Crimes dolosos contra a vida praticados por militares estaduais contra civis e a competência da Justiça Militar Estadual – Breves Considerações
A Constituição Federal de 1988, a denominada Constituição Cidadã, pelo Deputado Federal Ulysses Guimarães, diz expressamente que compete a Justiça Militar Estadual processar e julgar os crimes militares definidos em lei , e ao Tribunal do Júri os crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis, art. 125, § 4º, alterado pela Emenda Constitucional 45/2004, sendo que esta disposição deve ser interpretada com base no Código Penal Militar e também na Lei Federal nº 9299/1996.
O Código Penal Militar cuida expressamente do crime de homicídio, no art. 205, daquele codex, que continua existindo, quando o sujeito ativo é um militar estadual ou mesmo um militar federal.
Neste sentido, se um militar estadual a princípio é acusado da prática em tese de um crime de homicídio, caberá a Polícia Judiciária Militar, até porque o crime não deixou de ser militar, adotar as providências necessárias para a apuração do ilícito, comunicando o fato a Justiça Militar Estadual, remetendo o APF, ou se for o caso, o IPM aquele Justiça Especializada.
A leitura atenta e de forma imparcial da Lei Federal 9299/1996 quanto à questão não deixa dúvidas, então vejamos: LEI FEDERAL N. 9.299, DE 7 DE AGOSTO DE 1996 - Altera dispositivos dos Decretos-Leis ns. 1.001 e 1.002, de 21 de outubro de 1969, Códigos Penal Militar e de Processo Penal Militar, respectivamente. O Presidente da República: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Artigo 1° - O artigo 9° do Decreto-Lei n. 1.001, de 21 de outubro de 1969 – Código Penal Militar, passa a vigorar com as seguintes alterações:
"Artigo 9º - (...)
II - (...)
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;
(...)
f) revogada.
(...)
Parágrafo único - Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum."
Artigo 2° - O caput do artigo 82 do Decreto-Lei n. 1.002, de 21 de outubro de 1969 – Código de Processo Penal Militar, passa a vigorar com a seguinte redação, acrescido, ainda, o seguinte § 2º, passando o atual parágrafo único a § 1°:
"Artigo 82 - O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz:
(...)
§ 1º - (...)
§ 2° - Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum."
Artigo 3° - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
O § 2º da Lei Federal ora mencionado não deixa dúvidas que a fase da persecutio criminis é feita pela Polícia Judiciária Militar, que posteriormente encaminhará os autos a Justiça Comum.
Em razão disto, conclui-se que na primeira fase da persecução que está relacionada diretamente com a Polícia Judiciária , cabe ao Juiz de Direito da Justiça Militar Estadual conceder ou não o benefício da liberdade provisória ao militar estadual em tese acusado da prática de um crime de homicídio contra um civil, ou se for o caso, conceder ou não o instituto da menagem extramuros, ou mesmo intramuros. Esse instituto existe apenas e tão somente no Código de Processo Penal Militar, Decreto-lei 1002, de 1969.
Apesar da clareza da lei, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia ingressou junto ao Supremo Tribunal Federal com uma ADIN, Ação Direta de Inconstitucionalidade que recebeu o n º 1.494-DF e que teve como Relator para o acórdão o Min. Marco Aurélio, publicada no DJU, 20.04.97, onde o Pretório Excelso considerou-se que o dispositivo impugnado não impede a instauração paralela de inquérito pela polícia civil, e que a Polícia Judiciária Militar também possui competência para apurar o crime de homicídio em tese praticado por um policial militar.
Portanto, a competência da Justiça Comum o que foi afirmado com base na Emenda Constitucional 45/2004 e que antes era questionado pela doutrina, é que cabe a Justiça Comum processar e julgar a ação penal, que se inicia com o recebimento da denúncia. Quanto à fase administrativa, inquérito policial militar, e auto de prisão em flagrante, por força da Lei Federal 9299/1996 esta é de competência da Justiça Militar, Federal ou Estadual.
A respeito do assunto, Cícero Robson Coimbra Neves , em excelente artigo que foi publicado no site Jus Militaris, mantido pelo promotor da Justiça Militar da União, Jorge César de Assis, , assim se manifesta:
“O exercício da polícia judiciária nos crimes dolosos contra a vida de civil pelo que até aqui se aduziu, conclui-se que, na esfera estadual, o crime doloso contra a vida de civil continua a ser crime militar (26), havendo, porém, a competência de julgamento pelo Tribunal do Júri. Ainda com lastro na Lei Maior, cumpre iluminar que a missão constitucional da Polícia Civil cinge-se, por força do § 4º do art. 144, ressalvada a competência da União, às funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. Bem clara, na lógica do subsistema constitucional, a exceção criada pelo legislador constituinte, no sentido de que a infração penal militar ficasse à margem das atribuições das Polícias Civis. Os crimes dolosos contra a vida de civis, perpetrados por militares dos Estados, ao encontrarem a plena tipicidade no Código Penal Militar, serão de atribuição apura tória das autoridades de polícia judiciária militar, entenda-se do Comandante de Unidade e, nos casos de delegação, do Oficial de serviço delegado. Como reflexo, as medidas previstas no art. 12 do Código de Processo Penal Militar devem ser encetadas pelo Oficial com atribuição de polícia judiciária militar e não pelo Delegado de Polícia” .
Portanto, a lei deixa mais do que evidenciado, que a competência referente ao procedimento apuratório cabe a Polícia Judiciária Militar, seja por meio da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante Delito ou mesmo por meio do Inquérito Policial Militar, os quais serão remetidos a Justiça Militar Estadual.
Ao receber o procedimento administrativo, o Juiz de Direito concederá vista ao representante do Ministério Público, para que este se for o caso suscite o pedido de remessa dos autos a Justiça Comum, em atendimento as disposições que foram expressamente estabelecidas na lei federal que a alterou as disposições do Código Penal Militar e do Código de Processo Penal Militar.
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