17-B - O Romance Contemporâneo

“Como ler um romance? Com afecto, se nos mostrarmos capazes de o receber; e com ciúme, porque pode tornar-se a imagem das nossas limitações no tempo e no espaço, podendo dar-nos, no entanto, a bênção proustiana de mais vida.”

Harold Bloom, “Como ler e porquê”, Editorial Caminho, 2001; pág 248.

ISBN: 972-21-1400-X

I - O século XX começou em 1914...

Jean-Paul Sarte afirmava que “o século XX só começou depois da Guerra de 1914-18”.

Recordo-me de uma entrevista dada ao Jornal de Letras pelo tradutor e crítico espanhol, Basílio Losada, em que ele afirmava que “o século XX foi o século das três rupturas: ruptura da concepção objectiva de Tempo e Espaço, com Albert Einstein, ruptura da imagem objectiva da Realidade, com Pablo Picasso, e ruptura da imagem objectiva do Eu, com Fernando Pessoa”.

No campo das Artes, poderemos ainda verificar outras “rupturas”, como a renovação no campo da composição musical, com Igor Stravinski e Arnold Schönberg. No campo da Literatura – que é o que nos interessa particularmente – assistimos a uma renovação na Arte de Contar que é, ao fim e ao cabo, a escrita do Romance. No entanto, uma ruptura que virou o mundo do avesso, e que teve impacto em todos os campos do pensamento, da arte e dos comportamentos sociais e familiares, terá sido no âmbito dos tabus sexuais, com o surgimento e desenvolvimento da Psicanálise, a partir de Sigmund Freud.

Tentaremos agora ver quais as inovações que foram acontecendo na ARTE da ESCRITA NARRATIVA. Aliás, o escritor inglês Lawrence Durrell, no seu prefácio a “Balthazar”, em 1958, afirmava: “A literatura moderna não nos oferece nenhum exemplo de Unidades, e em consequência disso voltei-me para a ciência e tentei realizar um romance em quatro dimensões cuja forma assenta no princípio da relatividade.” Logo a seguir, ele continuava: “A relação sujeito-objecto é tão essencial à relatividade que tentei conduzir o romance simultaneamente na forma subjectiva e objectiva”.

2- Será que temos sempre a mesma história?

Estava eu a preparar o jantar, e a pensar na maneira de continuar este artigo... e acorreu-me à memória um episódio de infância. Trata-se de uma história verdadeira, embora à primeira vista nos pareça um tanto anedótica... Mas penso que neste contexto, esta história nos vai ser muito útil!

Cá vai a história:

A certa altura da minha infância, mais ou menos a meio da década de ’50, teria eu uns 11 anos, tivemos uma criada que tinha a infelicidade de ser muito, muitíssimo surda... Era a Rogéria.

Ora a Rogéria tinha uma grande paixão. Todos os sábados, à noite, ela ia ao cinema, pois ela era apaixonada pelos filmes de ‘cowboys’.

No dia seguinte, cheia de entusiasmo, ela contava-me a história! Ela, que era analfabeta e não podia ler as legendas, e ainda por cima tão desoladoramente surda, vinha toda entusiasmada, contar-me o filme de uma ponta à outra, gesticulando e imitando as expressões dos actores!

– Olhe, menina, o Rapaz, que era muito giro, ele gostava muito da Rapariga! O Pai dela não queria, que o Rapaz era só um “có-bói”, e fazia tudo para o afastar! Mas eles amavam-se muito, era cada beijo! Mas tudo às escondidas! E depois, vinham de lá os outros có-bóis! Vinham atrás dele! Mas eles fugiam! E vinham os índios! E eles... quase! Quase que morriam... Mas lá se safavam! Ele sempre conseguia saírem-se bem daqueles infernos! Ó Menina, só queria que visse!

