Desistência de consórcio
Desistência de consórcio
Adriano da Silva Ribeiro(*)
Diante das constantes disputas na Justiça pela devolução de valores pagos aos consórcios, é necessário orientar o consumidor que, por dificuldades financeiras ou desinteresse próprio, desiste de participar de grupos de consórcio ou é dele excluído.
O argumento do consumidor é muito simples ao reivindicar à imediata restituição das parcelas quitadas. Para ele, não é correto o grupo de consórcio reter valores que foram pagos, naturalmente e com muito custo. As instituições interessadas defendem-se com a afirmação de que é necessário aguardar o final do grupo, com a contemplação de seu último membro para, após efetuar o balanço patrimonial, verificar o saldo final. Só então, as empresas vão proceder ao pagamento dos desistentes ou excluídos.
É este o momento que o consumidor, ao tomar conhecimento da referida posição, procura o Judiciário para lutar pela imediata devolução dos valores despendidos. Em sua defesa está o Código de Defesa do Consumidor (CDC) no art. 53, § 2º, que assegura a restituição, mas sem estipular a possibilidade de deferimento da data de pagamento, o que causaria uma sanção ao desistente. Não há dúvida que as cláusulas que determinam a restituição, após o encerramento do grupo são abusivas. Desta forma, nulas de pleno direito (CDC, art. 51, caput), inclusive permitindo seu reconhecimento de ofício, independentemente de haver pedido para tanto.
Na prática, a administradora do consórcio argumenta que a desistência provoca transtornos ao grupo e até eventual prejuízo. Porém, tais circunstâncias não são suficientes para desprezar o texto expresso na legislação em vigor, já que os prejuízos terão que ser devidamente demonstrados, não sendo presumíveis. Em muitos casos, a administradora substitui a parte desistente por outra que ingressa no grupo, permanecendo com o número inicialmente previsto. Igualmente, a possibilidade de prejuízo é remota, e somente estando demonstrado é que deve ser aceito.
Entendo que é necessária a imediata devolução dos valores pagos, pois a restituição em prazo demasiadamente longo, causa ônus excessivo para o consumidor, cujos valores permanecem retidos por extenso período, em benefício da administradora e do grupo, que ficam com tais valores, injustificadamente, disponibilizados em conta.
Contudo, o tema não é pacífico no Judiciário, pois encontramos decisões pautadas na necessidade de aguardar o final do grupo de consórcio e outras com a devolução do valor pago de imediato, com desconto apenas da taxa administrativa.
Em julgamento no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, os membros da 10ª Câmara Cível decidiram que “... Havendo desistência do participante do plano de consórcio, deve a administradora restituir-lhe as parcelas pagas. Não restando comprovada, pela administradora do negócio, a existência de prejuízo para o grupo, em casos de desistência ou de exclusão do consorciado, é inaplicável a cláusula penal.” No mesmo julgamento, em voto divergente, o Desembargador Alberto Vilas Boas assim manifestou-se: “o consumidor tem direito a reaver as prestações pagas à administradora de consórcio a partir de 30 dias contados do encerramento do grupo do qual pertencia”. (Apelação Cível nº 2.0000.00.479770-2/000(1) – Comarca de Belo Horizonte – Relator Alberto Aluízio Pacheco de Andrade – j. em 26.09.2006).
Neste sentido, a lição do Professor Nelson Nery Júnior: "O consumidor consorciado terá direito à devolução das parcelas quitadas, monetariamente atualizadas. Ser-lhe-ão descontadas, entretanto, as vantagens auferidas com a fruição do bem. Além desse desconto, o Código diz caber ao consumidor pagar os prejuízos que causar ao grupo, seja na condição de desistente, seja na de inadimplente..." (CDC Comentado Pelos Autores do Anteprojeto - 7ª Edição - 2001. Rio de Janeiro. Forense Universitária. Pág.563/564).
No Fórum de Juízes das Turmas Recursais, realizado em Ouro Preto/MG, assentou-se o seguinte enunciado: “No consórcio ou qualquer contrato de pagamento prévio ou em prestações, a desistência do consorciado enseja a devolução do valor pago de imediato, com desconto apenas da taxa administrativa, se houver”.
Portanto, é de consumo a relação entre a administradora e o consorciado, incidido as disposições da Lei nº 8.078/90 - CDC. E, nesse sentido, uma vez decotada a taxa de administração, incabível a imposição de perda ao consorciado de valor referente a cláusula penal. A restituição deve ocorrer de imediato, incidindo correção monetária e juros, estes a partir da citação. (2ª Turma Recursal de Uberlândia - Rec. nº 702.06.265402-6 - Rel. Juiz Armando Conceição Vieira Ferro).
E, ainda, decisão da 8ª Turma Recursal da Comarca de Belo Horizonte afirma que, verificada a desistência do consorciado antes do encerramento do grupo ao qual havia aderido, devem lhe ser, imediatamente, restituídas as parcelas pagas, uma vez que é iníqua, abusiva e extremamente onerosa a cláusula que difere para momento posterior ao encerramento do grupo a devolução do montante pago pelo consumidor. Deverá, sobre os valores a serem restituídos, incidir correção monetária pelos índices oficiais. E, por fim, os valores cobrados a título de taxa de administração deverão ser abatidos do total e devolvidos proporcionalmente ao tempo pelo qual o consumidor se manteve vinculado ao grupo (Rec.n º 024.06.991198-0 -Rel. Juiz André Luiz Amorim Siqueira).
Conclui-se, assim, que é perfeitamente possível a devolução imediata das parcelas pagas aos consorciados desistentes, com incidência de juros e correção monetária, sem a necessidade até de se ouvir a Justiça. Também é de se admitir dedução dos valores referentes à taxa de administração e seguro, que, por serem efetivamente prestados, são devidos.
Como se constata, o tema é polêmico e distante de pacificação, todavia não existe, a meu ver, justificativa aceitável para adiar a devolução das parcelas pagas ao consorciado desistente somente para o final do grupo.
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Adriano da Silva Ribeiro, escritor, aluno do 8º período de Direito e ex-Monitor de Direito Constitucional da PUC Minas Betim; Membro Associado do Instituto de Hermenêutica Jurídica de Minas Gerais.
Publicado no Jornal Estado de Minas. Caderno Direito & Justiça. Belo Horizonte, 22 out. 2008