CASA PRÓPRIA DE QUEM?

Nadir Silveira Dias

O adquirente pagou onze anos de prestações. A prestação atual é de R$3.260,00. Ainda deve 320 mil e o imóvel vale 100 mil. Esses os parâmetros correspondentes aos fatos que levaram o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sediado em Porto Alegre, a decidir pela redução do saldo devedor para 70 mil e a uma prestação compatível com esse valor. Em causa oriunda do Paraná.

Esse problema é antigo e além de levar muitas pessoas à insolvência civil, ao suicídio e à própria mendicância, retrata e projeta com propriedade a enorme quantidade de pessoas que foram prejudicadas por um sistema safado e perverso que objetiva apenas e tão-somente o lucro escorchante desde a primeira prestação, em detrimento da propriedade, do sonho e da própria (?) casa própria.

Assinalo que é escorchante o lucro auferido pelo agente financeiro por ser realmente incompreensível que um financiamento de qualquer valor se transforme no ato da assinatura de escritura particular de compra e venda e outras avenças (aí se coloca tudo que favorece o financiador), em montante superior a 200% do valor financiado.

Assim, um financiamento de 180 mil num prazo de 180 meses não fica com a prestação inicial menor que R$2.100,00.

A essa simples e contundente conclusão se chega pela multiplicação do número de prestações contratadas pelo valor inicial que a escritura apresenta como primeira prestação. Como não existe financiamento total, isso significa que todo o valor já pago, ou ainda por pagar, desaparecem nesse momento, ou aparecem como prejuízo consumado, montante morto, valor perdido, além do sobre-preço que o próprio financiamento impõe, independentemente da denominada entrada, paga à vista ou em parcelas.

E atenção: Não há a escritura que desfavorecer o agente financeiro. E nem beneficiá-lo. Nem premiá-lo.

No exemplo citado, o prazo de 180 meses multiplicado pela prestação inicial de R$2.100,00, o feliz (depois infeliz) adquirente fica devendo pelo financiamento de 180 mil, 378 mil, além do aporte feito.

O fato de vivermos num país em que o sistema financeiro pode tudo, com o beneplácito das autoridades econômico-político-financeiras, e o que sempre paga tudo, na verdade, nunca pode nada, não autoriza a que sejam praticados todos os dias em que é assinado um financiamento mais um crime continuado contra os direitos do consumidor desse valioso bem durável. Às vezes, e não raro, a única oportunidade da vida desse indivíduo, que acaba perdendo tudo quanto aplicou, caso não consiga sair do imbróglio em que se envolveu.

A exceção é quando o Estado-Judiciário decide reduzir, como reduziu, o safado e desequilibrado saldo devedor do adquirente de casa própria em questão, oriundo do explícito mau-caratismo da relação jurídica material objeto do julgamento e que se faz evidente a partir da singela enunciação dos fatos alinhados no início.

E nem se fale que agora os financiamentos imobiliários mais recentes são feitos pelo Sistema Financeiro Imobiliário - SFI, novo sistema que tem por objetivo primeiro o de obter a retomada do imóvel em prazo recorde, caso o adquirente atrase mais que três meses o pagamento das prestações.

Também pudera, no ranking (ou classificação?) de 2004, em primeiro lugar, o Banco Itaú obteve um lucro líquido de três bilhões e 775 milhões (R$3.775.000.000,00). Em segundo lugar, o Bradesco, com 3 bilhões e 80 milhões (R$3.080.000.000,00) de lucro líquido. E, em terceiro lugar, o nosso (?) Banco do Brasil, com 3 bilhões e 60 milhões (R$3.060.000.000,00) de lucro líquido.

Aliás, resultados que se seguiram em 2005, e se seguirão em 2006, porque nada se faz evidente para a mudança desse perverso quadro.

É evidente que nesse montante de lucro apurado entram os ganhos de todos os produtos (?), imobiliário, crédito pessoal, direto, indireto, cheque especial, enfim, todo o rol de produtos e serviços a que está autorizado a vender.

Além do próprio jogo de interesse da esfera privada, o triste é que tudo isso funciona sob os olhos argutos e da competente complacência da autoridade político-jurídico-administrativa estatal.

Casa própria? De quem? Do escorcho, do jugo institucionalizado? Isso que sequer mencionei o valor residual, ao final do prazo contratado.

Que futuro apresenta uma visualização de Estado assim existente e dominante? Não será hora de impor-se a mudança dessa vigente e inservível visualização (?) para o bem comum do povo, fim último do legítimo Estado de Direito?

Escritor e Advogado – nadirsdias@yahoo.com.br

Nadir Silveira Dias
Enviado por Nadir Silveira Dias em 26/02/2006
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