...O que eu admirava, para além do entusiasmo da Rogéria, era que os filmes que ela vinha contar-me, tão empolgada, tinham sempre a mesma história – o Rapaz apaixonado, a Rapariga vigiada, o Pai tirano... O Rapaz tinha um Amigo, a rapariga tinha os Perseguidores a soldo do Pai... Depois vinha a Fuga... E vinham os Perseguidores indesejados... Por fim, depois de muitos tiros e outras tantas mortes... vinha a Salvação da situação... salvavam-se os Namorados! E, se umas vezes, eram aceites pelo Pai dela... outras vezes... ficavam por sua conta e tinham que sobreviver...

Penso que esta história, verdadeira, pode servir de exemplo para o que pretendo explicar...

Certamente que qualquer escritor, ao começar um romance, há-de ter a preocupação de saber...

...como há-de escrever a sua história...

...como há-de captar a atenção dos seus leitores...

...Porque... As histórias... Já todas foram contadas... Quer se comece pelo princípio, quer se comece pelo fim... a história, no fundo, é sempre a mesma... É a história da própria Humanidade, com os seus sonhos e aspirações, os seus revezes, a luta pela sobrevivência de sonhos e valores... e o desfecho favorável aos protagonistas que tanto se esforçaram! Vence sempre o Bem. Mas por vezes, há uma variante, uma trágica variante, e a “luta da vida” não tem um desfecho favorável... E nós, os leitores, ficamos com vontade de que na próxima vez (numa próxima obra... numa próxima história...), tudo acabe melhor!

***

É aqui que se põe a questão:

Se a história é “sempre a mesma”, e se “já todas as histórias foram contadas” – o que resta ao Escritor?

...Muito provavelmente, a solução que lhe resta, será a ESCOLHA do MÉTODO – ou seja, do MODO de CONTAR a sua história!

E é assim que nascem as opções quanto à “natureza” da Narrativa – ou seja, o “modo” da Narrativa – ou seja: a FORMA da Narrativa!

Penso que um exemplo notável do que afirmo, será o de Luigi PIRANDELLO, que já em 1921 tinha apresentado uma peça de teatro bem inovadora:

Em vez de contar uma história “normal”, ele começa assim:

Um ENCENADOR e vários ACTORES estão a ensaiar uma peça de teatro... Subitamente, surgem SEIS PERSONAGENS que querem ser vistas e querem actuar! Apresentam-se ao Ensaiador com uma história de família...trágica, sórdida, uma daquelas histórias “de fazer chorar as pedras”! A história em si não nos traz novidade nenhuma... E isso é certamente deliberado, porque o que interessou a Pirandello, foi contar uma história vulgar, de “amor e traição”, de um modo inovador!

Não esqueçamos que já tinha aparecido o grupo DADA (leia-se ‘Dádá’), com a sua proposta de desintegração da linguagem lógica, como meio de expressão! Com esta peça de Pirandello, os espectadores deparam-se com esta cena absurda: as personagens – que, obviamente, são concepções abstractas – surgem em palco, corporizadas, com vida autónoma, com história autónoma! É a “sugestão” completa... (1)

Não esqueçamos, também, que dois ou três anos depois, André Breton irá divulgar o seu “Manifesto do Surrealismo”!

3- O ROMANCE REALISTA,

ou seja, a estrutura romanesca herdada da segunda metade do século XIX

Tendo em conta a cronologia que ficou na primeira parte deste capítulo (em 34-A), vamos tentar entender um pouco melhor as inovações no campo da ARTE NARRATIVA.

Todos nós nos habituámos a uma estrutura romanesca que foi herança do

romance da segunda metade do século XIX, ou seja, a estrutura romanesca do Romance Realista. Este era muito fácil de seguir, pois observava uma TÉCNICA NARRATIVA “linear”:

Regra geral, a história era contada por um “narrador” – uma entidade imaginária que SABIA... TUDO sobre cada uma das PERSONAGENS, sobre os LOCAIS onde elas se movimentavam, sobre a ÉPOCA em que viviam, sobre as suas ORIGENS familiares e sociais, sobre o modo e o MEIO AMBIENTE em que tinham crescido, as suas MOTIVAÇÕES ou Preocupações, boas ou más INTENÇÕES, todos os seus PENSAMENTOS e todos os seus COMPORTAMENTOS...

