O ARTISTA EM FACE DE SUA OBRA
Quando um homem realiza uma obra e ainda não tem uma noção perfeita a respeito do valor daquilo que criou, não deve se precipitar num julgamento próprio conclusivo: as opiniões variam como variam as estações e o que ele concluir, pode diferir tremendamente de uma outra opinião. A verdade é tremendamente relativa e, se se tratar de uma obra de arte, ai então a coisa ganha uma dimensão ainda maior dentro das considerações, uma vez que não somente os aspectos técnicos serão levados em conta bem como a empatia de cada indivíduo que analisa. No contexto de um CD de um determinado cantor, uma melodia ganhará relevo, outras ficarão esquecidas e, não raro, a que ganhou relevo era exatamente a menos cotada como destaque, a menos considerada. O que deve ser entendido é que a obra transcende seu criador, deve transcender! Um artista não pode e nem deve ter uma noção exata do que cria (não falo dos aspectos técnicos) assim como um cidadão que engravida sua mulher não tem uma noção exata de como será a aparência de seu filho. Terá noções aproximadas, conjeturará, arriscará opiniões, mas somente quando a criança tiver nascido e já definido a sua aparência é que ele poderá estar ciente sobre os múltiplos detalhes que a caracterizam. Criar uma obra é parir um filho que, em última instância , terá, sim, tudo a ver com o seu genitor. Se ele é verdadeiramente artista e se se derrama no que faz, então a particularidade da sua personalidade estará ali, estampada, ainda que de modo sutil. Cada indivíduo é absolutamente diferente do outro; não existe um só indivíduo cem por cento parecido com outro qualquer embora, em linhas gerais, sempre se encontre pessoas de procederes e opiniões convergentes. Então, se o elemento cria a obra de arte, se sua alma está ali, estampada, somente duas coisas poderão ser submetidas à crítica: a técnica usada (se consumada ou amadorística ) e a linguagem artística ( se ele genuinamente se expressou como artista ou se tentou, sem êxito, traduzir o pensamento e o sentimento das musas). Em última análise, é melhor que o artista produza livremente, sem cerebrar demais a sua conduta de produtor de arte. Dizem que o melhor santo é justamente aquele que nem sabe que é santo! Talvez o melhor artista seja exatamente aquele que nem de leve suspeita que, a cada obra que cria, transpira genialidade. Isso o remeterá a uma simplicidade, a uma espontaneidade desprovida de pose, ocasião em que ele será ele mesmo num todo, no sagrado momento da criação. Não se verá preso a doutrinas estéticas ( as famosas escolas ) mas ele mesmo será a doutrina, o produtor da arte e a própria arte.