17.A - Algumas das grandes inovações nas CIÊNCIAS e nas ARTES da primeira metade do século XX

Na sequência dos capítulos 33, e 33.1, tenho estado a tentar desenvolver o tema do “Romance Contemporâneo”.

Mas pensei que para termos uma compreensão abrangente da evolução da técnica da escrita romanesca, seria conveniente termos uma visão de conjunto do que foi a produção científica, e artística, da primeira metade do século XX. E digo “a primeira metade”, porque penso que a técnica que se pratica actualmente, deriva muito das inovações estéticas verificadas ao longo da primeira metade do século que passou...

Para compreender as inovações do século XX, é preciso termos em conta duas grandes vertentes:

= Uma, a grande violência que foram as duas guerras mundiais... Seguidas das guerras, não menos violentas, de libertação dos países e povos colonizados... (1)

= Outra, o grande desenvolvimento técnico (tecnológico)... que tendo produzido grande regozijo por ter facilitado a vida quotidiana com transportes, tecnologia industrial, e tecnologias domésticas, se verifica que tem, ou poderá vir a ter, graves consequências para a sobrevivência saudável do próprio Planeta...

Assim, veremos que houve grandes propostas – científicas, e artísticas – que tiveram o efeito, umas vezes mais imediato, outras vezes, diferido, de revolucionarem a técnica narrativa.

Para contribuir para essa compreensão, elaborei esta série cronológica que apresento abaixo. Não pretendo de modo algum ser exaustiva... e mesmo que pretendesse, não o conseguiria! Apenas fui recordando muitas leituras, filmes, exposições, e mesmo memórias, e organizando a informação que vou recolhendo. No entanto, faltam aqui muitos nomes... muitas figuras ilustres e influentes, do mundo da Música, da Filosofia, das Artes, e sobretudo, da Ciência...

No entanto, espero que este trabalho seja útil. Continuo sempre a imaginar que os meus destinatários preferenciais sejam estudantes... A partir daqui, será certamente mais fácil para os estudantes de Artes, Filosofia, Literatura, ou História, estudantes que porventura não tenham apoio em casa, organizarem os seus conhecimentos. É sempre para esse público o meu maior cuidado.

Então, aqui fica o resultado do serão de hoje:

1901-1904: o Período azul de Pablo Picasso;

1904-1906: o Período Rosa

1909: início do CUBISMO

“Guernica” será de 1937

Picasso: 1881-1973

1904: a firma Odéon lança os primeiros 'discos' de dupla face, com rotações por

minuto que podiam ser de 74, 78, 80, 84...

1906: os irmãos Pathé lançam os seus primeiros discos

Com o início da Guerra de 1914-18, surgirão as “phono-valises”, destinadas a

animar os soldados que se encontram nas frentes de combate, o “Front”;

são os “gramofones das trincheiras”.

1905: Publicações de Albert Einstein sobre o Espaço-Tempo

Einstein: 1879-1955

1905 - o FAUVISMO, nova expressão na Arte, com Henri Matisse

Há mesmo quem diga que Matisse é tão importante como Picasso.

Matisse: 1869-1954

1905: “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, de Sigmund Freud (1856-1939)

1909: o empresário artístico russo, Sergei Diaghilev, funda os Ballets Russes,

companhia de bailado que proporcionou a formação de bailarinos

e coreógrafos famosos

1910: “O Pássaro de Fogo” de Igor Stravinski

1913: “Sagração da Primavera”

Stravinski: 1882-1971

1912 - Por volta de 1912, tem início a indústria cinematográfica de Hollywood.

Tem assim início a época do Cinema Mudo – os filmes ainda não tinham

reprodução do som. Com a guerra de 1914-18, a indústria europeia

de cinema foi arrasada.

1913: “Du côté de chez Swann”, o primeiro romance do que viria a ser a obra

“À la recherche du temps perdu”, de Marcel Proust.

Proust: 1871-1022

1914-1918 - É o período trágico da Primeira Guerra Mundial

1914 - Tem início a carreira de Charles Chaplin, o famoso Charlot

O “filme mudo” tinha a vantagem de ser entendido por todo o tipo

de público, desde o público americano, até ao público de imigrantes:

a imagem bastava.

1915: “A Metamorfose”, de Kranz Kafka: a única obra de Kafka publicada em sua

vida.

Kafka: 1883-1924

1915: publicação do primeiro número da revista ORFEU, adepta do

FUTURISMO, cuja figura principal é Fernando Pessoa

Pessoa: 1888-1935

1916: início do movimento DADA, com Tristan Tzara (1896-1963)

O grupo DADA propõe uma desintegração da expressão verbal

(desintegração da Linguagem) como reacção ao absurdo de

destruição da Guerra.