Esse narrador imaginário, EXTERIOR à ACÇÃO do romance, de TUDO informava os leitores: era o que se chama um NARRADOR OMNISCIENTE;

Assim, para pôr em prática essa TÉCNICA NARRATIVA:

1- Havia uma INTRODUÇÃO que nos informava sobre:

= o ambiente natural, com as suas paisagens – quer campesinas, quer urbanas;

= as personagens, cada qual com as suas características físicas e psicológicas;

2- Seguia-se o desenrolar da história – o DESENVOLVIMENTO...

O “desenvolvimento” era a consequência “lógica”... das considerações surgidas no capítulo introdutório. Assim, a história ia avançando numa SEQUÊNCIA DE EPISÓDIOS onde apareciam os problemas que envolviam, ou submergiam, cada personagem, e que cada uma delas tinha que resolver...

3- Teríamos, no final, um “DESENLACE”, ou conclusão: “a solução” – esperada, ou inesperada – mais ou menos satisfatória, dos problemas vividos...

Quanto à TÉCNICA LITERÁRIA:

Do ponto de vista literário, temos o respeito pelas ESTRUTURAS FORMAIS do discurso linguístico:

A FRASE era um enunciado LÓGICO. De uma forma muito simplista, simplificando muitíssimo, temos que a Frase seguia o esquema:

Sujeito + Predicado + Complementos... directo, ...indirecto, ...circunstanciais...

Todos estes elementos eram devidamente respeitados e devidamente cuidados. Cada elemento no seu lugar: a FORMA como cada escritor utilizava este esquema básico consistia no seu ESTILO:

É por isso que dizemos que um romance de Eça de Queirós é inconfundível! Uma das características que tornaram famosa a sua escrita, diz respeito ao posicionamento do adjectivo dentro da frase, e em qualquer compêndio de história da Literatura Portuguesa, virá o famoso exemplo do “pensativo cigarro”!

Poderemos, pois, afirmar que no Romance Realista, a FORMA e o CONTEÚDO seguiam uma apresentação lógica...

4- O Romance, a partir da segunda metade do século XX:

ROMAN ENGAGÉ (romance comprometido)

e

NOUVEAU ROMAN (novo romance):

4.1= Um esboço, brevíssimo, do que foi o mundo do “Pós-Guerra”

Os anos 50 do século XX marcam o rescaldo da II Guerra e, simultaneamente, o desencadear das guerras de Libertação das colónias europeias, nomeadamente, as guerras de Libertação da Indochina e da Argélia... A década seguinte é marcada pela Guerra do Vietnam, em que os EEUU se envolveram... Em Portugal, é também no início dos anos ’60 que começam as guerras de libertação das colónias em África.

Entretanto, tal como a seguir à Guerra de 14-18 tinha surgido a euforia dos Anos Loucos, marcados pela difusão do Jazz, agora, no rescaldo da II Guerra, surgem novos estilos musicais na chamada “Cultura Popular”.

Surge o Rock and Roll (rock’n’roll) com o seu grande ídolo, Elvis Presley, nos anos ‘50; e os Beatles, com o seu estilo menos agressivo, propondo um novo gosto, mais melodioso, nos anos ’60.

Nos Estados Unidos, os anos ’60 são também a época do desencadear da luta pelos Direitos Humanos, com a luta contra a Guerra do Vietnam, com grandes nomes como Joan Baez e Bob Dilan na música, e no cinema, Jane Fonda.

Também nos EE UU dos anos 60, toma força a luta anti-racista, com Martin Luther King, na linha pacifista de Gandhi, e Malcolm X, num estilo mais inconformista... Difunde-se o gosto pelos Espirituais Negros, e o Gospel, com grandes cantoras como Marian Andersen, Mahalia Jackson, Jessye Norman...

