário. Cabe ressaltar que esses períodos não se sucedem integralmente, chegando alguns a coexistir com outros.
A vingança privada era constituída da reação à agressão, esta devia ser a regra. A princípio, reação do indivíduo contra o indivíduo, depois, não só dele como de seu grupo, para, mais tarde, já a sociedade colocar-se ao lado destes. É quando então se pode falar propriamente em vingança privada, pois, até este momento, a reação era puramente pessoal, sem intervenção ou auxílio dos estranhos. Essa reação não guardava proporção com a ofensa. (NORONHA, 2003, P.20)
Surge, então, como primeira conquista no terreno repressivo, o talião. Por ele, delimita-se o castigo; a vingança não será mais arbitrária e desproporcionada.
Tal pena aparece nas leis mais antigas, como o Código de Hamurabi, gravado em caracteres cuneiformes e encontrado nas ruínas de Susa. Por ele, se alguém tira um olho a outrem, perderá também um olho; se alguém quebra um osso a outrem, se lhe quebrará igualmente um osso etc. nessa fase há grande preocupação com a justa retribuição.
Conquista igualmente importante foi à composição, preço em moeda, gado, vestes, armas etc., por que o ofensor comprava do ofendido ou de sua família o direito de represália, assegurando-se a impunidade. Adotaram-na o Código de Hamurabi, o Pentateuco, o de Manu e outros, podendo dizer-se que permanece até hoje entre os povos, sob a forma de indenização, multa, dote, etc.
Na fase da vingança divina, já existe um poder social capaz de impor aos homens normas de conduta e castigo. O princípio que domina a repressão é a satisfação da divindade, ofendida pelo crime. Pune-se com rigor, antes com notória crueldade, pois o castigo deve estar em relação com a grandeza do deus ofendido. (NORONHA, 2003, P.21)
O Direito Penal religioso é teocrático e sacerdotal. Um dos principais Códigos é o da Índia, de Manu (Mânava, Dharma, Sastra). Tinha por escopo a purificação da alma do criminoso, através do castigo, para que pudesse alcançar a bem-aventurança. Dividia a sociedade em castas: brâmanes, guerreiros, comerciantes e lavradores. Era a dos brâmanes a mais elevada; a última, a dos sudras, que nada valiam.
A seguir, a vingança pública, tem como objetivo a segurança do príncipe ou soberano, através da pena, também severa e cruel, visando à intimidação. (NORONHA, 2003, P.23)
O crime e a pena, na Grécia, a princípio, inspiravam-se ainda no sentimento religioso. O direito e o poder emanavam de Júpiter, o criador e protetor do universo. Dele provinha o poder dos reis e em seu nome se procedia ao julgamento do litígio e à imposição do castigo.
Todavia seus filósofos e pensadores haveriam de influir na concepção do crime e da pena. A idéia de culpabilidade, através do livre arbítrio de Aristóteles, deveria apresentar-se no campo jurídico, após firmar-se no terreno filosófico e ético. Já com Platão, nas Leis, se antevê a pena como meio de defesa social, pela intimidação aos outros, advertindo-os de não delinqüirem.
O direito canônico trilhou caminho diverso, quer se opondo à influência da força como prova judiciária, quer salientando o elemento subjetivo do crime. Contra a vingança privada, criou o direito de asilo e as tréguas de Deus. Combatendo aquela, sem dúvida, fortalecia o poder público.
Mesmo assim, ainda não se saíra da fase da vingança pública. Era evidente a preocupação da defesa do soberano e dos favorecidos. Predominavam o arbítrio judicial, a desigualdade de classes perante a punição, a desumanidade das penas (a de morte profusamente distribuída, como entre nós vemos nas Ordenações do Livro V, e dada por meios cruéis, tais quais a fogueira, a roda, o arrastamento, o esquartejamento, a estrangulação, o sepultamento em vida etc.), o sigilo do processo, os meios inquisitoriais, tudo isso aliado a leis imprecisas, lacunosas e imperfeitas, favorecendo o absolutismo monárquico e postergando os direitos da criatura humana.
Tal estado de coisas suscitava na consciência comum a necessidade de modificações e reformas no direito repressivo.
2.2 Os Grandes Expoentes
Intérprete desse anseio foi Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria. Nasceu em Milão, em 1738. Escreveu seu famoso livro Dei delitti e delle pene (1764), que tanta repercussão veio a causar. Não era um jurista, mas filósofo, discípulo de Rousseau e Montesquieu. Sua obra assenta-se no contrato social e logo, de início, chama a atenção para as vantagens sociais que devem ser igualmente distribuídas, ao contrário do que sucedia. Afirma que as penas não podem passar dos imperativos da salvação pública. A seguir, sustenta que só às leis cabe cominar penas e somente o legislador as pode elaborar.
Em face do arbítrio judicial, impugna a interpretação da lei pelo magistrado, acrescentando que "nada mais perigoso do que o axioma comum, de que é preciso consultar o espírito da lei", o que evidentemente é insustentável, mas que se explica como reação à arbitrariedade e à injustiça reinantes. A essência da obra era a defesa do indivíduo contra as leis e a justiça daqueles tempos, que se notabilizaram; aquelas, pelas atrocidades; e esta, pelo arbítrio e servilismo aos fortes e poderosos. (BECCARIA, apud NORONHA, op. cit., p. 24)
Personagem não menos importante, citado por Noronha foi John Howard. Em terreno mais prático e noutro cenário - a Inglaterra - encabeçou o movimento humanitário da reforma das prisões. Percorreu as enxovias e calabouços da Europa e relatou os horrores que presenciou. (Aliás, ele mesmo já estivera preso.) Fê-lo em 1770, em seu livro The state of prisons in England; anos depois, escrevia outro trabalho. (Ibid., p. 26)
John Howard propunha um tratamento mais humano do encarcerado, dando-lhe assistência religiosa, trabalho, separação individual diurna e noturna, alimentação sadia, condições higiênicas etc. Para muitos John Howard é considerado o Pai da Ciência Penitenciária.
Depois desse período humanitário, novos rumos para o direito penal são traçados e que se ocupam com o estudo do homem delinqüente e a explicação causal do delito, é o período criminológico.
Segundo Noronha o primeiro que os apontou foi um médico chamado César Lombroso. Em 1875, escreve seu livro L'uomo delinquente, que bastante repercussão tem, granjeando adeptos e provocando opositores. (Ibid., p. 27)
Ao invés de considerar o crime como fruto do livre arbítrio e entidade jurídica, tem-no qual manifestação da personalidade humana e produto de várias causas. A pena não possui fim exclusivamente retributivo, mas, sobretudo, de defesa social e recuperação do criminoso, necessitando, então, ser individualizada, o que evidentemente supõe o conhecimento da personalidade daquele a quem será aplicada.
O ponto principal de Lombroso é a consideração do delito como fenômeno biológico e o uso do método experimental para estudá-lo. Foi o criador da antropologia criminal. A seu lado surgem Ferri, com a sociologia criminal, e Garofalo, no campo jurídico, com sua obra Criminologia, são os três considerados os fundadores da Escola Positiva.
A noção jurídica da Legítima Defesa somente surgiu quando o Estado reclamou para si o castigo do autor em face da prática de uma ofensa pública ou privada, iniciando-se o processo evolutivo do direito de punir e do direito de liberdade: de um lado, o Estado punitivo; de outro, a legítima defesa exercida por qualquer particular injustamente na qualidade de vítima da agressão. Nesse aspecto, a Legítima Defesa é, simultaneamente, o princípio de direito natural anterior e superior a qualquer norma de direito positivo, assim como também a manifestação impulsiva do instinto de conservação existente em todo o ser humano.
