Literatura e reflexão
A par da função lúdica, a literatura deve contribuir com a expansão das fronteiras da percepção
Tasso Assunção*
Além da função lúdica, a poesia deve exercer um papel filosófico, ao contribuir com a expansão das fronteiras da percepção, conduzindo, sobretudo, ao autoconhecimento, essencial à compreensão existencial
Literatura é arte. Grosso modo, a arte de escrever. O ato de escrever pode ser, no entanto, atividade meramente técnica ou se revestir de emotividade e do emprego de oscilações semânticas e sintáticas como recursos de enriquecimento da linguagem. Por isso, distingue-se entre a arte de escrever (sobre o que se vê) e "a arte de escrever com arte" (sobre o que se sente).
Define-se, em suma, a redação como o ato de descobrir e organizar ideias. Em se tratando de poesia, especialmente (em verso ou prosa), a disposição das palavras, frases, sons, ritmos, correlações e juízos deve se constituir de tal forma que se torne apta a "despertar uma emoção estética", o chamado "sentimento do belo" – encantamento ante algo que impressiona e atrai.
A expressão literária encerra, além disso (como é natural, visto que consiste na utilização notadamente conotativa do idioma), uma mensagem verbal que transcende a função meramente objetiva e proporciona a expressão de uma realidade latente, com o fim de transformar o mundo, ou pelo menos uma fração dele, o que não deixará de produzir efeitos, numa reação em cadeia.
Precipuamente, essa transformação deve se dar no âmbito de ao menos alguma tentativa de alargar as fronteiras da percepção, aspecto pelo qual a escrita se confunde com a filosofia, de forma que pode tratar do amor (romântico ou cósmico), da paixão, da alegria, da tristeza, do significado da existência, da morte, enfim, de todos os temas que envolvem a natureza humana.
Nessa perspectiva, fica clara a necessidade de formação técnica e prática, para redigir, e literária e cultural, para alcançar a universalidade (o conjunto de conhecimentos) indispensável ao posicionamento lúcido ante a vida e o mundo e essencial ao impulso da autossuperação, matéria-prima fundamental assim do escritor ou poeta como do cientista ou filósofo.
Tudo isso, não só como pressuposto do exercício da função de artista ou pensador, mas também de um fim, que é a compreensão do universo e suas múltiplas relações, com vistas ao equilíbrio individual e coletivo e, por conseguinte, da própria arte, sem prejuízo das idiossincrasias de cada agente da cultura, de sua conformação ideológica, sua condição social e seu estilo.
Enfim, além da função lúdica, a literatura deve exercer um papel filosófico, ao contribuir com a expansão das fronteiras da percepção, conduzindo, sobretudo, ao autoconhecimento, essencial à compreensão, assim de si mesmo como da existência e do universo, e ao equilíbrio necessário à formação de seres humanos plenos e à construção de um mundo em que reine a paz.
*Tasso Assunção é escritor e consultor em produção textual; membro fundador da Academia Imperatrizense de Letras - AIL.