Na passagem dos anos 50 para 60, surge grande revolução nos costumes. Para as raparigas, surge a moda dos cabelos longos, apanhados atrás em “rabo-de-cavalo”, e as saias curtas, proposta da estilista inglesa Mary Quant; e surge uma enorme renovação no vestuário feminino: o uso de calças compridas!

Quanto aos rapazes, passam a usar os cabelos mais compridos, tomando como modelo os Beatles.

Na Política:

A primeira metade do século XX vê a difusão do ideal comunista. Primeiro, tendo como modelo a Revolução Russa de 1917. Mas depois, vendo-se a evolução do Estalinismo, no mundo “ocidental” desenvolveram-se conceitos mais ajustados ao ideal ambicionado de um mundo mais justo para todas as camadas sociais – o “socialismo”. Em França, tem lugar a famosa revolta de “Maio de ‘68’, que Sartre caracteriza como “a primeira revolução do século XX”, pois agregou as forças contestatárias de Estudantes e de Operários.

Um filme que na época tentava interpretar a “inquietação” da Juventude, numa busca de um mundo mais “verdadeiro”, é o filme francês, de 1961, “Les Nouveaux Aristocrates” (os novos aristocratas), de Francis Rigaud. O filme mostrava o drama de um jovem dos seus 18 anos, estudante num colégio católico, um adolescente que perdeu a fé e se sentia desajustado perante um mundo frívolo e materialista.

***

Tentei dar uma brevíssima ideia que nos ajude a compreender como surgiram as duas grandes propostas para a renovação da técnica do ROMANCE, na segunda metade do século XX:.

Por um lado, temos a proposta de Jean-Paul Sarte: o ROMAN ENGAGÉ, o “romance comprometido”. Sartre propõe que a história se “comprometa” com a “denúncia” das iniquidades e injustiças.

Por outro lado, temos o NOUVEAU ROMAN, o “novo romance”, defendendo que a história vale por si, pois “a história é feita por palavras” e estas é que contam... Foi muito importante o pensamento de Alain Robbe-Grillett.

4.2- O Romance “engagé” ou literatura COMPROMETIDA:

Darei como exemplos:

Quanto ao Teatro: Temos o teatro de Jean-Paul Sartre, ou de Albert Camus.

E temos também, entre outros, o teatro extraordinário de Samuel Backett.

Quanto ao Romance:

Para mim, dentre os romancistas que conheço, o grande representante desta corrente é Albert Camus...

Em PORTUGAL:

Temos uma proposta neste âmbito do empenhamento social, denominada de NEO REALISMO.

Porquê, uma literatura de “empenhamento”, de “denúncia”? Não esqueçamos que Portugal vivia sob a Ditadura de Salazar, que praticava uma política de exploração dos camponeses, dos pescadores, e dos trabalhadores fabris... Houve escritores que conheceram bem essas realidades, e que se comoveram contra as suas consequências... Mas esse “compromisso” não lhes retirou grandeza artística, nem grandeza na análise psicológica das personagens...

Aqui, temos autores como ALVES REDOL, ou SOEIRO PEREIRA GOMES... Deste último, considero inesquecível o romance “Esteiros”, onde o autor conta as dificuldades dos “filhos dos homens que nunca foram meninos”. Ou ainda JOSÉ RODRIGUES MIGUÉIS, que teve que optar por se exilar...

4.3- O NOUVEAU ROMAN: Há escritores que propõem que a atenção do escritor deverá incidir sobre o “material” que utiliza na sua criação: a palavra!

Eu conhecia autores do NOUVEAU ROMAN, como MARGUERITE DURAS, que muito aprecio. Em Portugal, temos MARIA JUDITE DE CARVALHO, que aderiu a esta técnica, e que igualmente muito aprecio.

Mas considerei que seria pouco para poder falar sobre o NOUVEAU ROMAN, e procurei na livraria, nomes notáveis desta corrente...

