ALGEMA É ILEGAL!

A polêmica agora é: usar ou não usar a algema naqueles que são presos ou detidos pela polícia. A questão chegou à instância da mais alta corte brasileira; os Ministros do Supremo Tribunal Federal deverá julgar regras para o uso de algemas em operações policiais, uma vez que as utilizações destas pulseiras de contenção em aço estão causando desconforto em quem tem o mais amplo Poder da Justiça e com certeza, em que elas são aplicadas.

Eu costumo discernir sobre meus temas e teses, explicando primeiro o que é a coisa e até mesmo o seu real significado; por mais banal que possa parecer, existe oportunidades em que não costumamos colocar nossa mente para funcionar da maneira correta e isso pode acabar confundindo os parâmetros de discernimento lógico.

ALGEMA vem do árabe “al-djamia” e significa “a pulseira”; o dicionário jurídico brasileiro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas diz que “é uma pulseira de ferro empregada para manietar alguém A FIM DE DIFICULTAR SUA FUGA QUANDO EM TRANSPORTE FORA DO LUGAR DE CONFINAMENTO. Citar aqui as cenas de cinema que se passam nas televisões do Brasil, onde pessoas são apresentadas como troféus, muitas vezes mantidas em PRISÃO PROVISÓRIA (sem a condenação do trânsito em julgado), pode ser de menor valor para a real discussão deste tema, afinal de contas, o preso, seja pela circunstância que for, ele oferece (em tese), de cuidados especiais, mas existem casos e casos.

Quando a polícia chega para efetuar uma prisão, ela utiliza viaturas, pessoal de apoio, armamento de fogo, armamento branco, gases (algumas vezes), algemas, muitas vezes utilizam helicópteros, cães, carros blindados, embarcações, outras aeronaves, cavalos, enfim, a força policial é determinada pelo chefe da operação e o que vai determinar a utilização deste ou daquele equipamento é a complexidade do momento.

Vou citar dois exemplos distintos de utilização de algema. O primeiro é: um hacker recém saído da adolescência manipula milhares de computadores pelo mundo, espalhando vírus, roubando dinheiro de correntistas dos bancos, espalhando fotografias de pedofilia, enfim, ele é um terror para a sociedade; aquele moço de 19 anos vive confinado em casa e possui o perfil intrínseco dos internautas; magro, franzino e solitário. Este jovem já está sendo rastreado pela polícia há meses; ele conseguiu desviar milhões de reais de organismos públicos, aterrorizou a vida de milhares de pessoas que utilizam a “internet home banking”, enfim, o jovem de 19 anos franzino é o inimigo número um da atualidade. Sua única arma é seu cérebro e seu computador e sua única força física, malmente lhe permite locomover-se dentro de casa; a polícia sabe disso porque colocou 12 meses de escutas telefônicas, fotografou o rapaz em várias ocasiões e sabe que ele é uma pessoa solitária, seus comparsas estão pelo mundo, ligados por computadores.

No dia em que o delegado consegue o mandato de prisão, expedido por um juiz, ele (o delegado), primeiro chama a imprensa e comunica que farão uma mega operação policial para prender uma SUPER QUADRILHA DE LADRÕES. O delegado liga para o Secretário de Segurança Pública (ou Superintendente se for a Polícia Federal), solicita o APOIO TÁTICO AÉREO composto de três helicópteros; APOIO TÁTICO por terra com 30 viaturas, o BOPE, a SWAT, o FBI, a NASA, a CIA, a KGB, LBV, a Cruz Vermelha o KLB (é sigla que não acaba mais; até o KLB eu pus aqui nesta história), ah, esqueci das Forças Armadas e da Guarda Municipal. Depois ele traça um plano para a engenharia de tráfego do município isolar as ruas com 3 km do local da prisão e fala pro Governador: - Excelência! Não se preocupa porque vai dar JORNAL NACIONAL! Está tudo acertado pra nós prendermos a maior quadrilha do Brasil e amanhã a notícia vai estar estampada até no New York Times!