1919-1929: Cinema impressionista francês

1919: início da carreira do realizador alemão Fritz Lang (1890-1976)

1920: cinema alemão: o EXPRESSIONISMO

Anos 20: os chamados Anos Loucos; divulga-se a música de JAZZ

1920: Arnold Schönberg começa a afirmar uma nova técnica de

composição musical, o DODECAFONISMO

Schönberg: 1874-1951

1920: início da carreira do pintor surrealista espanhol, Salvador Dalí

Dalí: 1904-1989

1921: “Seis Personagens em Busca de um Autor”, do dramaturgo

Luigi Pirandello, precursor do “Teatro do Absurdo”

Pirandello era amigo de Einstein

Pirandello: 1867-1936

1922: Em Chicago, o trompetista Louis Armastrong grava o seu primeiro disco

de Jazz, ao estilo de New Orleans.

1922: “Ulysses”, de James Joyce

Joyce: 1882-1941

1922: “A Fábrica de Absoluto”, de Karel Čapek

Karel Čapek: 1890-1938

1923: começa a carreira do realizador russo Serguei Eisenstein (1898-1948)

1924: MANIFESTO DO SURREALISMO, por André Breton

Breton: 1896-1966

1925: “Mrs. Dalloway”, de Virginia Woolf

“Um quarto que seja seu”, ensaio, será de 1929

Virginia Woolf: 1882-1941

1925 : "The Torrents of Spring (As Torrentes da Primavera), primeira obra de

Ernest Hemingway - romancista e contista:

"A Farewell to Arms" ("Adeus às Armas") inspirado na sua participação

na I Guerra, será de 1929;

"For Whom the Bell Tolls" (Por Quem os Sinos Dobram), inspirado na

sua participação na Guerra de Espanha, será de 1940.

"The Old Man and the Sea" (O Velho e o Mar) - Prémio Pulitzer -

será de 1952.

No fim da Seg. Guerra Mundial, instalou-se em Cuba; era amigo de

Fidel Castro.

A produção literária de Hemingway abrange romance, conto, e

não-ficção, e estender-se-á até ao seu trágico fim.

Hemingway foi Prémio Nobel da Literatura em 1954.

Ernest Hemingway: 1899-1961

1928: o realizador espanhol Luis Buñuel, apresenta o filme “Um Cão Andaluz, co-dirigido por Salvador Dali

“Las Hurdes” (Terra sem Pão) será de 1933

Luis Buñuel: 1900-1983

1929: “Contos”, de Samuel Beckett, um dos escritores essenciais do Teatro do Absurdo, mas também autor de contos e

textos breves

“À Espera de Godot” será de 1948 (mas só será publicado em ’52)

Beckett: 1906-1989

1929: “O Som e a Fúria”, de William Faulkner - grande inovador dos processos romanescos

Faulkner- 1987-1962

1929: "A Taça de Ouro", marca o início da obra de John Steinbeck

"Pastagens do Céu" (contos), é de 1932

"A Um Deus desconhecido" (1933)

"Ratos e Homens" - 1937

"As Vinhas da Ira" - 1939

"A Leste do Paraíso" - 1952

"O Inverno do Nosso descontentamento" 1961

Foi Prémio Nobel em 1962

John Steinbeck: 1902-1968

Finais dos anos ’20: desenvolvimento da TSF (Telefonia Sem Fios); do cinema falado; dos primeiros “pick-up” eléctricos (ou

gira-discos eléctricos)

Anos 30: tornam-se populares os filmes históricos, ou bíblicos, e os filmes de gangsters

1930: o escultor italiano Alberto Giacometti adere ao movimento Surrealista

As suas esguias figuras humanas exprimem um grande desânimo e solidão.

Alberto Giacometti: 1901-1966

1932: “Brave New World”, de Aldous Huxley

Huxley: 1894-1963

1933-1975: São os anos terríveis da Ditadura de Oliveira Salazar, em Portugal, o chamado "Estado Novo".

1934: Máximo Gorki, escritor russo, no Primeiro Congresso dos Escritores Soviéticos, lança a ideia de um REALISMO SOCIAL:

A ideia difunde-se: dará origem à corrente do NEO-REALISMO.

A partir daqui, e até aos anos 50... há NEO-REALISMO em Itália, França, Portugal, Brasil... – no Romance, nas Artes, no Teatro, no Cinema...

Em Portugal, Escritores e Artistas que aderem a esta estética, são perseguidos pela Censura de Salazar.

