ADOÇÃO POR CASAL HOMOSSEXUAL: ASPECTOS GERAIS E CONSTITUCIONAIS

INTRODUÇÃO

A adoção por casais homossexuais é um assunto atual e polêmico que divide a sociedade, a igreja e os operadores do direito. Os psicólogos defendem, após vários estudos, que não é prejudicial à criança a adoção por casal homossexual.

Não é regulamentado por lei, uma vez que a própria Constituição Federal entende que família é constituída por pai, mãe e filhos, porém a jurisprudência tem decidido favoravelmente em alguns pedidos, por analogia, desde que preenchidos todos os requisitos e o laudo psicológico seja favorável. Explorar juridicamente o assunto é essencial, para evitar dissabores e expectativas no processo de adoção, tanto para a criança, quanto para o casal.

Deve-se levar em consideração, acima de tudo, o bem estar da criança, sem permitir que o preconceito fale mais alto nestes momentos. Amor e vida digna podem ser oferecidos por qualquer ser humano e não é a opção sexual do casal que vai interferir na educação e desenvolvimento da criança e/ou adolescente.

O presente texto visa esclarecer alguns aspectos sobre a adoção por casais homossexuais. Apresentaremos toda parte histórica e jurídica da adoção. Abordaremos sobre a homossexualidade, os preconceitos enfrentados e a esperança do casal para a chegada de um filho a fim que a sociedade possa refletir sobre a possibilidade jurídica deste polêmico assunto.

I – A TRANSFORMAÇÃO DA FAMÍLIA:

As sociedades grego e romana possuíam regras que jamais voltarão a reger a humanidade, pois nossa inteligência modifica-se a cada instante, permitindo a alteração de nossas crenças, costumes e leis.

A religião primitiva denominada religião do fogo sagrado, que dominava estes povos, foi responsável pelo surgimento das famílias e cidades, que necessitavam de regras. Embora parte da crença tenha se perdido no tempo, devido as absurdas idéias empregadas, muitos institutos criados na época sobreviveram, assim como o casamento, o divórcio, linha de parentesco, direito de propriedade e sucessão, bem como a adoção, assunto em tela.

Toda família possuía um altar onde era obrigatória a existência de cinzas e brasas, ou seja, o FOGO SAGRADO, mantido pelo dono da casa, e só se extinguiria quando a família estivesse morta. O fogo era equiparado ao nosso Deus, apresentado pelo cristianismo, e surgiu muito antes da existência de romanos e gregos.

Ressalte-se que os fundamentos da família romana não foram o nascimento e nem o afeto. Elas existiam apenas para o culto do fogo sagrado e continuidade das regras da religião. Devido a superioridade do homem sobre a mulher, do pai sobre os filhos, a irmã, por exemplo, nunca poderia ser igualada ao irmão e jamais receberia herança de seu pai.

A família, por fim, era vista mais como uma associação religiosa do que natural, e a sua união dava-se pela citada autoridade paterna ou marital.

O culto aos mortos, considerados divindades, que receberiam ofertas no túmulo por membro de seu sangue, dependia da continuidade da família, que se dava pelo casamento, para o nascimento de filhos para perpetuar o ritual. Desta feita, conclui-se que a união do casal não era por amor e/ou prazer, era simplesmente uma obrigação para garantir sua vida além-túmulo.

A religião primitiva alterou-se com o tempo e envelheceu, novas crenças surgiram e formou-se a idéia do imaterial. A morte era encarada de forma diferente. Enquanto alguns acreditavam que a morte era o fim de tudo, outros acreditavam na existência de um mundo espiritual.

Com a modificação do conceito de divindade, a família também perdeu a sua importância. O fogo sagrado foi mantido, porém, não havia a mesma fé.

Lentamente houve uma revolução espiritual, e com a ajuda da filosofia, influenciou o homem até o surgimento do cristianismo, que marcou o fim da sociedade antiga.

Esta nova e predominante religião ensinou que Deus é único, indivisível e universal, diverso da natureza humana, limitada ao pensamento do homem. Ensinou a importância do matrimônio e dos filhos advindos dele.