Só consegui uma tradução da obra “Le Vent” (O Vento), de CLAUDE SIMON, que eu nunca tinha lido. CLAUDE SIMON foi contemplado com o Prémio Nobel de 1985, por lhe ser reconhecido o seu valor como “renovador da frase”.

Mas sem querer, de modo algum, influenciar quem quer que leia este artigo, confesso que detestei esta escrita... Esta “renovação da frase” que o júri do Nobel apreciou, traduz-se, a meu ver, numa leitura fatigante... Aliás, procurei no YouTube, entrevistas com este autor, e verifiquei (com alívio) que qualquer dos entrevistadores se mostrava incomodado com a “frase”, de Claude Simon...

Na narrativa = romance “animado” = filme (no cinema):

Temos a proposta de realizadores como François Truffaut, Alain-Robbe-Grillet, Claude Chabrol... Trata-se da NOUVELLE VAGUE (a Nova Vaga).

Quanto à narrativa teatral, temos em Samuel Beckett uma expressão da vida sem Esperança que caracterizou os autores do pós-guerra, os autores do nosso Tempo... Beckett dizia que uma vez, no hospital, ele ouvia os gritos desesperados de alguém que sofria, e que era esse sofrimento que ele pretendia interpretar... São famosas, por exemplo, as suas peças “À espera de Godot”, ou “Os dias felizes”... E na sua época ainda não se falava de alterações climáticas...

Como autores representativos do NOUVEAU ROMAN, em geral são indicados os seguintes:

Os franceses Nathalie Sarraute, Claude Simon, Robbe Grillet, Marguerite Duras… O dramaturgo irlandês Samuel Beckett

Entretanto, se me é permitida uma opinião pessoal, enquanto admiro Marguerite Duras, a sua escrita angustiada, que nos transmite a dor dos desencontros, quer no romance quer na escrita dramática (o teatro); não aderi à escrita de Claude Simon... No entanto, foi-lhe atribuído o Prémio Nobel, pela “renovação da frase”... Comecei a ler “O Vento”... e nem sequer consegui chegar a meio...

4.4- “Nouveau roman” é “Anti-roman”

O filósofo Jean-Pierre Faye diz que o “nouveau roman” é “anti-roman”.

Esta designação “anti” não exprime uma noção de contestação; apenas demarca a diferença entre dois modelos de escrita romanesca.

“Anti-romance” apenas quererá significar que este romance é “diferente” daquilo que anteriormente se considerava ser o PADRÃO para a narrativa romanesca. Assim, o modelo proposto por autores como Robbe-Grillet é “diferente” do que se praticava até então; pode, pois, ser considerado como ANTI-ROMAN. A estrutura do ANTI-ROMAN é diferente da estrutura do romance que decorria “certo”, dentro das normas fixadas pela narrativa herdada de Balzac ou Flaubert, ou Stendhal...

Por outro lado, o “nouveau-roman” é ainda o contrário do “romance comprometido (“roman engagé”) que Jean-Paul Sartre preconizava...

5 - O "Realismo Magico"

Igualmente em meados do séc XX, surge uma outra corrente literária, mas essa nascendo sobretudo na América Latina: Ficou conhecida como "Realismo Mágico"

Sobre ela, farei um capítulo em separado: será o capítulo 21 - A.

6- Conclusão:

6.1-

Segundo tenho observado, a característica que mais choca os leitores, actualmente, é a “falta de pontuação”, ou seja, a frase muito extensa, por vezes “demasiado extensa”.

No entanto, há várias outras características, ou marcas, que identificam a ficção narrativa contemporânea.

= Já vimos que se propunha uma “recusa” da personagem coerente, uma “recusa” do narrador omnisciente, uma “recusa” da pontuação (e portanto, da frase) formalmente lógica;

= Também se “recusa” uma “intriga”, pois havendo vários narradores, os pontos de vista da narrativa serão diversos... É o que eu chamaria de “intriga caleidoscópio”...

= Ao contrário do que acontecia com o Romance Realista, agora, com o Nouveau Roman, não se manifesta a pretensão de “reproduzir” o “real”...

