O Poeta Vinholes e o Concretismo

DEZ PERGUNTAS. REVISTA JAPONESA

CONCRETISMO NO BRASIL

L. C. Vinholes

Nota: Uma das minutas datilografadas que encontrei nas pastas do meu arquivo tem as respostas que dei às perguntas que me foram apresentadas por uma revista japonesa da qual não lembro o nome e nem a época, mas pelos dados constates dos textos que possuo, teria sido entre 1975 e 1978, período que fica dentro do da minha segunda estada no Japão. Para mim o que foi escrito naquela época continua válido e não vejo porque não possa ser divulgado agora, com a devida reserva.

O fato de ter escrito poesia concretista, a maior parte publicada no exterior, parece-me insuficiente para justificar a minha participação no concretismo. Entretanto, acredito que, até certo ponto, minha atividade como compositor pode ser enquadrada em parâmetros em nada alheios às ideias dos poetas concretistas. Por outro lado, desde os debates de Teresópolis, em janeiro de 1954, quando melhor conheci não só aos poetas, mas, também, aos pintores concretistas, notei a coincidência entre o que eles anunciavam e o que a mim interessava. Mais tarde dediquei-me à divulgação do concretismo na poesia através de conferências, publicações e mostras. Destas últimas, destaco as duas miniantologias nas revistas Design (1961) e Graphic Design (1965) e a hoje histórica exposição que, com a ajuda de meu amigo arquiteto João Rodolfo Stroeter, foi montada no Museu de Arte Moderna de Tokyo, em abril de 1960, com o apoio incondicional do seu diretor Atsuo Imizumi, ex-comissário japonês à Bienal de São Paulo.

Acredito que a contribuição concretista à poesia brasileira está não só na singularidade das obras criadas, mas, ainda, no apontar de novas e válidas opções para a criação poética, opções estas que foram mais além do que o simples abandono do verso linear. Tanto é assim que elas interessaram a poetas de diferentes gerações em todos os principais centros do país, até mesmo nomes como Cassiano Ricardo e Manuel Bandeira. A contribuição concretista, que extrapola os limites reservados à poesia, será cada vez mais evidente à medida em que os fatos e acontecimentos destes últimos 30 anos forem passados à história.

Gerado nos anos anteriores ao seu lançamento em 1958 e refletindo riqueza ímpar de subsídios e estudos, o plano-piloto em si não teve a pretensão de criar alguma novidade. As novidades vieram depois e como consequência da posição, da tomada de consciência e da clareza com que Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari vaticinaram os acontecimentos. A novidade está em tudo o que resultou de um trabalho sistemático e responsável que aí está registrado não apenas em publicações nacionais, mas, igualmente, em obras de enorme importância publicadas em diversos países sob a responsabilidade de figuras de destaque no mundo literário internacional.

O plano-piloto não pode ser lido parceladamente, deve ser tomado como um todo. A “arquitetura funcional do verso” nele refletida, diz respeito à uma constatação feita em relação à obra de João Cabral de Melo Neto. Além disto, é bom lembrar o que disse Haroldo de Campos na entrevista divulgada em setembro de 1966, pelo Suplemento Literário de O Estado de São Paulo: “os poetas concretos não se entendiam, e não se entendem como ´literatos´ no sentido tradicional do termo, mas como criadores de formas, ´designers de linguagem (expressão de Pignatari), protagonistas de um mundo de relações e inter-relações novas, que estoura as velhas e enregeladas categorias dos historiadores da literatura”.

As referências ao isomorfismo dos concretistas encontradas no texto do plano-piloto são, como as demais, suficientemente claras. O indispensável é estar preparado para perceber o que está dito. Décio Pignatari numa introdução à revista Arquitetura e Decoração, de 1966, amplia o conceito restritivo da pergunta, quando diz: “a poesia concreta enfrenta muitos problemas de espaço e tempo (movimento) que são comuns tanto às artes visuais como à arquitetura, sem esquecer a música mais avançada, a eletrônica”.