A partir desta revolução espiritual, o nascimento de filhos dentro do matrimonio era fator primordial. Até alguns anos atrás, o casal que não pudesse tê-los, sentia-se humilhado, constrangido e discriminado, principalmente o homem, pois não teria um filho que continuasse a tradição e nome da família, que herdaria sua honra e patrimônio. Saliente-se que os filhos adulterinos também sofriam o mesmo tipo de preconceito inclusive restrições legais, que já não existem mais em nosso direito pátrio.

Como podemos observar o conceito de família transforma-se com o decorrer na história. Tanto é que em alguns lugares, uma família constituía-se por pai, mãe e filhos, com o objetivo de cultivar alimentos, cuidar da terra, como se uma microempresa fossem. Cada um com sua a sua função e unidos pelo trabalho.

Devido muitas questões, como industrialização, desemprego, falta de segurança e espaço, dentre outros, a quantidade de filhos por casal diminuiu, assim, uma família que tinha de dez a quinze filhos, na próxima geração o número seria muito mais reduzido.

O casamento, nos dias atuais, tem dois objetivos: constituir prole e educá-los, porém, não há qualquer imposição para continuar regras religiosas impostas como antes. Cumpre esclarecer que a troca de amor e afetividade não tem sido muito considerada, pois em nossa sociedade já não é mais necessário um casamento para ter-se uma vida sexualmente ativa. Conseqüentemente ocorre gravidez não desejada.

Partindo deste pressuposto, admite-se a transformação do conceito de família, do tradicional pai, mãe e filhos, para um casal do mesmo sexo, porém, nosso direito pátrio diz que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (artigo 226, “caput”, da CF). A lei entende por entidade familiar “como a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (§ 4º do art. 226, da CF).

Se o casamento, para ser válido deve ser contraído por homem e mulher com o fim de constituir uma família, procriar, logo assim, o casamento homossexual não é autorizado, por enquanto. Por outro lado, devemos nos lembrar que a própria Constituição Federal veda discriminação de sexo, religião e raça.

Ocorre o mesmo quando nos referimos a adoção, ou seja, “ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se viverem em união estável” (artigo 1.622 do CC).

Do ponto de vista legal, a adoção por casal homossexual não poderia ser permitida, já que contraria dispositivo legal, entretanto, alguns juízes, despidos de qualquer preconceito e com fundamento em relatórios psico-sociais, têm deferido pedidos de casais homossexuais, abrindo precedentes para futuras decisões, que devem ser analisadas cuidadosamente.

Trata-se de uma revolução em nosso direito pátrio e infelizmente a sociedade ainda encara esta situação com grande dificuldade e muito preconceito.

I I – A ORIGEM DA ADOÇÃO.

Diante da necessidade de perpetuar o culto doméstico, a família, cuja natureza não permitiu o nascimento de filhos naturais, tinha a oportunidade e direito de adotar um filho, evitando-se a sua extinção. O filho por sua vez, tinha todos os direitos e obrigações de um filho biológico. Lembramos que a adoção era o último recurso utilizado pelas famílias. Era permitido, inclusive, adoção fictícia para certos dias de culto, pois a presença do filho era indispensável.

A religião estabeleceu fortes laços entre pai e filho. O filho era incumbido de sepultar, preparar e oferecer o banquete fúnebre ao pai, que se tornava deus após a morte e sempre era invocado.

Após a adoção, o pai inicia o filho nos segredos do culto . O filho adotivo era recebido por cerimônia religiosa que se assemelhava ao nascimento de um filho biológico.

Para pertencer a nova família, era necessário renunciar o culto de religião da sua família de origem. Todo e qualquer laço ou obrigação extinguia-se. A adoção era irrevogável assim como nos dias de hoje, porém havia uma única exceção: quando o filho adotivo tivesse seu próprio filho, poderia deixá-lo com sua família adotiva, em seu lugar e retornar ao lar de origem, mas perderia qualquer laço com a criança.

I I I – HOMOSSEXULIASMO E SUA INFLUÊNCIA A CRIANÇA.

O homossexualismo é prática antiga e sempre se encontrou presente na história da humanidade. Acredita-se que já ocorria entre os homens primitivos, de acordo com indícios encontrados em dois homens da caverna que se mantiveram congelados até recentemente. As civilizações primitivas do Oriente e também no Mediterrâneo Oriental demonstraram relações homossexuais nos seus rituais de adoração aos seus deuses. Nas sociedades gregas e romanas não havia qualquer demonstração de preconceito relacionado.

