A jurisdição como atuação da vontade concreta da lei
Em 1903 Chiovenda proferiu conferência que abordou a autonomia da ação em face do direito subjetivo material. Ao desvincular a ação de direito material, marcou o fim da era privatista do processo, e reafirmou a tendência já anunciada por Mortara do realce da natureza publicista do processo civil.
A jurisdição para Chiovenda é vista como função voltada à atuação da vontade concreta da lei. A jurisdição no processo de conhecimento consiste na substituição definitiva e obrigatória da atividade intelectual não só das partes, mas todos os cidadãos, pela atividade intelectual do juiz, ao afirmar existente ou não uma vontade concreta da lei em relação às partes.
O referente doutrinador italiano chegou a mencionar que a jurisdição que significa a atuação da lei, no sentido de que o verdadeiro poder estatal estava na lei, e de que a jurisdição somente se manifestava a partir da revelação da vontade do legislador.
A jurisdição, no Estado constitucional, caracteriza-se do dever estatal de proteger os direitos e nada tem haver com a antiga noção de tutela dos direitos privados, própria à época anterior à afirmação da autonomia do direito processual.
O Estado constitucional tem o dever de proteger os direitos fundamentais seja através das normas, atividades fáticas administrativas ou da jurisdição. Além disso, a jurisdição, no Estado contemporâneo tem o dever de proteger todas as espécies de direitos, com isso se querendo evidenciar que o juiz, muito mais do que simplesmente aplicar a lei, tem o dever de compreendê-la a partir dos direitos fundamentais, no caso concreto.
Atualmente, para a aplicação da lei, diante do pluralismo presente e característico da sociedade contemporânea, é imprescindível compreender o caso concreto. É preciso antes de aplicar a lei, atribuir sentido e valor ao litígio.
A transformação do princípio da legalidade, provocada pelo Estado constitucional e operada pelo neoconstitucionalismo, fez com que a doutrina aludisse a uma segunda revolução, contraposta à gerada à afirmação do Estado liberal. Essa segunda revolução substituiu a legalidade formal pelo princípio da estrita legalidade ou da legalidade substancial.
A transformação da legalidade não significa apenas a antiga subordinação à lei que passou ao domínio da Constituição até porque essa leitura não permitiria a compreensão do alcance das tensões que conduziram à transformação da própria noção de direito.
De forma que a subordinação da lei à constituição não é mera continuação dos princípios do Estado legislativo, mas sim, as transformações que afeta as próprias concepções de direito e jurisdição.
Assim deve o procedimento ser estruturado a compreender técnica processual capaz de permitir as tutelas prometidas pelo direito material e de forma a viabilizar a realização do direito material.
Assim o legislador pátrio ao pontuar o sistema com normas processuais abertas como, por exemplo, os arts. 461, 273 do CPC e arts. 83 e 84 do CDC conferindo ao autor e ao juiz uma ampla latitude de poder para utilização da técnica processual adequado ou – o que é o mesmo – pela estruturação do procedimento idôneo ao caso concreto.
Portanto, o processo deixou de ser um instrumento voltado à atuação da lei ara passar a ser instrumento preocupado com a proteção dos direitos, na medida em que o juiz, no Estado constitucional, além de atribuir significado ao caso concreto, compreende a lei na dimensão dos direitos fundamentais.
A CF de 1988 ajuntou à técnica representativa, vários instrumentos para a participação direta do cidadão no processo de decisão, prevendo o referendo popular, reafirmando o instituto da ação popular que permite que o cidadão aponte diretamente os desvios na gestão de coisa pública, entre outros.
Assim a jurisdição no Estado constitucional exige a compreensão da lei à luz dos direitos fundamentais, é preciso não ignorar a tarefa jurisdicional pode se atribuir uma natureza contramajoritária.
A legitimação da jurisdição é complexa e exige bem mais do que a simples e a tradicional participação em contraditório, exige em verdade, um contraditório diferenciado, diante da natureza especial da questão sobre a qual incide.
Nesse sentido é possível dizer que o processo requer um procedimento aberto à participação.
Ou que o processo é o procedimento em contraditório que não dispensa publicidade e a argumentação explicitada através da fundamentação. Apenas esta forma de participação é capaz de legitimar o processo.
O contraditório no processo contemporâneo significa um atributo que busca a efetividade do processo ou a realização efetiva do contraditório, por meio da remoção dos obstáculos sociais capazes de impedir a participação em contraditório.
Para se propiciar aos litigantes a participação em igualdade de condições, a doutrina italiana cogita em “paridade de armas”, que como observa Mario Chiavario essa referida paridade não implica uma identidade absoluta entre os poderes reconhecidos às partes de um mesmo processo, e nem mesmo necessariamente, uma simetria perfeita de direitos e obrigações.
O que conta é que as eventuais diferenças de tratamento sejam justificáveis racionalmente, à luz do critério da reciprocidade e de modo a evitar, seja como for, que haja um desequilíbrio global em prejuízo de uma delas.
Assim, prevê a inversão do ônus da prova estatuída no art. 6º, VIII do CDC que pode ser obtida, por exemplo, na audiência preliminar.
A participação no processo exige conhecimento e para tanto, é indispensável à adequada comunicação.
A intensificação da atuação do juiz em prol da legitimidade do processo faz com que se mudem as regras do jogo cabendo agora ao juiz zelar por um processo justo, capaz de permitir:
a) a adequada verificação dos fatos e a participação das partes em um contraditório real;
b) a justa aplicação das normas de direito material;
c) a efetividade da tutela dos direitos, já que a inércia do juiz ou o abandono do processo à sorte que as partes lhe derem, tornou-se incompatível com a evolução do Estado e do Direito.
Assim o contraditório se impõe em função de esclarecer o litígio, e não apenas às partes, mas também ao juiz.
O contraditório serve, nas palavras de Cadiet, ao litígio na medida em que é o instrumento para elaboração do juízo: é a confrontação dos meios apresentados pelas partes, e que permite o juiz selecionar a controvérsia ajustando a sua decisão o mais perto que possível da verdade dos fatos.
Por isso, que realmente, o contraditório não diz respeito tão-só às partes, mas também ao juiz.
A jurisdição contemporânea ressalta o fim social do processo como instrumento não só de pacificação social mas de efetivação de direitos fundamentais, entre estes, o acesso à justiça e a duração razoável do processo.