6.2-

A minha conclusão, muito pessoal:

Renovar, inovar... A necessidade de renovação é uma expressão do próprio instinto de sobrevivência, da nossa vitalidade! O ser humano tem manifestado essa necessidade de renovação desde que existe! Se não tivesse havido essa necessidade de renovação... certamente ainda hoje viveríamos na Idade da Pedra!

Mas renovar de tal modo que não fique nada... Digo isto a propósito da escrita de Claude Simon... Ele cuida de tal modo a “forma”, que perturba a capacidade de comunicação que todos procuramos através da Arte. Na minha perspectiva, ele afasta-se desse tal “afecto” que nos prende à leitura, de que falava Harold Bloom...

A Arte existe para ser usufruída. É por isso que a Arte é Comunicação! Aproxima-nos uns dos outros, esclarece o mais profundo da natureza humana! Põe-nos em contacto uns com os outros, e connosco próprios!

Procuramos novos rumos? Sim, com certeza! Mas sem destruir o elo que nos une...

Na secção “Análise de Obras”, já deixei alguns apontamentos sobre autores portugueses contemporâneos, actualíssimos, que escrevem segundo uma estética “actual”, “contemporânea”, mas que não quebram esse elo de atracção e sedução que são os pressupostos da leitura romanesca – António Lobo Antunes, Rosa Lobato de Faria. Do mesmo modo, o mesmo acontece com James Baldwin, que também figura nessa secção. São exemplos de uma escrita actualizada – sem no entanto serem alheios à realidade humana das suas personagens. Ou seja: o ESTILO não se interpõe entre a ESCRITA e o LEITOR.

Entretanto, estou a ler um romance de um jovem autor português, Bruno Vieira Amaral, que foi revelação do Prémio José Saramago em 2015. Ele pratica uma escrita “actual, contemporânea”; mas que é uma escrita que mantém vivo o interesse e a adesão dos seus leitores!

Do mesmo modo, a obra do poeta brasileiro Renato de Mattos Motta, que também figura nos meus apontamentos em “Análise de obras”, e que há poucos dias recebeu o reconhecimento de um primeiro prémio, é um exemplo de uma escrita “actual, moderna”, que aborda um tema humanamente importante, e que é extremamente cativante!

Por fim, interessa referir que também se preconiza que o romance deverá ter "Mistério, Crime, Sexo"... Quanto a mim, esta proposta traduz-se numa "receita" que limita o Romance ao estilo 'Romance Policial'... Talvez este tipo de criação romanesca se ajuste, e corresponda, ao clima altamente violento da sociedade estado-unidense... Mas parece-me muito limitativo...

Prefiro lembrar uma apreciação do Professor Fidelino de Figueiredo (1888-1967), hispanista, historiador e crítico literário português, que definiu que uma grande obra celebra o Amor e a Força, a Justiça e a Luta, e o contraste violento, íntimo e externo, entre todos esses elementos.

Agora, ao terminar, tenho presente um grande livro – uma grande obra, do escritor e poeta François Cheng, nascido na China (1929), e naturalizado francês, que em 2003 publicou "L'éternité n'est pas de trop" (2). Digo sem hesitação que de todas as obras que já li – e têm sido muitas, muitas mesmo – é a história mais bela, mais extraordinária, mais realista e pungente, e simultaneamente mais poética, que eu conheço. E, no entanto, este Poeta não segue modas, nem modelos... E é essa independência, essa liberdade criativa, que faz as grandes obras!

Finalmente

Finalmente, terminamos, por agora, este estudo sobre as formas literárias que se impuseram no após Segunda Guerra, em meados do século XX.

Este tema exigiu-me bastante pesquisa, pois apresentar uma dissertação, mesmo que breve e sem pretensões, exige tempo para colher informação o mais actualizada possível.

O texto que aqui fica, poderá ser uma achega de apoio a Estudantes. Ou a leitores que não tenham formação específica em “Letras”...

No entanto, ficam de fora dois temas:

O Realismo Mágico, e o Romance Picaresco.