3. DA EXCLUSÃO DA ANTIJURIDICIDADE
3.1 Da Antijuridicidade
O princípio fundamental da antijuridicidade sofre exceções, quando para casos em que uma conduta proibida, ameaçada com pena, e, portanto antijurídica, é permitida, tornando-se jurídica. Não é outra a razão por que o fato só é considerado crime quando se acha previsto em lei, e a ele não se aplica nenhuma causa de exclusão da antijuridicidade.
Em decorrência das transformações sociais, o Direito deve evoluir e acompanhar os novos moldes sociais, que se apresentam. Não se deve ter a idéia de que o artigo 23 do Código Penal Brasileiro venha a exaurir todas as causas que permitam a exclusão do crime. (DELMANTO, 2005, p. 44)
O fato social que se mostra contrário à norma de Direito molda o ilícito jurídico, que atenta contra os bens mais importantes da vida social, por conseguinte molda o ilícito penal. A antijuridicidade é a essência do crime, pode ser definida como a contrariedade ao direito.
Desta forma o Estado estabelece sanções, contra a prática de fatos antijurídicos, procurando tornar invioláveis os bens que protege, quais sejam: a vida, a integridade física, a honra, os bens. É justamente com esse ideal que se origina o Direito Penal e a punição legal, em busca da harmonia social, tutelando os valores mais importantes do ser humano.
Segundo os ensinamentos de Aníbal Bruno:
o crime é essencialmente uma ação, isto é, uma manifestação da vontade humana no mundo exterior, mas uma ação antijurídica, isto é, contrária ao Direito, uma ação que contrasta com a proibição ou o comando de uma norma jurídica, é ainda uma ação típica, uma ação que realiza uma das descrições do fato punível que se encontram na lei, uma ação que se ajusta a um tipo legal e, finalmente, uma ação culpável, isto é, uma ação pela qual deve pesar sobre o seu autor a reprovação da ordem jurídica. (BRUNO, 1967, p. 274)
Apresentando-se uma conduta juridicamente ameaçada com pena, tem-se uma conduta antijurídica, e, por conseguinte, crime.
3.1.1 Conceito
Doutrinariamente, o conceito de antijuridicidade vem a ser o fato contrário ao Direto. Entretanto, não será suficiente que tal comportamento seja típico, corresponda a um modelo legal, adequando-se à norma penal incriminadora. Será necessário que o fato seja ilícito para que sobre ele incida a reprovação do ordenamento jurídico e ainda, que o agente o no mínimo o tenha cometido a título de culpa.
Precipuamente a antijuridicidade é a relação de contrariedade existente entre o fato típico e o ordenamento jurídico, ou seja, contrária ao Direito Positivo. A conduta descrita na norma penal incriminadora será ilícita quando não for expressamente declarada lícita, e, enquanto contrariedade à lei, constitui um dos elementos básicos para a existência do crime.
Não é outro o entendimento de Prado que define “a antijuridicidade, elemento conceitual do delito, exprime a relação de contrariedade de um fato com todo o ordenamento jurídico, uno e indivisível, com o Direito positivo em seu conjunto”. (PRADO, 2004, p. 363)
Ou ainda, na mesma linha ideológica preceitua Greco de que “a ilicitude, expressão sinônima de antijuridicidade, é aquela relação de contrariedade, de antagonismo, que se estabelece entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. (GREGO, 2004, p. 344)
Portanto, a antijuridicidade se reduz a um juízo, a uma estimativa do comportamento humano, pois o Direito Penal outra coisa não é que um complexo de normas que tutelam e protegem as exigências ético-sociais. O delito é, pois, a violação de uma dessas normas.
3.1.2 Teoria do Tipo
A teoria do tipo é o conjunto dos elementos descritivos do crime, contidos na lei penal. É o marco inicial de toda construção jurídico-penal objetiva ou subjetiva. Segundo Greco tipo é o modelo, o padrão de conduta que o Estado, por meio de seu único instrumento, a lei, visa impedir que seja praticada, ou determina que seja levada a efeito por todos nós. (GREGO, ibid, p. 180)
A correlação da conduta com o que foi descrito no tipo penal denomina-se tipicidade. Portanto, o tipo é um esquema, ou uma fórmula que serve de modelo para avaliar se determinada conduta está incriminada ou não. O que não se ajustar ao tipo não é crime, pois este para se caracterizar, deve conter adequação entre o fato real e a descrição legal. Assim, o fato de o homem matar outro homem corresponde à descrição matar alguém, no tipo homicídio.
A ação punível é, antes de tudo, um ilícito, mas é, além disso, uma ação típica, uma ação que reproduz, na realidade, o esquema abstrato da descrição de um fato punível contido em lei.
O tipo segundo Fragoso tem uma função de garantia, impedindo que seja considerado crime o que não estiver descrito na lei. É também um indício de antijuridicidade, indicando que, em princípio, a conduta descrita é ilícita, salvo excludente prevista em lei. (FRAGOSO, 2004, p. 191)
Na teoria do tipo, três são os elementos fundamentais, quais sejam: os elementos objetivos ou descritivos, elementos subjetivos e elementos normativos.
Os elementos objetivos do tipo são os elementos que se referem à materialidade do fato. Aqueles que descrevem o crime, o modo de execução, o tempo. O núcleo é a ação indiciada pelo verbo - matar, subtrair, exigir, ameaçar.
Os elementos subjetivos do tipo são aqueles que descrevem a finalidade, que, com exclusão do dolo genérico e da culpa, se referem a certas particularidades psíquicas da ação. O dolo específico é um elemento subjetivo de todo tipo doloso, indica um fim especial visado pelo agente.
Os elementos normativos do tipo são aqueles que exigem uma avaliação jurídica ou social, do intérprete, para saber se houve ou não o crime.
Logo, tipo normal é o que contêm apenas elementos objetivos ou descritivos, enquanto, tipo anormal são os que além do elemento objetivo, contêm também elementos subjetivos ou normativos.
No seu desenvolvimento doutrinário a tipicidade passou por três momentos, conforme leciona Greco:
(...) “inicialmente, o tipo possuía um caráter puramente descritivo. Não havia sobre ele valoração alguma, servindo tão-somente para descrever as condutas proibidas (comissivas ou omissivas) pela lei penal”.
(...) Numa segunda fase, “o tipo passou a ter um caráter indiciário da ilicitude. Isso quer dizer que quando o agente pratica um fato típico, provavelmente esse fato também será antijurídico”.
(...) Na terceira fase, o tipo passou a ser a própria razão de ser da ilicitude, a sua ratio essendi. Não há que se falar em fato típico se a conduta praticada pelo agente for permitida pelo ordenamento jurídico. É como se houvesse uma fusão entre o fato típico e a antijuridicidade, de modo que, se afastássemos a ilicitude, estaríamos acabando com o próprio fato típico. (GRECO, 2004, P.68)
3.2 Das Causas Supralegais de Exclusão da Antijuridicidade
A doutrina é pacífica em admitir que existam causas supralegais de exclusão da antijuridicidade, uma vez que a previsão legislativa não esgotou todas as possibilidades, devendo essa deficiência ser suprida pelo artigo 4º, Lei de Introdução ao Código Civil, que em seu comando determina que, quando a lei for omissa, “o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
A corrente majoritária da doutrina entende que não há que se falar de causas supralegais de justificação já que a esfera da licitude penal delimita-se por lei, e que o elenco da lei é exauriente, e não exemplificativo ou enunciativo, inexistindo causa de justificação estranha às arroladas em lei.
