AS VOZES DO BEM E DO MAL
Prólogo
O treinamento a que eu estava sendo submetido parecia um dantesco pesadelo. Eu me encontrava recluso num cubículo quente, úmido, fétido e escuro.
Encontrava-me seminu, suado, seboso, sedento e faminto. Vozes graves, às vezes, sibilantes, que aspergiam hálitos fecais, gritavam-me impropérios nunca dantes por mim ouvidos. – (Nota deste Autor).
“Faz noventa e seis horas que você, porco imundo e fraco, está sob o nosso controle. Você está sendo preparado para evitar bizarrices tolas! Está sendo treinado para não rir ou chorar, mas caso sucumba a essas tentações o faça de forma discreta, para não parecer bobo em demasia.”. – (sic).
AS VOZES DO MAL
Disseram-me para eu não me apegar aos sentimentos pequenos causados pela paixão, piedade e afeição, isso me tornaria frágil. Ensinaram-me a suportar a sede e a fome, as dores físicas e da alma sem chorar para não expor sentimentalismos medíocres e medonhos.
Meus algozes me ensinavam a confiar desconfiando, para eu não alimentar expectativa desse sentimento próprio dos humanos. Diziam, isto é, berravam ensandecidos, os seres invisíveis, com suas vozes roucas aos meus ouvidos:
“Não tente defender seus sonhos e ideias quaisquer diante de pessoas ignorantes, comuns e diferentes de sua gênese. Acreditamos que você é superior. Você ainda não percebeu, mas é igual a gente!”. – (sic).
“Você é diferente! Pessoas comuns não correm nenhum risco, são lorpas que não fazem nada, não têm iniciativas e, por isso, são indignos de méritos. São iguais a um grão de poeira de um deserto. No nosso entendimento esses vermes não são nada!". – (sic).
"Igual aos demais nossos escravos, você foi voluntário para enfrentar as dificuldades desse treinamento duro e sofrido. Somente as pessoas que correm riscos poderão ser livres.". – (sic).
"Poucos poderão gritar: Somos vencedores! Talvez você possa, mas nosso objetivo é fazê-lo enxergar sua pequenez diante das dificuldades da vida.". – (sic).
"Dos trinta e cinco voluntários... trinta e três já desistiram e ainda falta muito tempo para concluirmos nossa missão. Resistirá você à sede, fome e tanto desconforto? Veremos! ". – (sic).
Eu estava quase tocando o sino vermelho da desistência, mas me mantive calado e sem encarar meus algozes.
Meu comportamento visava economizar energias e diminuir a intensidade dos castigos. Preferi ouvir A VOZ DO BEM e, pasmem... Eu resisti, depois de não sei mais quanto tempo de tortura física e mental, venci! Só eu venci!
A VOZ DO BEM
Depois de uma interminável e violenta surra com cordas de sisal trançadas... As portas de minha prisão se cerraram. Nos estertores de minha pouca lucidez, potencializada pela espertina, sede e fome, vislumbrei um pequeno ponto de luz azulada que de mim se acercou para sussurrar de forma cariciosa:
“Os desumanos e atuais seus mestres do mal podem até evitar sofrimentos e desilusões, mas eles não progridem nada, são insensíveis, não mudam, não crescem, não amam, não choram, não riem, não têm prazeres nem tampouco desgostos, não vivem como deve ser vivida a vida.”. – (sic).
“Essas criaturas desconhecem que a sabedoria, a esperança e o amor são amuletos contra a maldade do mundo. A melhor forma de vencer o mal será sempre praticando o bem. O bem é invencível! Portanto, faça os seus ouvidos moucos às vozes do mal!”. – (sic).
“Acorrentadas por suas atitudes, sem pejo do ridículo, essas criaturas sem brilho são escravas de suas ignorâncias, privam-se de suas capacidades para inovar, amar com felicidade e sofrer, por necessidade, para aprender a voar alto, com o impulso da adrenalina, correndo riscos necessários para serem livres!”. – (sic).
Eugênio, meu heterônimo mais idoso, entendeu a mensagem do seu pesadelo mascarado em um treinamento insano, mas sobretudo aprendeu, com o pequeno ponto de luz azulada, que por providência divina dele se acercou para lhe ensinar com benfazeja razão.
CONCLUSÃO
Eugênio aprendeu que não se vive somente do que faz sentido. Meu heterônimo aprendeu que é preciso viver com o pouco que se tem, a valorizar a gratidão e a generosidade, e de como ajuda ser feliz livrando-se das bajuladoras e não recíprocas pessoas.
Para evoluir é bom que se mantenha perto de pessoas que lhe avisem quando errar lhe ensinando o caminho da retidão. Esses ensinamentos foram e são de extrema importância para o crescimento interior de todo ser minimamente racional.
Minha saudosa vovó Josefa da Conceição dizia com muita propriedade: “A verdade alivia mais do que machuca, assim como a dúvida causa mais sofrimento do que a certeza, mas ambas (verdade e certeza) estarão sempre acima de qualquer falsidade como o óleo sobre a água ou o pão caseiro e o café fumegante sobre a nossa mesa.”. – (sic).
Enfim, leitor amigo, abandone a expectativa e convide o inesperado para fazer parte do seu dia a dia. Quem não puder se destacar pelo talento, vença pelo denodo, pela determinação, lealdade, honestidade; pelo cultuar das virtudes teologais: Fé, caridade e esperança. Jamais dê ouvidos às vozes que tentam lhe desanimar e enaltecem o mal em detrimento da voz do bem.