A ilustre jurista e desembargadora do TJRS, Dra. Maria Teresa Dias, ensina que o homossexualismo estava ligado ao militarismo, pois entendiam que o sêmen era transmissor de heroísmo e nobreza2. Estava ligada também ao intelectual. O ato era considerado muito mais nobre do que a relação heterossexual.

O que era costume entre povos, passou a ser visto como uma doença, tão logo com a pregação do cristianismo. Mister esclarecer que não culpamos o cristianismo por isso, mas culpamos as más interpretações de algumas pessoas logo no princípio.

Depois de muitos anos de repressão e preconceitos, os casais assumem perante a sociedade sua opção sexual, unem-se e buscam um ideal de família, com a adoção de uma criança, para uni-los ainda mais nos laços do amor.

Muitas pessoas são contra a adoção por estes casais, por acreditarem que a criança será influenciada pela opção sexual dos pais. Então, pergunta-se: por que crianças educadas em lares heterossexuais, descobrem-se homossexuais se não foram educadas para serem e também não conviveram com um casal homo??? Desta feita, podemos concluir que estão enganados aqueles cujo posicionamento é contrário.

Se assim fosse, psicólogos e psiquiatras, em seus estudos, seriam totalmente contra a convivência de criança nos lares homossexuais. As pesquisas apontam que a relação é totalmente saudável e não há qualquer risco ou problema a criança ou adolescente.

Não obstante as afirmações de que o meio ambiente influencia o comportamento da pessoa, estudos recentes apontam que a homossexualidade trata-se de uma questão biológica, ou seja, o cérebro de pessoas homossexuais se assemelha mais ao de indivíduos do sexo oposto do que ao de heterossexuais do mesmo sexo, conforme pesquisa publicada pelo Stockolm Brain Institute, do Instituto Karolinska, na Suécia. "É provável que essas diferenças se estabeleçam ainda no útero ou muito cedo na infância", afirma a coordenadora do estudo, a sueca Ivanka Savic. (Fonte: Revista Veja, 25/06/2008).

Diante das últimas descobertas, está claro que o casal homossexual ao educar um filho (criança ou adolescente), não irá interferir na opção sexual deste futuro adulto.

IV - ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E CÓDIGO CIVIL

A adoção é uma das formas de colocação da criança e/ou adolescente em família substituta. É regulada pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) – Lei nº 8.069/90.

Os filhos adotivos terão os mesmos direitos como se filhos biológicos fossem, sendo vedado qualquer tipo de discriminação. Trata-se de garantia constitucional (artigo 226, § 6º da CF/88).

O Código Civil de 2002, embora tenha um capítulo exclusivamente dedicado a adoção não revogou o Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº 8.069/90), porém há divergências doutrinarias quanto abrangência das duas leis. Neste aspecto a doutrina divide-se em duas correntes, quais sejam:

1ª corrente: sustenta que o Código Civil regula a somente a adoção dos maiores de dezoito anos;

2ª corrente: defende que as regras do ECA aplicam-se somente nos casos de adoção de crianças e adolescentes menores de dezoito anos.

As normas coexistem e complementam-se, não podendo existir conflitos entre elas. Alguns doutrinadores citam como exemplo o artigo 42, “caput”, do ECA que foi revogado pelo artigo 1.618 do CC 2002. Enquanto o primeiro determina que a idade mínima para os adotantes de 21 anos, o segundo dispositivo menciona 18 anos.

O ilustre doutrinador Garrido de Paulo3 ensina: “é razoável afirmar que, mesmo na vigência do novo Código Civil de 2002, a adoção de criança e adolescente continua sendo regida pelo Estatuto da Criança e Adolescente, aplicando-se eventualmente normas do Código Civil desde que não incompatíveis com os princípios e com a disciplina normativa especial”.

O ECA garante prioridade absoluta, bem como proteção integral à criança e adolescente.

O Código Civil determina em seu artigo 1.618 que “só pessoa maior de dezoito anos pode adotar”. Em confronto com o ECA, que determina adoção a partir dos 21 anos, independente do estado civil (art. 42, do ECA).