Nos ensinamentos de Damásio E. de Jesus:
(...) o artigo 23, III, última parte, do Código Penal, determina não haver crime quando o fato é praticado no exercício regular do direito”. A expressão direito deve ser entendida em sentido amplo, compreendendo todo ordenamento jurídico. Não se trata de um direito exclusivamente penal. Assim para a verificação da ilicitude de um comportamento, o juiz pode apreciar todos os dispositivos extrapenais e concluir pela presença de um fato típico permitido pelo Direito. Tratando a disposição de norma penal não incriminadora e havendo lacuna no ordenamento jurídico extrapenal, é permitido ao intérprete lançar mão da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito. Não se trataria propriamente de uma causa supralegal, uma vez que o juiz estaria aplicando uma disposição por analogia. (JESUS, 1997, p. 315)
Neste caso, em se tratando de ação que é permitida pelo direito civil, esta não será antijurídica perante o direito penal.
A doutrina cita algumas causas supralegais, de cujos aspectos podemos destacar. Não se pode exigir a quem é atacado, devido à sua prévia provocação, que suporte, impávido, o ataque contra a sua vida. Quem se acha em total aperto, ainda que não possa alegar a causa justificante de legítima defesa, poderá amparar-se na causa genérica e supralegal de inculpabilidade que se denomina não exigibilidade de outra conduta.
3.3 Das Causas Legais de Exclusão da Antijuridicidade
A doutrina considera que são quatro as situações previstas pelo Código Penal vigente, de circunstâncias excludentes de antijuridicidade, diante das quais, o fato, deixa ser antijurídico, porque assim determina a lei.
Nessa ocorrência o fato permanece típico, mas não há crime: excluindo-se a ilicitude, e sendo ela requisito do crime, fica excluído o próprio delito. Em conseqüência o sujeito deve ser absolvido.
O Código Penal Brasileiro as enumera no artigo 23:
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Excesso punível
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Por razões estruturais do artigo somente nos deteremos na legitima defesa, mas não podemos deixar de mencionar que no Estado de Necessidade, no Estrito Cumprimento do Dever Legal e no Exercício Regular de Direito, devem ser observados os limites na ação praticada sob pena de se ter configurada a figura do excesso.
4. DA LEGÍTIMA DEFESA
4.1 Das Teorias
A Legítima Defesa, mencionada no artigo 23, inciso II, do Código Penal, pressupõe a existência de uma agressão injusta, pois o artigo 25, no mesmo diploma legal prevê que “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. (BRASIL, 2005, p. 303)
A Legítima Defesa tem como fundamento natural à conservação da vida, a lei suprema da criação e que cedo se manifesta em todas as criaturas. Nos tempos remotos da convivência social, encontram-se os primeiros traços fisiológicos e psicológicos da legítima defesa.
O homem primitivo não tinha a idéia desse direito. Agia e reagia de forma irracional, seguindo os seus instintos de conservação e de reprodução, contra tudo o que colocava em perigo a sua existência, respondendo às ações exteriores por atos ou reflexos automáticos, em cega obediência a lei da preservação da espécie.
No aspecto mais geral, a doutrina da legítima defesa estava ligada ao homicídio. O Direito moderno libertou-a dessa dependência, que a passou, como princípio comum, para a parte geral dos Códigos. Desse modo atingiu a construção técnica definitiva que hoje se apresenta.
A partir do ponto de vista filosófico, moral, psicológico, político ou jurídico, são diversas as teorias, que procuram explicar sua natureza e dar fundamento a legitima defesa.
Na concepção doutrinária de Noronha essas teorias ora fundamentam-se na subjetividade ou na objetividade. (NORONHA, 2003, p.195)
Destacam-se, entre as teorias subjetivas, as que entendem que a legítima defesa exclui a censurabilidade, em decorrência do estado de ânimo alterado de quem se defende, ou porque a defesa do direito, inerente à legítima defesa, e seus motivos determinantes demonstram a ausência de periculosidade social.
De outra forma, as teorias objetivas entendem que a exclusão da antijuridicidade fundamenta-se no conceito de que o crime representa o revigoramento do direito.
Ocorre então uma convergência para estes dois aspectos, um objetivo e outro subjetivo. Sob o aspecto objetivo, o problema é o de uma colisão de bens, um dos quais tem de ser sacrificado. Mas o caso aqui não se resolve pela sobrevivência do bem mais valioso, mas pela condição subjetiva de que os motivos determinantes sejam conformes ao Direito, e não anti-sociais.
Prevalece a condição subjetiva, elimina o injusto. A defesa será legítima desde que nela não se revele nenhuma qualidade anti-social do agente. A ausência de temor excluiria a punibilidade. A solução positivista seria a verdadeiramente válida em um Direito Penal baseado na consideração da perigosidade criminal, que acentuasse a importância do elemento subjetivo do agente. No Direito Penal tradicional, a interpretação da legítima defesa segue a ótica de um ponto de vista puramente objetivo.
Segundo leciona Prado encontram-se ainda outras teorias de fundamentação da legítima defesa, dentre as quais pode-se destacar: a Teoria do Instituto de Conservação, Teoria de Colisão de Bens e a Teoria da Delegação do Poder de Polícia. (PRADO, 2004, p. 373)
A Teoria do Instinto de Conservação uma das mais antigas, procura sedimentar a base da defesa privada no instinto inerente ao homem, que é precisamente o instinto de conservação. Essa teoria se enfraqueceu quando se passou a aceitar a legítima defesa de terceiros.
A Teoria de Colisão de Bens alcançou grande aceitação, sobretudo na Alemanha. Na legítima defesa, há dois bens jurídicos em conflito, um dos quais tem de perecer. Ao direito importa que sobreviva o mais valioso, do ponto de vista da justiça, é o agredido.
A Teoria da Delegação do Poder de Polícia representa uma outorga, uma delegação condicionada do poder de polícia do Estado ao indivíduo, uma vez que o Estado não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, delega ao individuo colocado nessa situação extrema a possibilidade jurídica da defesa.
A ordem jurídica visa à proteção dos bens juridicamente tutelados. E não só punir a agressão, mas preveni-la. Quem defende, seja embora violentamente, o bem próprio ou alheio injustamente atacado, não só atua dentro da ordem jurídica, mas em defesa dessa mesma ordem. Atua segundo a vontade do Direito. O seu ato é legítimo e exclui, portanto, a hipótese de crime.
Essas teorias, no entanto, não procedem. Na medida em que não atendem à realidade biológica e à utilidade social, embora contribuam entrosando ou completando-se, para emprestar a legitima defesa força, não da culpabilidade, mas da antijuridicidade do fato típico.
Segundo leciona Noronha os subjetivistas transportam a legítima defesa para o campo da culpabilidade, o que é insustentável, enquanto que os objetivistas ou se fundam na idéia contratualista, ou desconhecem a essência do instituto, onde não há conflito de interesse mas ofensa a um interesse juridicamente tutelado. (NORONHA, 2003, p. 195)
Desta forma, o fundamento mais atual da legítima defesa é o da injustiça e, por conseguinte, a ilicitude do ataque. A qual legitima a reação e a torna justa e, conseqüentemente, lícita. A lei penal que reconhece a antijuridicidade da agressão injusta, reconhece a juridicidade da reação defensiva.