A influência do pensamento concretista em outras formas de atividade criativa é uma realidade. É conhecido o trabalho da TV Cultura sobre a influência da poesia concreta na música popular brasileira que vai muito mais além dos substanciais contatos entre Augusto de Campos e Caetano Veloso, em 1973 e 1975. A realidade desta influência ampla é tanta que até mesmo especialistas estrangeiros já se deram conta. O professor Claus Clüver do Departamento de Literatura Comparada da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos da América do Norte, que se especializa em estudos das inter-relações entre as artes, tem como tema de uma das suas mais brilhantes conferências o que trata sobre “o concretismo brasileiro: arquitetura e propaganda, pintura e poesia, música e modelos”.

O fato do concretismo brasileiro ter despertado o interesse dos poetas estrangeiros é, para mim, indício suficiente de que algo singular, novo e próprio, nele existe. É bem verdade que, no mundo atual, as identidades não ficam mais limitadas a um grupo, nem às fronteiras políticas; hoje elas estão diretamente relacionadas aos interesses comuns, às afinidades entre aqueles que nem sempre estão fisicamente próximos uns dos outros. É relevante lembrar que o plano-piloto para a poesia concreta despertou o interesse dos franceses por exemplo, tendo sido traduzido e publicado por Pierre Garnier em 1963; duas vezes traduzidos para o japonês e publicado em 1964 por Katsue Kitasono e, em 1968, por Seiichi Niikuni, líderes dos grupos e editores das revistas VOU e ASA, os dois principais grupos de poetas japoneses participantes dos ideais do concretismo. Poemas concretos de autores brasileiros estão publicados no exterior em inúmeras revistas especializadas e em antologias preparadas por nomes representativos do gabarito de Emmert Williams, Stepen Baun, Mary Ellen Solt e Milton Keonsky.

O poema concreto coca-cola é um poema-participante e, comprometido, de anti-propaganda, desmistificador, elaborado quando seu autor Décio Pignatari trabalhava como redator publicitário, tendo escrito na ocasião artigos nos quais demonstrava a viabilidade do uso da poesia concreta em propaganda. Nele os sinais tipográficos são depurados, superpostos e, principalmente, permutados até alcançar o ponto em que coco-cola é lido dentro da cloaca. Aqui, também, o poema é um só ideograma do qual os elementos fonéticos são vitais na criação e na percepção do relacionamento entre as palavras. É bom ter em mente que este poema de Pignatari foi composto um ano antes da publicação do plano-piloto.

Embora não possa apreciar a citação atribuída ao professor Antônio Candido, no contexto geral da mencionada conferência por ele pronunciada, parece-me tratar-se apenas de uma observação e não de uma crítica, já que ele reconhece o valor das inovações concretistas. Esta observação pode ser lida como definindo uma aproximação viável e positiva, mediante a qual as inovações concretistas bem aproveitadas, poderão ser capazes de enriquecer, transformar, recriar e revitalizar outras formas de comunicação poética.

A realidade brasileira da década de 1950 estava pautada pelo desejo da inovação, pela vontade de crescer, pelo entusiasmo de realizar. Os moldes e os procedimentos usados até então tinham que mudar, ser substituídos. A imaginação tinha que predominar. Aqueles ligados aos movimentos artísticos não ficaram alheios ao momento histórico. O país inteiro vibrava em sintonia. Terminaram a hidroelétrica do São Francisco, criaram a Petrobras, o presidente Getúlio Vargas comete suicídio, novo plano rodoviário foi estudado, a construção de Brasília torna-se realidade, a indústria pesada tem sua implantação programada e incrementada, escutam-se os primeiros acordes da bossa-nova, surge o cinema novo, têm início as bienais de arte de São Paulo, cresce o Museu de Arte Moderna da capital paulista e, com tudo isto em sintonia com a realidade brasileira, o concretismo se afirma como o movimento mais dinâmico que já conhecemos no Brasil.

Luiz Carlos Lessa Vinholes
Enviado por Paulo Miranda em 02/08/2022
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