HISTÓRIA DE PRISÃO BRASILEIRA

JUSTIÇA - 12 anos de reclusão, passando por 15 penitenciárias do Estado onde nasceu e mora; jogou xadrez com os azes indomáveis do crime brasileiro, a exemplo de Marcola e Fernandinho Beira Mar; viu seu filho recém nascido crescer somente ao lado da mãe; sofreu torturas, foi extorquido pelas polícias e comprou metralhadoras, pistolas e fuzis dentro das delegacias. Estas são algumas histórias de “Irmão”, um criminoso de rara inteligência, espírito natural de liderança e um exímio conhecedor de armas de grosso calibre, que foi preso em flagrante após tentar roubar uma agência do Banco do Brasil e que nesta semana, acreditem, foi meu motorista por três dias.

“Irmão” é motorista particular de alto nível; conhece como ninguém as ruas daquela cidade enorme e presta serviços executivos a uma empresa multinacional, dirigindo um Chrysler 300, levando executivos daqui para ali e dali para acolá. Nestes últimos dias, após minha passagem por aquela cidade, ele foi me apanhar num hotel e já no primeiro instante, iniciamos uma conversa informal e depois de alguns minutos, lá estava o moço me contando parte da história de sua vida; uma vida de infelizes desencontros com a sorte.

Aos 19 anos, começo a manusear pistolas de amigos, praticando tiros em campos desertos e logo ficou conhecido como exímio atirador; como os criminosos não poupam o caráter de ninguém, muito menos tenta tirar alguém do mau caminho, logo “Irmão” estava sendo convidado para praticar alguns furtos e roubos. Com algum dinheiro fácil no bolso, fruto do crime mais covarde que possa existir, o de mão armada, aquele garoto passou a se interessar por assaltos mais grandiosos; os postos de combustíveis e supermercados já não davam mais o lucro almejado pela quadrilha; foi então que eles planejaram o primeiro assalto a banco.

Logo no primeiro, uma troca de tiros e uma fuga espetacular a bordo de um Opala seis cilindros; durante a cena de cinema, ele e sua quadrilha acertaram alguns seguranças, sem os matar, e conseguiram fugir com algo em torno de 300 mil reais. Depois daquele assalto vieram outros e mais outros; e quando eles diziam que seria o ultimo, eis que já estava planejando outro. Nem ele mesmo sabe dizer quanto assaltos foram exatamente, mas dos 19 aos 22 ele foi preso pelo menos oito vezes, destacando que no ano em que foi preso e ficou 12 anos recluso, ele chegou a ser preso três vezes em um único mês e negociou todas as suas fugas dentro da delegacia, pagando entre 10 e 50 mil reais para os policiais corruptos.

“Irmão” me contou que em janeiro de 1994, quando ele saía de seu apartamento, recebeu uma equipe de uma importante delegacia da sua cidade de posse de um mandado de prisão; naquele dia a equipe pediu 200 mil para irem embora sem prendê-lo, mas “Irmão” não tinha aquela grana; tentou oferecer menos, mas não adiantou; foi preso, sentenciado a 20 anos de reclusão em regime fechado, condenação por três roubos a agências bancárias, formação de quadrilha e tentativa de homicídio.

Contou que foi avaliado pelos psicólogos das prisões como um estrategista, líder e possuidor de inteligência anormal (para os presidiários); por conta destas avaliações, ganhou fama e foi transferido para 15 presídios diferentes, inclusive um de segurança máxima, onde conheceu os maiores profissionais do crime brasileiro.

Citou inúmeras façanhas de fugas, planejamentos de execuções que alguns internos mandaram fazer, os tipos de comunicações quando se está numa solitária e como o “xadrez” o ajudou a passar o tempo naqueles 12 anos. O mais impressionante é que “Irmão” afirmou ter jogado xadrez com vários outros internos, mesmo estando em celas separadas, às vezes, separados por até 10 celas, tudo na base da criatividade com a numeração das casas brancas e pretas e utilizando as peças do jogo confeccionadas em sabão. Os movimentos eram “cantados” e quando o oponente não conseguia ouvir, um ou outro detendo que estava em cela intermediária servia de repetidor da jogada.

A idéia de escrever este texto, jamais foi expor a vida de alguém que esteve preso e que hoje trabalha honestamente; tanto não é isso que eu omiti nomes, circunstâncias mais intrínsecas e localização. Quando eu me determinei a escrever sobre “Irmão”, acima de qualquer coisa, foi por acreditar nas histórias que ele me confidenciou, principalmente nas que determinaram em fugas e compras de armas DENTRO DAS DELEGACIAS e presídios.

A segurança pública brasileira anda a beira do abismo; alguns afirmam que ela já caiu e o que enxergamos hoje é uma miragem. Da mesma forma que existem milhares de homens da lei de boa fé, que zelam pelo prestígio de conduzir a ordem nas ruas do Brasil e que jamais são reconhecidos (principalmente com salários dignos), também existe uma minoria travestida de fardas e empunhando revólveres e pistolas, que levam o terror, o roubo e a corrupção como metas profissionais. Esta minoria contagia cada vez mais ou honestos e fazem da carreira policial, que em outrora fora tão gloriosa, uma das profissões mais distantes dos homens de vergonha e valor.

Eu acredito da ressocialização do ex-presidiário e afirmo que ele é um dos raros casos que trocaram a vida do crime, que proporcionava ganhos absurdos a cada assalto, pela vida simples de um emprego comum que lhe rende pouco mais de R$ 1 mil por mês, da mesma forma que acredito que, da maneira que os poderes “encaram” as penas e os cárceres do Brasil, será ainda mais difícil encontrarmos outros “irmãos” pelas ruas, trabalhando.

É fato que quem entra ladrão de galinha num presídio, sai diplomado com pós doutorado em grandes assaltos; uma cela que deveria abrigar quatro pessoas, em alguns presídios abriga quarenta. 1,8 milhões é o déficit carcerário atualmente no Brasil; isso significa que quase 2 milhões de pessoas estão ocupando uma vaga inexistente. Raros são os modelos de colônia penal que conseguiram driblar o ócio, a fuga, o tráfico de drogas e a corrupção; enquanto nenhuma melhoria a curto e médio prazos chega, cada vez mais pessoas são presas e jogadas em depósitos de gente, causando mais revolta e formando bandidos ainda mais perigosos.

Em cárcere mesmo, quem vive sou eu e alguns outros, que construímos muros altos, com cerca elétrica, câmeras de filmagem, monitoramento 24h e celular sem funcionar; tudo isso em pouco mais de 100m², isolados do mundo, onde dizemos ser, a nossa casa.

Carlos Henrique Mascarenhas Pires

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