4.2 Dos Requisitos
Através dos séculos, o instituto da Legítima Defesa sofreu uma evolução, invocando na antiguidade somente em casos de homicídio, passando depois a abranger outros bens jurídicos, além da vida, como a integridade física, o pudor, a honra, a propriedade, liberdade pessoal, etc.
Ao delimitar os contornos da legítima defesa, muitas legislações, e até vários doutrinadores, preferem a utilização de critérios abrangentes e genéricos. Esses doutrinadores defendem que o ideal seria se a excludente não sofresse restrições do texto legal, conferindo ao magistrado o poder de decidir, no caso concreto, se existiu ou não o evento da justificante.
A essência da Legítima Defesa apóia-se, em nosso direito positivo, nos termos do artigo 25 do Código Penal Brasileiro, nos requisitos da agressão injusta, atual ou iminente; proteção a um direito próprio ou alheio; repulsa com os meios necessários; uso moderado de tais meios e por fim, subjetivamente, o conhecimento da agressão e da necessidade para debelar a agressão injusta, sendo imprescindível sua observação, posto que esta excludente da antijuridicidade se dá com o exame da parte subjetiva do indivíduo e da parte objetiva do tipo. (BRASIL, 2005, p. 303)
4.2.1 Da Agressão Injusta Atual ou Iminente
A agressão é o primeiro momento da legítima defesa. Ela é que coloca em perigo o bem jurídico e provoca a repulsa. Agressão é a conduta humana que ataca ou coloca em perigo um bem jurídico. Será ela injusta quando estiver em desacordo com as normas jurídicas, ou, quando representar uma conduta proibida ou desautorizada pelo direito. Desta forma, toda vez que um bem jurídico, penalmente tutelado ou amparado em normas extrapenais, estiver ameaçado sem uma causa legal, a agressão a este bem será injusta.
No entendimento de Prado “a agressão é toda ação dirigida à produção de um resultado lesivo a um bem jurídico, violenta ou não”. (PRADO, 2004, p. 374)
Essa injusta agressão pode ocorrer independente da consciência da ilicitude por parte do agressor, como no caso da conduta de um inimputável, onde se admite a excludente, pois a inimputabilidade é causa de exclusão da culpabilidade e não da antijuridicidade. Dessa forma, a conduta do inimputável, embora não seja culpável pode ser típica e antijurídica, constituindo-se em agressão injusta.
Não tem relevância de que forma se manifesta a agressão; não é preciso que se exprima a violência; o essencial é que nela se contenha um dano potencial ao bem jurídico. Pode se manifestar também pela omissão, se esta se apresenta como idônea a produzir o dano do Direito e ao omitente caiba, na circunstância, o dever jurídico de agir. Nesse sentido, a ação negativa, ou seja, a omissão se traduz em conduta antijurídica passível de repulsa legítima.
Uma parte minoritária da doutrina põe como condição discriminante à ausência de provocação do agredido. Majoritariamente o que tende a prevalecer é que a provocação do agredido não tira a legitimidade à defesa. Esta é a boa solução. Não seria conforme o Direito que a provocação inicial do agente o reduzisse a ficar sem defesa, a mercê de toda a violência do agressor. Nesse caso, a provocação pode valer como atenuante, mas não significa a violência da agressão.
É imprescindível, porém, que a provocação não tome o caráter de verdadeira agressão, porque, neste caso o outro, que agride, estaria em situação de legítima defesa, e a excludente já não poderia caber ao provocador, vez que não há legítima defesa contra legítima defesa. É claro que a provocação, para ser indiferente, não deve ter sido simples ardil empregado para provocar a agressão e ofender o agressor a pretexto de defesa.
Mas não é suficiente que tenha havido agressão, ela deverá ser atual ou iminente. Atual quando estiver ocorrendo no momento da repulsa, é a agressão presente, é a que já começou e ainda não terminou. Será iminente, quando estiver prestes a acontecer. Esta iminência da agressão não se confunde com a possibilidade de uma futura agressão. Não é possível se justificar a legítima defesa, tanto a uma agressão passada quanto ao perigo de ocorrer uma agressão futura.
No entendimento de Bitencourt “a reação deve ser imediata à agressão, pois a demora na repulsa descaracteriza o instituto da legítima defesa”. (BITENCOURT, 2003, p. 267)
A vingança ou o temor não explica e não legitima a reação, mas sim a necessidade de defesa urgente e efetiva do bem ameaçado, o que só a agressão atual justifica. Enquanto se mantém a agressão, a legítima defesa tem lugar. Mesmo se a lesão já se deu, procede à defesa, se persiste o perigo de que o dano seja continuado ou agravado. No caso de consumada a lesão, isto é, extinto o perigo, já não cabe a defesa como legítima, mas esta com certeza procede enquanto perdura a consumação, como no caso dos crimes permanentes.
Por derradeiro, a atualidade ou iminência da agressão é que serve de medida única à necessidade de defesa. É indiferente a legitima defesa à possibilidade de fuga do agredido, ou mesmo a condição de violência da agressão, sendo admitida até para impedir a consumação de um furto simples ou com destreza.
4.2.2 Da Proteção a Direito Próprio ou Alheio
Na visão do titular do direito a ser protegido, a repulsa pode ocorrer em defesa própria, quando o autor da reação é o próprio titular do bem jurídico a ser protegido, ou em defesa de terceiros, quando visar a defesa de interesse de outrem.
No bem jurídico ameaçado pela agressão, tem-se de forma abrangente todo interesse juridicamente tutelado, como a vida, a integridade corporal, a liberdade pessoal, a propriedade, etc., sem qualquer limitação. Assim, a legítima defesa pode ser exercitada para salvaguardar a todos os interesses juridicamente protegidos.
A controvérsia que se tem suscitado é a legítima defesa da honra. Mas, como os demais bens jurídicos, este também é protegido pelo instituto. O que é preciso é considerar que a legítima defesa não é desforço, é proteção; não tem por fim punir, mas prevenir. Como se vê a legítima defesa pode ser exercida para impedir a ofensa a direito próprio ou de outrem.
Como adverte Toledo apud Bitencourt, “quando se tratar de direitos disponíveis e de agente capaz, a defesa por terceiro não pode fazer-se sem a concordância do titular desses direitos, obviamente”. A lei ainda admite a legítima defesa de terceiros, que pode ser tanto para pessoa física, quanto para jurídica. No entanto, na defesa de direito alheio, deve-se observar a natureza do direito defendido. (BITENCOURT, 2003, p. 267)
4.2.3 Da Repulsa com os Meios Necessários
No emprego dos meios necessários a repulsa, a necessidade supõe a oportunidade do emprego da defesa; a impossibilidade de usar outros meios menos drásticos; a inevitabilidade do perigo por outros recursos, mas sempre em direta relação e subordinação ao perigo que nos ameaça, à entidade do bem jurídico que violentamente ampara-se e à figura típica que surge da reação.
Como adverte Jesus “o meio escolhido deixará de ser necessário quando se encontrarem à sua disposição outros meios menos lesivos. O sujeito que repele a agressão deve optar pelo meio produtor do menor dano. Se não resta alternativa, será necessário o meio empregado”. (JESUS, 1997, p. 339)
São apreciados objetivamente os usos dos meios necessários, concretamente, de caso a caso, segundo um critério de relatividade ou de um cálculo estimativo. Trata-se de uma aferição ajustada às condições entre o quantum da reação e a intensidade da agressão.