1936-1939: São os anos terríveis da Guerra Civil de Espanha, com a vitória dos "Falangistas" , do general Francisco Franco apoiado pela Alemanha nazi e a Itália fascista, sobre a Frente Popular, que reunia os sectores populares democráticos e de esquerda, que recebia apoios da União Soviética e das Brigadas Internacionais , formadas por voluntários, operários e intelectuais de Esquerda de outros países.

Estas duas ditaduras, na Península Ibérica, apoiaram-se mutuamente. Tiveram grande conivência da Igreja Católica dessas décadas.

1937- "O Avesso e o Direito", ensaio, de Albert Camus, filósofo , romancista e dramaturgo

Importante trilogia, os romances: 1942- "L'Étranger" (O Estrangeiro); 1947- "La Peste" (A Peste); e 1956- "La Chute" (A

Queda).

Igualmente dramaturgo, da corrente "Teatro do Absurdo: "Caligula", tem uma primeira versão em 1938.

Filosofia: 1942: "Le Mythe de Sisyphe" (O Mito de Sísifo); 1951: "L'Homme révolté" (O Homem revoltado)

Camus: 1913.-1960

1938: Início da carreira literária do escritor argentino Júlio Cortazar (1914-1984)

1938 - “La Nausée”, (A Náusea), de Jean-Paul Sartre

“L´Être et le Néant” (O Ser e o Nada), será de 1943

“LÉxistencialisme est un humanisme” (O Existencialismo é um Humanismo), é o registo de uma conferência, em 1945

Sartre defendia que a Literatura deve comprometer-se com as causas que defendem a Humanidade; defendia o que em

Português, podemos traduzir por "romance comprometido (le roman engagé)" , ou "Literatura Comprometida

(Littérature Engagée)".

Sartre: 1905-1980

1939-1945: é o período trágico da Segunda Guerra Mundial

1939-1975: Em Espanha, é a longa ditadura de Fr. Franco.

1939: dois filmes que fizeram história:

“O Mágico de Oz”

“E tudo o Vento Levou”

1939 - “Tropismes”, romance «inovador», de Nathalie Sarraute

“L’Ère du Soupçon”, ensaio, será de 1956

N. Sarraute:1900-1999)

1941: Orson Welles filma “Citizen Kane”

Orson Welles introduziu inovações na arte/técnica de filmar, nomeadamente, “plongé” e “contra-plongé”, e a narrativa

não-linear (como se viria a verificar, igualmente, no romance)

Orson Welles: 1915-1985

1942: “La familia de Pascual Duarte”, de Camilo José Cela

1984: “Mazurca para dois mortos”

C.J.Cela: 1916-2002

1943: começa a carreira do realizador Michelangelo Antonioni (1912-2007)

1945: começa a carreira do realizador sueco Ingmar Bergman (1918-2007)

1945: “Animal Farm” (A Quinta dos Animais), de George Orwell

“Nineteen Eighty-Four”(traduzido sob o título de “1984”) será de 1949

Orwell: 1903-1950

1946: “Le Tricheur”, de Claude Simon

Claude Simon foi Prémio Nobel da Literatura em 1985

1945 /47: Começam a surgir obras literárias que relatam e denunciam o que foram os Campos de Concentração nazis.

É a chamada LITERATURA do HOLOCAUSTO (Holocausto, ou Shoah):

Alguns Escritores que sofreram o Holocausto (ou Shoah): e dele dão

testemunho

Primo Levi: “Se isto é um homem” (em 1947)

Elie Wiesel: “A Noite” (1958)

Jorge Semprún: “A grande viagem” (1963)

Imre Kertész: “Sem destino” (a tradução: 1975); Kaddish pour l'enfant qui

ne naîtra pas (“Oração fúnebre” pela Criança que não vai nascer)

O poeta Paul Célan (publica de 1948 em diante...)

Anos ’50: Surgem os “gira-discos”, que suplantam os “gramofones”.

1950: “Un barrage contre le Pacifique”: de Marguerite Duras, que também foi dramaturga e realizadora de cinema

“Moderato cantabile”, romance, será de 1958

“Hiroshima mon amour” (Hiroshima meu amor), filme, será de 1960

Marguerite Duras: 1914-1999

1950: Teatro do Absurdo

1950: Começa o reconhecimento internacional do realizador cinematográfico japonês Akira Kurosawa (1910-1998)

1950: começa igualmente a carreira do realizador italiano Federico Fellini (1920-1993).

1953: Estreia do filme “A Túnica”, que utilizava uma nova técnica de filmagem, o CinemaScope, proporcionando uma maior

amplitude da imagem.

