O CONTROLE
Nadir Silveira Dias
Estou contente. É o 23 de fevereiro de 2003, domingo brilhante, 32 graus, embora prevista chuva para a noite. Fui ver Picasso Gravador no Santander Cultural, último dia.
Não é esse, porém, o leit motiv, o motivo condutor, da alegria de estar vivo, aqui e agora, para ver a obra do festejado artista.
O que conta agora é o controle de acesso da visitação. De certo, louvável, no último dia da exposição do renomado mestre. Entrávamos em fila indiana de tantos em tantos e éramos parados quando não houvesse espaço (?) nas galerias do térreo, onde acontecia o evento. Fomos aconselhados a seguir a fila e depois, na mesma fila que não andava, já na galeria, a olhar pelo outro lado, ou seja, desfazer-se a fila. De qualquer forma, esta última ordem, ou aconselhamento, foi de todo bom-senso. Era impossível seguir a fila. Ela andava parada (?). Eram dezesseis horas, agora são vinte e uma e acredito que ainda estaria lá.
Acolhendo a ordem, aconselhamento ou sugestão, circulei por ambas as galerias e quase por sair, debrucei-me em uma das bancadas que separam as galerias laterais do saguão central, que denominam grande hall.
O objetivo era olhar e apreciar mais atentamente algumas obras do artista, que foram editadas para serem reproduzidas em tela grande, até porque estavam ocupadas todas as poucas cadeiras existentes nesse grande hall.
Além de ser desde logo visualizável por quem quer que entre no ambiente, essa técnica empresta à arte impressa uma característica que ela não possui, por sua própria natureza, o movimento, que valoriza ainda mais a arte, consoante a própria arte, a habilidade, do operador no manuseio do projetor e dos eslaides. E, no caso, melhor ainda, pois se cuida de vídeo de 23 minutos sobre a obra do artista.
Porém, não estive debruçado na bancada por mais do que quinze, vinte, segundos. Não podia. Fui advertido de que é proibido debruçar, apoiar o cotovelo, na bancada com tampo de granito negro de uma polegada de espessura.
Eram as normas. Ele que advertia não sabia porque. Disse-lhe que o construtorr devia estar se revolvendo no túmulo com o absurdo dessa proibição.
O controle cada vez maior sobre o indivíduo causa enorme frustração e um quase irrefreável desejo de escapar do cerco. Em todos os níveis, estatal, social, funcional, familiar e individual.
Sem esse excesso de controle sobre quase todos os atos do indivíduo outro seria o sentido e a visualização dos atos e ações de cada um. Seriam mais e necessariamente mais responsáveis, menos genéricas e menos ou mais especializadas, conforme cada caso.
Ah! Mas aí vai vigorar a lei do mais forte!
E que diferença existe entre a lei do mais forte e da lei do que tem mais poder para impor o que ele quer que tu faças?
Olhando nos teus olhos, eu te respeitaria. E tu também, ao olhar-me nos olhos, me respeitarias ou então, sabes, o respeito seria imposto. Sadiamente. Não sadicamente, que isso é coisa de tirano.
Algo assemelhado ao que estamos vivendo desde que me vejo, desde que me percebo como gente, vivendo num Estado tirano, que retira e consome um terço do trabalho assalariado e que oferece como retorno da sua função de gestor da sociedade quase nada em saúde, moradia, segurança, educação e emprego.
A função do educador é de ativar e desenvolver as coisas boas e natas no indivíduo. Não o contrário, mediante exacerbado controle que se apresenta, finalisticamente, sem qualquer função. O Estado, enquanto gestor, enquanto gerente que se impôs, não prescinde – e não pode prescindir - dessa função educadora da sociedade.
E bem ao contrário, a atividade repressora genérica a partir do controle de tudo já dissolveu a grande Rússia dos czares, com o seu vasto império que se estendia do litoral do Báltico ao Pacífico, com a revolução socialista de novembro de 1917.
E a partir daí, nem mesmo a família jurídica russo-socialista-soviética (1922-1991) resistiu, sucumbindo ante a Comunidade de Estados Independentes.
E dissolve ou dissolverá qualquer agrupamento humano ou civilização que não atente para os valores maiores do indivíduo, que não prescinde do Estado para viver. Este sim, ao contrário, sem indivíduos, NÃO EXISTE!
Escritor e Jurista – nadirsdias@yahoo.com.br