4.2.4 Do Uso Moderado dos Meios
Segundo entende Fragoso “empregar moderadamente os meios necessários significa usar os meios disponíveis, na medida em que são necessários para repelir a agressão”. (FRAGOSO, 2004, p. 229)
Neste último requisito, tem maior relevância a apreciação da teoria de que a legítima defesa deve ser entendida mais subjetivamente do que objetivamente, vez que importa que o agente seja prudente, comedido, atuando de forma moderada.
Entretanto, há que se observar que a sua medida não deve e nem pode ser avaliada sob o frio cálculo, longe da realidade do fato. Dessa maneira, seria necessário observar-se que no intenso estado de ânimo ou de perturbação, provocado por uma agressão ou ameaça injusta, não se pode, humana e juridicamente, exigir-se ou impor-se equivalência absoluta entre a defesa e a agressão.
Na visão do doutrinador Rogério Grego:
(...) não é o número de golpes ou disparos, por exemplo, que caracteriza a imoderação, levando o agente a atuar em excesso. Pode acontecer que, para fazer cessar a agressão que estava sendo praticada contra a sua pessoa, o agente tenha de efetuar, v.g., mais de cinco disparos, sem que isso possa conceituar-se como uso imoderado de um meio necessário. Suponhamos que A esteja sendo agredida injustamente por B. Com a finalidade de fazer cessar a agressão, A saca uma pistola que trazia consigo e efetua oito disparos em direção a seu agressor. Mesmo atingido por oito vezes, o agressor ainda caminha em direção ao agente, pois que os disparos não foram suficientes para fazê-lo parar. Somente no nono disparo é que o agressor é derrubado e a agressão cessa. Assim, para que possamos verificar se o uso do meio necessário foi moderado ou não, é preciso que tenhamos um marco, qual seja, o momento em que o agente consegue fazer cessar a agressão que contra ele era praticada. Tudo o que fizer após esse marco será considerado excesso. (GRECO, 2004, p. 395)
A reação legítima autorizada pelo Direito somente se distingue da ação criminosa pelo seu elemento subjetivo, ou seja, a vontade de se defender. O animus defendendi atribui assim um valor positivo a uma conduta objetivamente desvaliosa. Em sua obra Bitencourt citando Wenzel afirma que “a ação de defesa é aquela executada com o propósito de defender-se. O que se defende tem de conhecer a agressão atual e ter a vontade de defender-se”. (WENZEL, Hans apud BITENCOURT, 2003, p. 269)
Em suma, é mister que se aja com moderação, não empregando o meio necessário além do que é preciso para evitar a lesão ou ameaça do bem próprio ou de outrem. Caso contrário, desaparecerá a legítima defesa ou aparecerá à figura do excesso.
5. DO EXCESSO NA LEGÍTIMA DEFESA
5.1 Referência Histórica e Conceito
São previstas no Código Penal Brasileiro a legítima defesa justificante: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”, a putativa excludente: “É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo”, e os excessos puníveis a título de dolo ou culpa stricto sensu: “O agente de qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”. (BRASIL, 2005, p 303)
Foi imprescindível que o Estado evoluísse e se organizasse até o ponto de monopolizar o ius puniendi em relação a todas as condutas proibidas penalmente, ou seja, tanto os delitos que ofendiam interesses públicos como aqueles que atingiam valores particulares, para que então surgisse a idéia da legítima defesa. (GUERRERO, 1996, p. 64)
É notória a influência exercida pela Igreja Católica sobre o Estado e conseqüentemente sobre o Direito, o que justifica a sua grande contribuição para o desenvolvimento da legítima defesa e, dessa forma, também para o surgimento, evolução e regulamentação do instituto chamado de excesso.
A legislação pátria que foi aplicada por muito tempo era constituída por textos elaborados no continente europeu. Na descoberta e no Brasil Colônia são as Ordenações, Afonsinas e Filipinas, respectivamente, que possuem relevante importância aqui.
No período imperial vigorou o Código Criminal de 1830, que ao tratar dos crimes justificáveis, exigia sempre falta absoluta de outro meio menos prejudicial, e ao regular a resistência à execução de ordens ilegais, impunha que não houvesse excesso na utilização dos meios de que se vale o agente para impedi-la.
No período da República, em 1890, entra em vigência o Código Penal, que tratava do excesso ao cuidar de ordem legalmente devida, mantendo a exemplo do texto do Império que determinava a falta de outro meio menos prejudicial, no caso de se praticar o crime para evitar mal maior, exigindo, ainda o emprego de meios adequados para evitar o mal em proporção à agressão.
No ano de 1940 surge novo Código Penal, o primeiro diploma com vigência a destinar um parágrafo para cuidar exclusivamente do instituto, contudo, limitou a figura do excesso apenas à legítima defesa e previu somente o excesso derivado de culpa, ignorando desta forma qualquer outra forma de apresentação.
No ano de 1969, o Anteprojeto Hungria, inovou consideravelmente, vez que não mais restringiu o instituto somente à legítima defesa, ao contrário, foi estendido a todas as excludentes de ilicitude, admitindo pela primeira vez, a previsão e punição do excesso doloso, permitindo, não obstante, atenuação da pena. Mas não só se limita a isso, determina ainda a não-punição do excesso quando resultante de escusável medo, surpresa ou de perturbação de ânimo em face da situação.
Com a Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, alterou-se a Parte Geral original do Código Penal de 1940, o que trouxe importantes modificações ao Direito Penal pátrio, inclusive em relação ao instituto do excesso.
A palavra excesso tem sua origem no vocábulo latino excessu. O verbete informa ser o excesso a diferença para mais de duas quantidades, aquilo que excede ou ultrapassa o permitido, o legal, o normal.
Para o Direito Penal o excesso se trata de um instituto sem vida autônoma, por estar funcionalmente vinculado à configuração de uma situação na qual se identifique uma causa de justificação. Surge, assim, o excesso quando o agente viola os requisitos exigidos em lei, ultrapassando as fronteiras do permitido.
O doutrinador Noronha conceitua e explica que “excesso significa a diferença a mais entre duas qualidades. Há, em tese, excesso nos casos de exclusão de ilicitude quando o agente, ao início sob abrigo da excludente, em seqüência vai além do necessário”. (NORONHA, 2003, p. 201)
Já na visão do doutrinador Aníbal Bruno a moderação é relevante como se destaca, para que a repulsa se conserve dentro dos limites em que a defesa é legítima, há de manter aquela moderação, aquela justa, embora relativa, proporcionalidade entre o ataque e a reação. Se o agredido ultrapassa tais limites, usando meio além do necessário ou empregando-o sem a moderação devida, pode cair no chamado excesso na defesa. (BRUNO, 1967, p.384)
O excesso se configura quando o agente extrapola os limites do permitido para a proteção a seu direito, nas condições em que concretamente se encontrava, é o plus desnecessário, que não se justifica, que não precisa de forma alguma existir. Cristalino é que o excesso apresenta-se todas as vezes que o agente, após se encontrar amparado pela justificativa, ultrapassa os limites impostos pela lei ao seu exercício ou pela necessidade de agir.
Destarte, em princípio, sempre que faltar proporcionalidade entre o perigo imposto pelo ataque ou a necessidade da utilização do meio escolhido para repelir a agressão, haverá a figura do excesso.
5.2 Estrutura e Função
O instituto do excesso é conhecido em quase todos os ordenamentos jurídicos, variando em relação a sua forma de previsão e o tratamento dado.
Por se tratar de um instituto penal sem autonomia jurídica, na sua apreciação e na sua aplicação, necessário se torna que haja vinculação a outros institutos. Imperativo é que a excludente se integre completamente, e não ocorrendo, não é possível falar-se em excesso. Portanto, para o reconhecimento do excesso, há necessidade da preexistência de uma excludente de ilicitude.