No dia X, 5 horas da manhã, a polícia chega à casa do sujeito franzino, mete uma tora de aço na porta e invadem com 25 homens vestidos de ninja; nas mãos somente AR-15 e lá fora o delegado gritando: - Cuidado que o sujeito é perigoso! 150 rádios amadores chiam falando coisas do tipo: “alô, câmbio! Positivo e operante! QSL! Qual o QRU?” o Chefe da operação, o executivo da polícia, a mil km de distância quer saber informações sobre a operação monumental, que recebeu o nome de “SAT AGARRA”, uma homenagem ao SATÉLITE QUE AGARROU os pilantras.

Do lado de fora, as viaturas com nomes engraçados como PUMA, ONÇA, LEÃO, JAGUATIRICA, DOPS, DROPS, CAVALARIA DESMONTADA, ficam a espreita só com as luzes intermitentes e as estroboscópicas ligadas. Ninguém entra e ninguém sai do bairro sem ser revistado. Quem não sabe do caso deve estar imaginando que Hitler ressuscitou e montou a Gestapo naquele lugar.

Três minutos depois (que mais pareceram três anos), sai da casa o jovem com cara de Peru da Sadia, algemado até os dentes, sendo puxado pela cueca pelos 25 ninjas da polícia. Cinco deles já tiram os gorros tipo “brucutu” para aparecerem na televisão e os outros (os subordinados), tiveram que manter as indumentárias para não comprometerem suas identidades secretas (e também não confundir a cuca de quem está assistindo. Aparecer mesmo, só os chefes!). O comboio segue inteiro para a delegacia, passando antes pelas principais avenidas da cidade, e mesmo quando já está na delegacia, o sujeito é obrigado a ficar com as algemas (tornozelos e mãos). Se eles pudessem, colocariam ainda uma camisa de força no rapaz!

Ironias a parte, qual perigo de fuga um moço destes oferece a uma equipe policial que vai prendê-lo? Quais chances possuem este moço e muitos iguais a ele, de fugirem na hora da abordagem policial. Um pai de família que descumpre uma ordem judicial, muitas vezes por ignorância crônica e cultural, precisa ser conduzido aos esclarecimentos com algemas e numa mala fedida de viatura? Gente do alto escalão social, que se enveredou pelos caminhos do crime, necessita mesmo ser conduzido com algemas e mostrado como se fosse um troféu para os holofotes da imprensa?

Muitos destes que a polícia faz a maior questão de algemar e maltratar são inocentados nos processos judiciais; são pessoas que, ou são inocentes de fato ou foram beneficiadas pelas brechas legais que os alfarrábios jurídicos permitem, ou seja, elas voltam pra sociedade com a imagem manchada e normalmente são descriminadas; isso é justo? Quando eu falo de justiça, não coloco emoções; o crime é o crime e precisa ser punido. Eu não estou tentando persuadir o leitor a acreditar que estes homens e mulheres que são apresentados em jaulas, são inocentes; falo sim do modo de condução e contenção dos mesmos até a autoridade policial e judicial que irão ouvi-los em depoimento.

O uso da algema deve ser aplicado quando o detido oferecer risco irretorquível de fuga ou de ameaça física de quem o conduz; um sujeito de 1,90m e 120 kg, que está bêbado e brigando na rua, pode e deve ser acalmado e conduzido com algemas para a delegacia, principalmente se ele estiver com os nervos alterados, colérico, aliás, se a pessoa detida estiver irada, independentemente de seu porte físico, ela necessita ser imobilizada com algemas, senão o estrago vai ser grande e a polícia não deve servir de babá de marmanjo.

Não há dúvidas que a utilização deste aparato, em certas circunstâncias, é necessária, contudo não o pode ser feito de forma indiscriminada e sem qualquer critério. A correta utilização das algemas é um tema pouco debatido pelos operadores de direito, a despeito de seu uso freqüente quando da prisão de alguma pessoa, ou quando da condução e apresentação de algum acusado preso provisoriamente.