4.1 – ESPÉCIES DE ADOÇÃO

Na vigência do CC de 1916, existiam três espécies de adoção, quais sejam: simulada ou à brasileira, civil e estatutária.

A primeira espécie é criação da jurisprudência, empregada pelo STF naqueles casos em que o casal registra como se seu fosse, filho recém nascido de outro casal, hipótese em que praticam crime do artigo 242 do Código Penal, vejamos:

“Dar parto alheio como próprio, registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Parágrafo único. Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:

Pena: detenção, de 1 (um) a 2 (anos), podendo o juiz deixar de aplicar a pena”.

Se o médico ou enfermeira deixar de proceder corretamente identificação de do neonato ou parturiente, facilitando a substituição do bebê, comete crime do artigo 229 do ECA:

“Deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de identificar corretamente o neonato e a parturiente, por ocasião do parto, bem como deixar de proceder aos exames referidos no art. 10 desta Lei:

Pena: detenção de seis meses a dois anos”.

A adoção civil, também denominada comum, simples ou restrita, é a segunda espécie de adoção, era regida pelos artigos 368 a 378 do CC de 1916. Nesta modalidade, a intervenção judicial era desnecessária, bastava que o casal comparecesse ao cartório e mandasse lavrar a escritura pública, desde que todos os requisitos leais estivessem preenchidos e houvesse anuência do adotando.

Com o advento da Lei nº 10.406/02, os referidos artigos foram revogados. Hoje a adoção faz-se somente por meio de processo judicial (art. 1623), ou seja, será sempre necessária a existência de uma sentença constitutiva. A regra é válida mesmo que o adotante seja maior de dezoito anos.

A última e terceira espécie é a adoção estatutária, é aquela regida pelo Estatuto da Criança e Adolescente.

4.2 – ASPECTOS GERAIS DA ADOÇÃO

No processo de adoção, é necessária a intervenção do Ministério Público, sob pena de nulidade do feito e o juízo competente é o da Vara da Infância e Juventude, do domicílio ou residência do adotando.

Cumpre ressaltar, que o filho adotado tem os mesmos direitos que um filho biológico, inclusive os sucessórios.

Para a adoção concretizar-se serão analisadas as vantagens para a criança e adolescente e os motivos legítimos do adotante, será analisado inclusive se há parentes próximos e interessados que possam cuidar antes de concretizar-se o processo de adoção, tendo em vista o bem estar que é princípio fundamental.

A adoção é ato irrevogável. Em nova certidão constará o nome dos pais, porém, não mencionará a adoção. Nos casos de adoção homossexual, no registro da criança consta o nome dos pais/mães adotantes, uma vez que houve determinação judicial.

V – CONSIDERAÇÕES FINAIS

As crianças e adolescentes não podem ser privadas de um lar, onde há oferta de carinho, amor, amparo, educação, por puro preconceito da sociedade, esta mesma que desampara, exclui e ignora aquele pequeno ser necessitado. Enquanto o pensamento das pessoas não mudarem, sempre haverá o desrespeito com o próximo e isso independe da opção sexual, ou seja, dos pais serem um casal heterossexual e/ou casal homossexual.

Devemos aceitar os estudos apresentados por profissionais qualificados na área, pois mostram-se favoráveis a adoção homossexual. Lembremos que qualquer casal, independente de sua opção, pode ser imoral, agressivo, amoroso, carinhoso. Quantos problemas podemos encontrar numa família de casal hetero em que o pai abusa da filha, muitas vezes com o consentimento da mãe, pais que praticam violência doméstica, queimam, batem e torturam seus filhos física e moralmente, dentre outros problemas. E negar o que podemos chamar de um direito a um casal só porque escolheu gostar da pessoa do mesmo sexo, é um absurdo, principalmente em nossos dias em que os conceitos mudam constantemente. A evolução é rápida e o legislador pouco consegue acompanhar todo desenvolvimento, mas aos poucos as regras têm sido mudadas por ser a adoção um ato de amor.

BIBLIOGRAFIA

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Revista Veja

Na Internet:

DIAS, Maria Teresa. “União homossexual. Aspectos sociais e jurídicos”. In: :www.ajuris.org.br

Bianca Stievano
Enviado por Bianca Stievano em 03/08/2008
Código do texto: T1110387
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