Também, deve-se ter em mente que nem sempre que se dê à causa, que torna a conduta lícita ocorrerá o excesso, pois poderá o agente, amparado pela legítima defesa, praticar todos os atos dentro dos estritos limites do que lhe é permitido e regulado.
O estado psíquico do agente, outro elemento que tem caráter subjetivo, diz respeito a quando este agente ultrapassa a fronteira do que lhe é permitido fazer, seja dolosa ou culposamente. No primeiro caso, age por vontade livre e consciente, o agente sabe exatamente onde finda o amparo que a lei lhe oferece, mas não contente com isso, deseja o plus, e assim age movido por um desejo autônomo, que quase sempre é a ira, a vingança ou o ódio. Neste caso o agente age dolosamente, ocorrendo a figura do excesso doloso. No segundo caso, pode ocorrer que o agente ultrapasse seus limites de atuação, não com a consciência e nem com a previsão, mas sim porque esse excesso é derivado de um descuido, não se dando conta de que se está excedendo, pelo contrário, acreditando que ainda persiste a agressão ou que essa ainda irá ocorrer, ocorrendo então a figura do excesso culposo.
O excesso, consoante ao direito positivo, apresenta característica de norma penal incriminadora, vez que o parágrafo único do artigo 23 estipula que o agente que se exceder em qualquer das hipóteses desse artigo deverá responder pelo excesso, dolosa ou culposamente, isto é, será punido pela sua conduta, desde que esteja prevista num tipo penal. (BRASIL, 2005, p. 303)
Em se tratando de excesso escusável, para os casos nos quais o agente excede por medo, pavor, surpresa, entende-se que essa modalidade de excesso desempenha o papel de causa de exclusão da culpabilidade, pois nas circunstâncias nas quais o agente se encontrava não era possível exigir-se comportamento diferente, sendo assim, uma situação fática de inexigibilidade de conduta diversa.
Na legítima defesa, em se tratando de excesso, a situação é mais séria, o agente está efetivamente sofrendo ou em vias de sofrer uma agressão que acarretará um dano a direito seu ou de outrem, caso este não reaja. Mas, ao reagir, não se manteve dentro dos estritos limites do permitido, por exorbitar com seu comportamento o estipulado em lei.
5.3 O Excesso Doloso e Culposo
Um dos temas mais polêmicos na doutrina é determinar se o elemento subjetivo do agente que se excede é constituído de dolo ou de culpa.
Encerra Greco que “quando falamos em excesso, o primeiro raciocínio que devemos ter, posto que lógico, é que o agente, inicialmente, agia amparado por uma causa de justificação, ultrapassando, contudo, o limite permitido pela lei”. (GRECO, 2004, p.396)
O excesso está pacificado pelos nossos Tribunais que o admitem tanto na imoderação, como no emprego de meios desnecessários.
Conforme autor Greco “se, mesmo depois de ter feito cessar a agressão que estava sendo praticada contra a sua pessoa, o agente não interrompe seus atos e continua com a repulsa, a partir desse momento já estará incorrendo em excesso”. (GRECO, ibid, p. 396)
Em se tratando do excesso doloso não se pode negar que exista o fim defensivo, mas também não se pode negar que não esteja presente a vontade de repelir concretamente a agressão. Quando, por exemplo, já prostrado seu agressor, o agredido prossegue na conduta de feri-lo, passando, assim, de uma conduta lícita a um comportamento ilícito.
Na visão de Damásio, “vislumbra-se o excesso doloso quando o agente inequivocamente deseja um resultado que ultrapassa o que é necessário para pôr fim ao ataque. Assim, responderá o agente pelo excesso, ou seja, pelo fato típico realizado dolosamente”. (JESUS, 1997, p. 342)
O posicionamento entre a maioria dos principais penalistas modernos, é predominante, para os quais, necessário é perceber que ao excesso corresponde uma conduta intencionada do agente de provocar um dano não necessário e, desse modo, se estará agindo com dolo. É importante observar que quase todas as legislações que adotam essa posição prevêem o abrandamento da pena ao agente que se excedeu.
Contudo, o agente que, ofuscado sobre a gravidade e sobre a inevitabilidade do próprio perigo, mata ou fere, não possui a vontade, não possui a consciência de delinqüir. Não se acha, pois, absolutamente em dolo, porque não conhece a contradição do seu ato e a lei. Pode ser reprovável um erro de cálculo, uma precipitação, neste caso haverá a constituição da culpa.
Refere-se, assim, a culpa no excesso cometido no erro de avaliação pelo agente que se defende, que, sendo razoável, confunde-se com os próprios atos de defesa, e, em sendo o erro inescusável, trará, como conseqüência, punição a título de culpa.
O erro não atinge o fato, mas a circunstância que psicologicamente se resolve no motivo de agir e juridicamente na razão da não punibilidade do fato. É notório que na culpa o resultado faz-se involuntário, imprevisto ou não querido.
Entretanto, nem sempre é assim, há casos em que apesar da culpa, o agente quer o resultado. Os delitos culposos distinguem-se em dois grandes grupos: o de evento voluntário e o de evento involuntário. Não se trata de casos excepcionais, mas de hipóteses normais de culpa. A culpa apresenta-se imutável na sua essência. A produção voluntária do evento, nesse caso, relaciona-se a um desvio do processo volitivo. Há uma resolução da vontade, que é viciada, pois é efeito de uma opinião errada, provindo de uma atitude psíquica negligente ou imprudente. Existe voluntariedade do evento, porém, o processo volitivo não se formou normalmente. Destarte, independentemente, do agente querer ou não será o evento lícito e legítimo.
Chega-se à conclusão de não poder ser a culpa analisada simplesmente no que se refere à não vontade do evento, porém, deve-se levar em consideração o resultado provocado por negligência, mesmo que não intencionalmente.
Alguns doutrinadores entendem, no direito comparado, que o excesso tanto pode ser cometido dolosa como culposamente, enquanto outros procuram fundir dolo e culpa no mesmo excesso, sem, contudo, aprofundar-se na polêmica doutrinária existente sobre o tema. Pode-se dizer, segundo a maioria dos autores nacionais e estrangeiros, ter a doutrina a idéia predominante com referência à natureza jurídica do excesso o sentido de conceber sua natureza como de caráter culposo.
A natureza do excesso deve ser feita considerando o que determina o direito positivo, o que obriga a responder que o excesso, tanto pode ser cometido dolosa como culposamente.
A dificuldade de na prática identificar ser a conduta do agente dolosa ou culposa explica-se pela necessidade de verificar quais são os atos praticados sobre a proteção da justificativa e quais os que não estão alcançados por ela. Entre os últimos há de se verificar se foram praticados intencionalmente ou involuntariamente.
5.4 Excesso Exculpante
O excesso exculpante foi previsto expressamente pelo §1º do art. 3º do Código Penal de 1969, que sob a rubrica de excesso escusável determinava em seu texto: "§ 1º. Não é punível o excesso quando resulta de escusável medo, surpresa, ou perturbação de animo em face da situação". Contudo na reforma de 1984 não houve tal previsão expressa, sendo o excesso exculpante visto pela doutrina e jurisprudência como causa supralegal de exclusão da culpabilidade.
Trata-se do ato que não pode se censurado, não comprometendo, assim, o agente, que se encontrando em situação psicológica afetada, embora queira, não executa o seu limite de legítima defesa.Tal situação poderá ocorrer em caso de perturbação de ânimo ou por caso fortuito.
