Minitrix*
Tenho um encantamento especial e irrestrito pelos tercetos. Eles nos proporcionam uma leitura rápida e, na maioria das vezes, são belos, instigantes e criativos.
Eles também são "chamados de terza rima ou terça rima, uma variante de especial fortuna, criada pelo poeta toscano Dante Alighieri para o seu extenso poema narrativo Divina Comédia".
"Esta estrofe aparece na Idade Média, mas o seu auge corresponde principalmente ao Renascimento, que o emprega para a poesia culta (éclogas, elegias, epístolas, sátiras...), continuando com pujança até aos nossos dias. A sua versatilidade é tão grande que o torna apto para todo tipo de tema". Foi utilizada, amplamente, pelos poetas Petrarca e Camões, em seus memoráveis escritos.
Quero aqui, apresentar um novo gênero literário, o: Minitrix - versos altamente concisos, beirando o exagero.
Trata-se de uma derivação dos tercetos.
A ideia nasceu do pensamento minimalista que se espalhou pelo mundo da poesia - onde o menos é mais. A sua essência está cristalizada na minha busca incessante pelo que é simples e elementar.
Considero-o um estilo de escrita, uma metodologia, que busca atender aos anseios dos autores que querem fórmulas e exemplos, para comporem poemas concisos.
Para tanto, é necessário criar fatos, acontecimentos, imagens e mensagens minimalistas por excelência, buscando, quando possível, a poeticidade. Tal poeticidade porém, neste caso, pode ficar altamente prejudicada, justamente pela elevada concisão. O que também, creio, gerará dificuldades em termos de aceitação do estilo.
Esses tercetos devem ser escritos com o mínimo de palavras possível.
Para que a teoria faça sentido é preciso que se amplie o conceito de verso e que ele seja revisitado - um novo olhar teórico. Na minha proposta o verso não precisa ser uma oração. Ele pode ser representado por uma única palavra ou símbolo. O que está em jogo são as três linhas que, efetivamente, compõem o Minitrix.
O Minitrix é um terceto titulado. O título é imprescindível - auxilia o entendimento. Ele também pode indicar o assunto ou simplesmente individualizar a obra. Sem ele, provavelmente, o terceto ficará sem sentido.
A pontuação é um detalhe importante na perspectiva do poema. Ela faz muita diferença.
A escrita dos sinais gráficos, tais como a vírgula e o ponto, indicando a separação entre os termos sintáticos da oração, tanto podem alterar o significado de uma frase, como também, de um parágrafo. É interessante dizer que estes sinais reproduzem, na escrita, nossas emoções, intenções e anseios.
É oportuno afirmar que o Minitrix é um poema completo. Ele não é parte de um todo, como são, as duas últimas estrofes dos sonetos de Camões- tercetos longos e rimados. Por si só, ele tem que formar uma ideia completa com início, meio e fim.
Chamo atenção para a subjetividade. Varia de acordo com o "julgamento" de cada pessoa: uns podem gostar, outros não.
À primeira vista, o Minitrix pode parecer complexo demais ou, por outro lado, despretensioso. Sua leitura não poderá ser feita ao pé da letra.
É necessário que o leitor esteja aberto ao que pode vir a ser considerado como o mais restrito e inusitado dos tercetos. Ele deve ler, reler e reinterpretar, criando novos significados que o ajudem a entender a mensagem elaborada.
É importante observar que o Minitrix, na sua construção, prima pela estética de um poema pequeno e de reduzido número de vocábulos e símbolos.
O Minitrix não é um Poetrix.
Ele não exige versos com frases ou locuções verbais em sua estrutura. É uma vertente dos tercetos com menor rigor estilístico. Sua estampa é simplificada. Não tem, a priori, um número estabelecido de sílabas.
Vamos ver alguns exemplos de minha autoria:
Martelo
de duas,
uma:
bateu com a cabeça
Na moldura
versos crus,
rabiscos...
arte surreal!
Castro Alves
ali,
acolá,
fica a rua...
Solidão
parados,
a sós.
eu e Eu
Doce tempero
eu
I,tu
noz moscada
Meia Luz
é noite
nas paredes,
corpos dançam
Lágrimas
H
2
Olhos
Na estação
um
de dois,
fica
Retardatário
chegou!
vai...
t a l e n t o
Em tempo...
olhar-te
nos olhos:
doce segredo
Beijo
bocas,
nós
atados
Beco sem saída
nua
e crua,
a Via
Solfejo
sem Dó
nem Ré
faz sol
Assim caminha a humanidade
cabeça,
tronco
e rodas
Assassinato
ao pé da letra,
dito
e feito
Majestade
sua boca
nua:
grande lábios
Saara
rio,
leito
seco
Madrugada
verso
e reverso,
nus
Esfinge
amo-te
assim
desconhecida
Ciclo vicioso
S
S O S
S
Namoro
eu sou
ela lua
nós... quarto crescente
Fingidor
pode tudo
pode nada
"podi crê"
Grávida
acarinhou-se
desnudando
sonhos
N(amor)o
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Prisioneiro
cá
dentro,
solitário
Primeira dama
bonita,
recatada,
do lar
Achego
dedos poéticos,
profanos,
mão santa
Ultraje
a rigor,
não somos
um
Releitura
flauta
doce,
bambu furado
Vai e vem
no breu
da noite
... nós
Vazios
vêm
e vão,
buraco negro
Hoje
rezo
e choro,
vã agonia
Cruz Credo
viva
a morte,
sem pecados
Picadinho
ora esta
ora aquela
ora-pro-nóbis
Sabor goiano
pequi
à moda
Cora Coralina
Flor
bati
os olhos:
o perfume exalou
Aconchego
vou
amar-te
outra vez
Seresta
Si, Mi
toca
reverbero
Conflito
o Eu
sem o nós
padece
Alcóolatra
desaba
aos bafos
o bêbado
A_Chego
abraço
laço
preciso
Exemplos de Minitrix de outros autores:
- Penúria
seca
cega
... como m(olhar-te) ?
(Ângela Bretas)
-Guardiã
a vela
vela
a velha
(Ângela Bretas)
-Náufrago
mapa roto
rota
torta
(Ângela Bretas)
- Aborto
fi-lo
não qui-lo
desfi-lo
(Hércio Afonso)
- Trégua!
tu matas
porque não
(h)ammas
(Goulart Gomes)
- Exclamação ou interrogação
como
come
aquele cara
(Ene Ribeiro)
- Devolva-me
AS
AS
AS
(Sônia Godoy)
* Minitrix - Nome sugerido... pela psicanalista Cláudia Carneiro.