O Romance Picaresco - que se desenvolveu a partir do século XVI. - Será um tema que abordarei mais tarde,

quando me for oportuno...

O Realismo Mágico - que se desenvolveu a partir de meados do século XX - e será abordado no próximo capítulo 21-A, conforme já deixei indicado acima.

*** *** ***

Por agora, termino,

DESEJANDO A TODOS OS MEUS LEITORES e LEITORAS

UM NATAL MUITO FELIZ

e

uma ENTRADA em 2022 cheia de esperança, e confiantes de que 2022 nos vai ser um ano muito mais favorável!

NOTAS:

(1) - Sobre Luigi Pirandello:

https://www.youtube.com/watch?v=jPCH_zhJGRY

Poderá ver esta peça, “Seis Personagens em Busca de Um Autor”, aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=NrImBjxS6dw

Ou aqui:

Videoaula realizada por Álisson Galvão, Allex Demourier e Thiago Aguiar para a cadeira de História do teatro, contando um pouco sobre a peça e o seu autor. Cenas da peça: Celina Bebianno.

https://www.youtube.com/watch?v=jPCH_zhJGRY

(2) François Cheng - L'éternité n'est pas de trop" - Tradução portuguesa, na editora Bisâncio , Lisboa, 2003 - "A Eternidade não é de mais"

LEITURAS COMPLEMENTARES::

= Tudo isto está muito bem sintetizado no artigo da Wikipedia

https://pt.wikipedia.org/wiki/Nouveau_roman

= Encontrei, também, esta síntese:

“ Le roman au XXème siècle ”

http://philo-lettres.fr/litterature-francaise/litterature-francaise-20e-siecle/roman-xxeme-siecle/

= Sobre o texto narrativo, poderá ver:

https://www.todamateria.com.br/texto-narrativo/

= Muito INTERESSANTE é esta lista: “Os 100 livros do século”

https://pt.wikipedia.org/wiki/Os_100_livros_do_s%C3%A9culo_XX_segundo_Le_Monde

“ Os 100 livros do século é uma lista de livros considerados como os cem melhores do século XX, compilada na primavera de 1999 através de uma sondagem promovida pela empresa francesa de distribuição de bens culturais Fnac e pelo jornal parisiense Le Monde. “

E ainda:

= Sobre as relações sociais, e familiares, nas sociedades europeias do século XIX, será muito interessante a leitura da colectânea de contos:

“Histórias de Amor Eterno” – Antologia de contos vitorianos – Selecção de Cláudia Ribeiro

Planeta Editora, Lisboa, 2010

ISBN: 978-972-731-279-5

= Sobre a evolução do ROMANCE no século XIX – o chamado “romance burguês” – será muito interessante a leitura do Prefácio, da autoria da jornalista e crítica literária alemã Elke Heidenreich, da obra:

“Mulheres Que Escrevem Vivem Perigosamente”, de Stefan Bollmann

QUETZAL Editores, 2007

ISBN: 978-972-564-707-3

= Sobre o romance a partir da segunda metade do século XX, será muito interessante a leitura atenta de “ A Arte do Romance”, de Milan Kundera:

No final da Terceira Parte, Milan Kundera define o Modernismo da segunda metade do século XX como “MODERNISMO CATEDRÁTICO, universitário”

Na “Quarta Parte – Conversa sobre a arte da composição” – Milan Kundera, não só romancista como também professor universitário, fala novamente sobre o NOUVEAU ROMAN (pág 108) e dá a sua definição de ‘romance’, na página seguinte.

“A Arte do Romance – Ensaio”, Milan Kundera

Tradução portuguesa:

D.QUIXOTE – 1ª edição: 1988

3º edição: 2017

ISBN: 978-972-20-6221-3

Myriam

18 de Dezembro de 2021

Myriam Jubilot de Carvalho
Enviado por Myriam Jubilot de Carvalho em 18/12/2021
Reeditado em 17/08/2023
Código do texto: T7410046
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