1953: “Les Gommes”: de Alain Robbe-Grillet , que também foi realizador de cinema; o filme “L' Année dernière à Marienbad”

(O ano passado em Marienbad) é de 1961

O ensaio “Pour un Nouveau Roman” será de 1963

Robbe-Grillet: 1922-2008

1955: Tem início a carreira do realizador cinematográfico François Truffaut (1932-1984)

1957: “The Birthday Party” (Festa de aniversário), marca o início da carreira de dramaturgo do inglês Harold Pinter, grande

renovador do teatro moderno. Também autor de textos em prosa, e em poesia. Em vida, foi considerado um autor

“incómodo”

Harold Pinter: 1930-2008

1957: “Justine” é o primeiro da série “Quarteto de Alexandria” de Lawrence Durrell. Seguir-se-ão, em 1958: “Balthazar” e

“Mountolive”; e em 1960 “Clea”

Estes quatro romances contam todos eles a mesma história, com as mesmas personagens; mas em cada um dos

romances, o narrador é uma delas, pelo que as perspectivas da narrativa são forçosamente diferentes... E só a última terá

a chave dos encontros e desencontros do enredo...

Lawrence Durrell: 1912-1990

1958: tem início a carreira cinematográfica do realizador cinematográfico Claude Chabrol (1930-2010), frequentemente

considerado o iniciador da “Nouvelle Vague”, que pretendia fugir à influência do “filme comercial”; propunha-se os

“filmes de autor”

1959: “Tanta gente, Mariana” é a primeira colectânea de contos de Maria Judite de Carvalho, escritora portuguesa que

escreveu numa estética próxima ao Nouveau Roman

“Os armários vazios” será de 1966

Mª Judite de Carvalho: 1921-1998

1962: “A Obra Aberta”, ensaio de Umberto Eco, que propõe um modelo teórico para se compreender a arte contemporânea

O seu famoso romance "O Nome da Rosa" é de 1980

Umberto Eco: 1932-2016

1980 - “Levantado do Chão”; 1982- “Memorial do Convento”

1991 - “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”; 1995 - “Ensaio Sobre A Cegueira”, de José Saramago (1922-2010)

Prémio Nobel em 1998

* * * Entretanto, em 1960, surgem novas propostas para a escrita romanesca, com a associação OULIPO.

A terminar,

assinalamos estas grandes datas, conquistas do século XX -

a segunda, por sinal, e estranhamente, bem tardia...

O DIREITO de VOTO, às MULHERES:

Reconhecida como berço do feminismo e da luta pela universalização dos direitos civis, a França foi um dos primeiros países no mundo a instaurar o sufrágio universal masculino. Apesar disso, foi um dos últimos da Europa onde mulheres passaram a participar da escolha dos representantes políticos. Já no Brasil, elas votam há mais de 80 anos. (...)

Em 29 de abril de 1945, elas participaram das primeiras eleições municipais do pós-guerra. (...)

O voto das mulheres virou realidade na França muitos anos depois que muitas europeias já votavam.

No Reino Unido, as mulheres obtiveram o direito de voto em 1928;

na Suécia, em 1921;

na Alemanha, em 1918;

na Dinamarca e na Islândia, em 1915.

Já as finlandesas podem votar desde 1906.

https://www.rfi.fr/br/franca/20150429-franca-celebra-70-anos-do-direito-de-voto-das-mulheres

Abolição da Pena de Morte, em França:

apenas em 1981, como resultado da grande luta do ministro da Justiça, de então, ROBERT BADINTER

A França comemorou hoje no Panteão Nacional em Paris, os 40 anos da promulgação da abolição da pena de morte no seu território. Na presença de cerca de duzentos convidados, entre os quais Robert Badinter, antigo ministro francês da justiça que fez votar a abolição da pena de morte em 1981, o Presidente francês Emmanuel Macron anunciou que a França vai relançar o combate pela abolição universal.

https://www.rfi.fr/pt/fran%C3%A7a/20211009-comemora%C3%A7%C3%A3o-dos-40-anos-da-aboli%C3%A7%C3%A3o-da-pena-de-morte-em-fran%C3%A7a

****

(1) - Sobre as lutas dos povos colonizados, e, consequentemente, guerras, para alcançarem a libertação em relação aos países colonizadores europeus, fiz um breve apontamento, na introdução ao artigo sobre a obra “Os Cus de Judas” – de António Lobo Antunes; figura na secção Análise de Obras.

____

Myriam

6 de Dezembro de 2021

Em 12 deste mesmo mês, acrescentei a referência à Literatura do Holocausto, e a referência ao Neo-Realismo.

Myriam Jubilot de Carvalho
Enviado por Myriam Jubilot de Carvalho em 06/12/2021
Reeditado em 22/05/2022
Código do texto: T7400878
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.