Essa perturbação relaciona-se à idéia de confusão, desordem, alteração da ordem normal das coisas. É o estado de confusão mental, em virtude do qual se alteram a percepção e o discernimento.
Os romanos afirmavam que a vontade era livre mesmo que coagida, e os tratadistas posteriores afirmavam que o ato praticado ante o temor de uma ameaça produzida era sempre uma ação viciada em si mesma e, portanto, merecedora de reprovação.
Assim é a visão de Alberto Silva Franco sobre o tema:
(...) a locução excesso exculpante define bem a matéria que se abriga sob sua área de abrangência. Trata-se da ocorrência de um excesso, na reação defensiva, que não é, por suas peculiaridades, reprovável, ou melhor, merecedor de apenação. Não se cuida de excesso culposo porque, neste, o excesso deriva da falta do dever objetivo de cuidado enquanto que, naquele, há um excesso resultante de medo, surpresa ou de perturbação de ânimo. É evidente que o excesso exculpante pressupõe uma agressão real, atual ou iminente , e injusta , isto é, com todas as características de uma ação ofensiva. A resposta deve no entanto, ser havida como excessiva e tal excesso não é devido a uma postura dolosa ou culposa mas a uma atitude emocional do agredido. (FRANCO, 2007, p. 305)
Embora o medo se pareça com a coação moral, não podem ser confundidas, pois a segunda trata-se conseqüência da primeira.
No mesmo sentir define Greco:
(...) o pavor da situação em que se encontra envolvido o agente é tão grande que não lhe permite avaliá-la com perfeição, fazendo com que atue além do necessário para fazer cessar a agressão. Essa sua perturbação mental o leva, em alguns casos, a afastar a culpabilidade. Dissemos em alguns casos porque, como regra, uma situação de agressão que justifique a defesa nos traz uma perturbação de espírito, natural para aquela situação. O homem, como criatura de Deus, tem sentimentos. Se esses sentimentos, avaliados no caso concreto, forem exacerbados a ponto de não permitirem um raciocínio sobre a situação em que estava envolvido o agente, podem conduzir à exclusão da culpabilidade, sob a alegação do excesso exculpante. (GRECO, 2004, p. 401)
Essa forma de excesso é decorrente de certos estados emocionais, muito freqüentes nas situações de legítima defesa e estado de necessidade, quase sempre ligados, numa indissolúvel relação de causalidade, ao resultado desproporcionado entre a agressão, ou a situação de perigo, e a reação.
A perturbação não deve ser confundida com o medo, pois enquanto este é uma emoção, aquela é a resultante de uma emoção. A agressão provoca o medo que pode produzir a perturbação e, por isso, a emoção é desculpável. Daí não serem só as condutas praticadas sob o medo que permitem a causa exculpante, mas também as que resultam de perturbação fruto de outros sentimentos, como a indignação e a ira.
A jurisprudência brasileira vem aceitando a não-responsabilização penal quando o excesso deriva de perturbação de ânimo pelo ataque sofrido.
Assim também preleciona o mestre Guilherme de Souza Nucci sobre o tema:
(...) excesso exculpante seria o decorrente de medo, surpresa ou perturbação de ânimo, fundamentadas na inexigibilidade de conduta diversa. O agente, ao se defender de um ataque inesperado e violento, apavora-se e dispara seu revólver mais vezes do que seria necessário para repelir o ataque, matando o agressor. Pode constituir-se uma hipótese de flagrante imprudência, embora justificada pela situação especial por que passava. (NUCCI, 2006, p. 215)
Pode, ainda, o erro derivar-se de um caso fortuito, tratando de um erro pelo qual se permanece nos limites do exercício do direito e por isso o agente não pode ser punido a título de excesso.
Se o excesso não resultou da intenção específica, e o resultado é antes o objetivo da defesa, não haverá responsabilidade e a ação excessiva se fundirá com a ação necessária, até o ponto de ajustar-se a uma intenção lícita e natural.
O excesso pode originar-se de uma falta não grosseira, isto é, resultar de uma crença razoável e escusável, de se estar atuando dentro dos limites previstos pela lei; nesse caso, não se poderá falar nem mesmo na existência da culpa.
A legítima defesa é reação humana. Há situações de fato que forçam o agredido a se defender, resvalando, mesmo, por compreensível excesso.
No excesso exculpante busca-se eliminar a culpabilidade do agente, ou seja, o fato é típico e antijurídico, deixando contudo, de ser culpável, em virtude de no caso concreto, não poder ser exigida do agente outra conduta que não aquela por ele adotada.
6. CONCLUSÃO
A legítima defesa se funda no mais primitivo e natural instinto, inerente a todo ser humano, ou seja, a sua própria preservação, a sua sobrevivência. Nesse sentido o Estado, numa verdadeira delegação de poderes, vez que não é este ente onipotente e onipresente, permite que a pessoa, vítima de agressão atual ou iminente, se defenda, amparada pela norma permissiva, fazendo uso moderado dos meios necessários para repelir a injusta agressão, a si ou a socorro de outrem.
A reação legítima autorizada somente se distingue da ação criminosa pelo seu elemento subjetivo, ou seja, a vontade de se defender, o animus defendendi que atribui assim um valor positivo a uma conduta objetivamente desvaliosa. A capitulação da legítima defesa na Parte Geral do Código Penal lhe concede, tecnicamente, não somente a sua devida amplitude em relação ao direito de defesa, mas também a característica geral de conduta oponível a outra contraria ao ordenamento jurídico.
Essa reação legítima não deve ultrapassar aos limites impostos pela norma permissiva, para que não se configure o excesso a título doloso ou culposo, uma vez que o ordenamento jurídico o trata como figura antijurídica.
Esse excessus defensionis no entanto poderá não ser censurável, quando a reação defensiva se deriva do medo, da surpresa ou de perturbação de animo. Quem se defende não consegue manter a reação dentro de limites razoáveis, como seria exigível, acarretando um resultado lesivo maior do que o inicialmente pretendido no ato de defesa.
Dessa forma o excesso exculpante na legítima defesa, ainda que não incluído na parte geral do Código Penal, vem sendo tratado pela doutrina e jurisprudência, conforme se depreende no acórdão em anexo, como causa supralegal de exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa.
Necessário se torna esclarecer que a presente obra monográfica não tem a pretensão de finalizar o assunto, contudo pretende provocar a consciência jurídica do leitor no sentido de que somente com a analise detalhada do caso concreto se poderá evidenciar a figura do excesso exculpante na legítima defesa.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, parte geral v.1, São Paulo: Saraiva, 2003.
BRASIL, Código Penal. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Luiz Flávio Gomes. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
______, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.tj.rj.gov.br/. Acesso em: 02 dez 2008.
______, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br/. Acesso em: 02 dez 2008.
BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral. T. 1, Rio de Janeiro: Forense, 1967.
DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: parte geral. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
FRANCO, Alberto Silva. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
GREGO, Rogério. Curso de Direito Penal, parte geral, 4ª ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2004.
GUERRERO, Hermes Vilchez. Do Excesso em Legítima Defesa. Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1996.
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte geral. 1º v., São Paulo: Saraiva, 1997.
NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2003.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 8.ª Edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal, parte geral. 1º v., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
TOLEDO, Francisco de Assis. Ilicitude Penal e Causas de Sua Exclusão. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
Anexo. Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
2006.050.01663 - APELACAO
DES. ANTONIO CARLOS AMADO - Julgamento: 10/10/2006
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº.2006.050.01663 (Processo nº.2005.083.000027-5 Juízo da Vara Única de Japeri)
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO
APELADO: DANIEL CAMILO DA SILVA JUNIOR
RELATOR DES. ANTÔNIO CARLOS NASCIMENTO AMADO
EMENTA. APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO VISANDO A ANULAÇÃO DO JÚRI SOB O FUNDAMENTO DE CONTRADIÇÃO NAS RESPOSTAS AOS QUESITOS. DECISÃO ABSOLUTÓRIA CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. Quesitação sob o enfoque do dolo e da culpa. Se não houve excesso culposo ou doloso, significa que houve falta de moderação ou desnecessidade dos meios, porém, causados por caso fortuito, medo, erro ou perturbação do agente! Assim rejeita-se a preliminar de nulidade de julgamento por contradição nas respostas dos quesitos. Quanto à prova dos autos, a briga no bar foi confirmada, assim como a versão de que o apelado foi agredido. A versão de que a vítima deu um cavalo de pau no veículo ao avistar o apelado também é confirmada, pois o tiro se deu no momento como narrado pelo apelado. Evidentemente, o elemento subjetivo ou a reação por medo de que a vítima consumasse as ameaças podem ser deduzidos das circunstâncias do fato.Decisão que não contraria a prova dos autos, nem se apóia exclusivamente na versão do apelado, sérios indícios corroboram a versão acolhida pelo Egrégio Conselho de Sentença. Recurso desprovido. Maioria. ACÓRDÃO. VISTOS, relatados e discutidos estes Autos de Apelação Criminal n° 2006.050.01663, em que é Apelante o Ministério Público e Apelado Daniel Camilo da Silva Junior. Acordam, por maioria, os Desembargadores que compõe a Egrégia 1ª Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em negar provimento ao recurso ministerial, vencido o Des. Relator que lhe dava provimento, nos termos do voto do Relator. Custas ex lege.
Rio de Janeiro, 10 de Outubro de 2006.
DES. MOACIR PESSOA DE ARAUJO Presidente
DES. ANTÔNIO CARLOS NASCIMENTO AMADO Relator
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL. APELAÇÃO CRIMINAL Nº.2006.050.01663 (Processo nº.2005.083.000027-5 Juízo da Vara Única de Japeri) APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICOAPELADO: DANIEL CAMILO DA SILVA JUNIOR RELATOR DESIGNADO: DES. ANTÔNIO CARLOS NASCIMENTO AMADO
V O T O.
A pretensão de anular o Júri sob o fundamento apontado pelo Ministério Público não se sustenta, isto é, não há nenhuma contradição nas respostas aos quesitos. Com efeito, negada a moderação ou a necessidade dos meios é que se indaga sobre os excessos. Diz James Tublenchlak:Inexistindo moderação da defesa, ou sendo utilizados meios desnecessários, tem-se o excesso, sob uma dessas três formas: dolosa, culposa ou inevitável. O excesso inevitável ou escusável implica em absolvição, por consistir em verdadeiro erro de proibição, doutrinariamente conhecido como legitima defesa putativa (artigo 20 § 1°, CP). Já os excessos dolosos e culposos reclamam as mesmas penas cominadas às formas dolosas e culposas da infração da qual decorrem. (Júri - Contradições e Soluções - p. 199) No mesmo sentido, Adriano Marrey, afirmando que só se decide sobre os excessos, doloso, culposo ou exculpante na hipótese de ser negada a legitima defesa, quanto à moderação ou necessidade dos meios. Logo, não há nenhuma contradição ou erronia em formular os quesitos para se apurar se durante a excludente de ilicitude, o apelado excedeu-se, ultrapassando os limites legais (Teoria e Pratica do Júri - p. 530/1). Assim consta a quesitação, sob o enfoque do dolo e da culpa. Ocorre que não há que se confundir excesso culposo (também negado pelos jurados como o doloso) com o excesso exculpante. Ainda que não incluído na parte geral do Código Penal, não se impede o seu reconhecimento como causa extralegal da exclusão da culpabilidade - (S.T.F. 2° T; H.C. 72.341 - Rel. Min. Maurício Correa - D.J.U. 20-03-98). Por isso, negado o excesso culposo e doloso, emergirá, por exclusão, o excesso inevitável, tomando como certo o caso fortuito e, assim, a absolvição (op. cit. James Jublenchlak p. 138). Não há necessidade, portanto, de nenhum quesito sobre a acidentalidade ou casualidade do excesso, como anteviu, data venia, o Parecer da Procuradoria Geral da Justiça: Por fim, deve ser enfatizado que recusado o excesso culposo, não cabe mais cogitar do excesso acidental, resultante do caso fortuito, isto é, daquele excesso em que atuou uma causa que não podia ser tomada em consideração pelo agente, porque absolutamente fora da ordem normal das previsões e cálculos. É evidente que o agente nessa hipótese, não pode de modo algum, responder pelo excesso (op.cit. Marrey, p. 357). O excesso é decorrente do medo, surpresa ou perturbação do ânimo do agente em face da situação. Dúvida existia antes da reforma de 1984, pois não se cogitava do excesso doloso e, por isso, ficava a dúvida: excluído o excesso culposo, haveria um plus doloso ou casual? Por isso, costuma-se indagar o reconhecimento do excesso casual (exculpante). Agora não cabe mais indagar o excesso causal, pois não havendo excesso doloso ou culposo deve ser o agente absolvido, pela irrelevância penal do excesso e reconhecimento conseqüentemente. da excludente da ilicitude (p. 533). Se não houve excesso culposo ou doloso, significa que houve falta de moderação ou desnecessidade dos meios, porém, causados por caso fortuito, medo, erro ou perturbação do agente! Assim rejeita-se a preliminar de nulidade de julgamento por contradição nas respostas dos quesitos. Quanto à contrariedade à prova dos autos, a versão do apelado (fls.137/8) de que a vítima, após uma briga de bar e ameaças, estava em um carro e fez menção de apanhar algo, o que motivou a ação do autor em reagir a esta conduta e então proceder ao disparo. No plenário do Júri, a versão do apelado não é diferente (verbis): que a vítima, assim como o depoente, por ser alta, quando dirigia, praticamente o fazia com a cabeça encostada no teto, razão pela qual o depoente pode perceber que assim que ela deu o cavalo de pau abaixou-se e colocou as duas mãos embaixo do banco; que o depoente, como não sabia o que a vítima ia pegar embaixo do banco, ao passar ao lado do veículo efetuou um único disparo. (fls. 353) A briga no bar é confirmada às fls. 193, 201e 239 e a versão de que o apelado foi agredido. A versão de que a vítima deu um cavalo de pau no veículo ao avistar o apelado também é confirmada, pois o tiro se deu no momento como narrado pelo apelado. Evidentemente, o elemento subjetivo ou a reação por medo de que a vítima consumasse as ameaças podem ser deduzidos das circunstâncias do fato. A perseguição do apelado contra a vítima é negada pela testemunha de fls. 201. Logo, a decisão não é contraria a prova dos autos, nem se apóia exclusivamente na versão do apelado, mas sérios indícios corroboram a versão acolhida pelo Egrégio Conselho de Sentença. O que é difícil de acreditar não significa a improbabilidade da ocorrência. Voto pelo desprovimento do recurso. É como voto.
Rio de Janeiro, 10 de Outubro de 2006.
DES. ANTÔNIO CARLOS NASCIMENTO AMADO