Os poucos doutrinadores que se pronunciaram sobre o tema aduzem que a dificuldade enfrentada reside no disposto na Lei de Execução Penal em seu artigo 199, que estabelece: "o emprego de algemas será disciplinado por decreto federal", decreto este que até a presente data não foi editado.

Entretanto, tal posicionamento deve ser visto com reservas, eis que é certo não haver lacunas no Direito, pois o ordenamento jurídico, considerado como um todo é perfeito e íntegro. O que eventualmente podem existir são lacunas em algumas normas, lacunas estas que devem ser preenchidas pelos recursos supletivos para o conhecimento do Direito. É que o direito deve ser observado sob o prisma de uma unidade, não podendo ser separado de forma absoluta, sendo desmembrado tão somente para fins acadêmicos ou de especialização.

Desta maneira, ainda que à míngua de uma legislação federal que regulamente o assunto, podemos utilizar, subsidiariamente, a regulamentação constante no Código de Processo Penal Militar que em seu artigo 234 prevê: "O emprego de força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa dos executores e auxiliares, inclusive prisão do ofensor. De tudo se lavrará auto subscrito pelo executor e duas testemunhas". E disciplina o § 1º do referido artigo: "O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o artigo 242".

No referido artigo 242 encontra-se elencado um rol de presos em que é defesa a utilização de algemas. São eles: os ministros de estado, governadores ou interventores de Estados ou Territórios, prefeito do distrito Federal, chefes de polícia, membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das Assembléias Legislativas dos Estados, cidadãos inscritos no Livro de Mérito das ordens militares ou civis, magistrados (Rocha Mattos foi algemado), oficiais das Forças Armadas, das Polícias e dos Copos de Bombeiros, Militares, inclusive da reserva, oficiais da Marinha Mercante Nacional, os diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino nacional, ministros do Tribunal de Contas e ministros de confissão religiosa.

Podemos, também, usar como supedâneo quando à utilização de algemas a Lei nº 9.537/97 que dispõe em seu artigo 10, inciso III sobre a segurança do tráfego em águas territoriais brasileiras que dispõe: "O Comandante, no exercício de suas funções e para garantia da segurança das pessoas da embarcação e da carga transportada, pode ordenar a detenção de pessoa em camarote ou alojamento, se necessário com algemas, quando imprescindível para a manutenção da integridade física de terceiros, da embarcação ou da carga".

A coisa estava tão descontrolada que até os controladores de zoonoses (motoristas de carrocinhas), já queriam utilizar algemas caninas (brincadeira e ironia, é claro), mas o Supremo Tribunal Federal, por meio da Súmula Vinculante 11, que restringe o uso de algemas, resolveu colocar ordem nesta aldeia cheia de caciques e poucos índios. A partir de agora, todos os juízes e membros da administração pública deverão seguir a orientação da Súmula Vinculante 11; Isso significa que a Polícia só poderá algemar o suspeito quando este ameaçar fugir no momento de prisão ou tentar agredir a autoridade policial. Dessa forma, se não oferecer resistência, o suspeito deve ser preso sem algema sob pena de o Estado ser processado. Além disso, o processo contra o acusado pode ainda ser anulado.

Isto posto, decidido e promulgado, resta-nos agora saber se a polícia manterão o MANUAL INTERNO ou a DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, e é como todos sempre dizem: a lei vai pegar ou não vai pegar? O Jornal Nacional dirá isso de agora por diante...!

Pelo visto, o uso de algemas a partir de agora, somente para os praticantes de sexo selvagem, que utilizam as pulseiras de aço, revestido com frus-frus de oncinha ou pelúcia roxa, para imobilizar os parceiros durante o coito e fingirem-se presos eternos uns aos outros; mas cautela nestes casos, pois o parceiro pode reclamar ao Supremo!

Carlos Henrique Mascarenhas Pires

Site do autor: www.irregular.com.br