13.2- Primavera – uma descrição excepcional

Aqui na Europa, no mês de Março, começa a Primavera. É para mim a época mais bela do ano, e o mês de Março o mais bonito.

Por isso, para celebrar este renascer da Natureza, estes maravilhosos dias de Sol, faço uma interrupção nos temas que estávamos tratando, e vou incluir um excerto da obra “Ana Karenina”, de Leon Tolstoi.

Este excerto é, para mim, a mais bela DESCRIÇÃO da Primavera que conheço:

Poesia em Prosa, assim se poderá considerar este excerto de “Ana Karenina”.

Adoro esta descrição da Primavera. Aqui, Tolstoi junta de tal modo um tal cúmulo de pormenores que a cena assume, para nós, leitores, uma dimensão cinematográfica.

Esta descrição apresenta-nos a paisagem em DIFERENTES PLANOS:

Talvez até pudéssemos dizer que no texto que transcrevo abaixo, há uma "hierarquia dos seres vivos"!

O Autor - transfigurado em NARRADOR OBSERVADOR - vai-nos apresentando os diferentes elementos da paisagem de forma progressiva:

Assim, este NARRADOR-OBSERVADOR apresenta-nos a paisagem como se tivesse com ele uma câmara cinematográfica.

Ou diríamos melhor assim:

Muitas vezes, os REALIZADORES, nos seus filmes, utilizam este processo de APRESENTAÇÃO da paisagem, procedendo num MOVIMENTO de APROXIMAÇÃO PROGRESSIVA - ou "CRESCENDO" - e vão-nos mostrando, devagarinho, os elementos físicos que vão acompanhar as personagens no decurso da "acção".

NESTE TEXTO, diremos que o OBSERVADOR-NARRADOR – ou seja, a câmara – desdobra-se de elemento em elemento, num plano cada vez mais aproximado, que desenrola perante o LEITOR-ESPECTADOR a variedade maravilhosa da paisagem russa.

Transfigurado pela Arte de Tolstoi, este ‘CRESCENDO’ apresenta-nos:

- em primeiro lugar, o mundo vegetal, mudo, embora fervilhante,

- depois, o mundo animal, mais buliçoso,

- finalmente, o mundo humano.

Então, no mundo humano, também há uma "hierarquia de valores":

O mundo humano começa pela inocência das crianças. Esta inocência confere-lhes a força que as torna resistentes ao desconforto do seu pobre vestuário;

Depois, vem o mundo das mulheres. Tolstoi mostra como as cabeças das mulheres, pouco cultivadas – pois são pouco ou nada escolarizadas – se desempenham das suas tarefas no meio das conversas barulhentas e inconsequentes.

Finalmente, vem o mundo dos homens. Embora igualmente pouco escolarizados, os homens desempenham as tarefas que exigem o uso de força física, na solenidade do silêncio.

Nós, os LEITORES-ESPECTADORES, "vemos" como estes três mundos, o vegetal, o animal, e o humano, fazem igualmente parte da mesma paisagem, parte da mesma Natureza.

TOLSTOI assume aqui uma unidade que nos torna a todos, IGUAIS, e é nesse nivelamento que todos os elementos apresentados encontram por igual a mesma dignidade.

* * *

Faço NOTAR que o texto original não tem parágrafos.

Mas aqui, vou permitir-me 'abrir parágrafos'. PORQUÊ?

– Porque há um detalhe para o qual, até agora, não chamei a atenção, mas que neste texto é evidente, e que é a ORGANIZAÇÃO do RACIOCÍNIO:

É bom prestar atenção ao modo como TOLSTOI apresenta cada assunto por si:

Ele não mistura os níveis da paisagem! Ele apresenta cada elemento por si. E vai progredindo do elemento mais pequeno para o maior - quer em tamanho, quer em importância e capacidades de intervenção na escala da Vida.

Por outro lado, observamos como na mentalidade própria do século XIX é o HOMEM que está no topo da "escala dos valores".

É como se Tolstoi nos dissesse:

"OK, somos todos iguais. Todos temos a mesma dignidade, eu sou dessa opinião. Mas os homens, pela sua força física, são mais fortes."

No nosso mundo actual, sabemos que não é só a força física que conta! Conta a força da INTELIGÊNCIA, a força da CULTURA.

Por isso que o ENSINO deve ser igual para todos. Todos nós, HOMENS e MULHERES, podemos e devemos dar o nosso melhor à SOCIEDADE, seja pela Força Física, seja pela actuação da nossa INTELIGÊNCIA CULTA.

No entanto, não nos precipitemos em tirar conclusões apressadamente:

Quem ler o romance, na íntegra, verá que a FILOSOFIA de TOLSTOI é muito mais complexa do que o que aqui se mostra. Este é apenas um pequeno excerto, muito belo, muito importante... mas não mostra a totalidade do pensamento deste notável Autor.

***

Chamo ainda a atenção dos nossos Estudantes, para o pormenor que eles certamente, já notaram:

Este excerto é um exemplo excelente de DESCRIÇÃO. A este propósito, poderão recordar o capítulo 13-1.

SEGUE-SE o EXCERTO, que foi retirado da obra:

" Ana Karenina " na edição da editora Europa-América, 2003;

Tradução de João Netto

Texto actualizado, anotado e corrigido por Maria Ivanovna Miklaia

p 165

“O bom tempo custava a chegar.

Um céu claro e glacial acompanhou as últimas semanas da Quaresma. Se o sol provocava, durante o dia, um certo degelo, durante a noite o termómetro descia a sete graus e a geada formava sobre a neve uma crosta tão dura, que já não havia estradas praticáveis.

O Domingo de Páscoa foi todo ele de nevões. Mas no dia seguinte, repentinamente, pôs-se a soprar um vento quente, as nuvens acumularam-se, e durante três dias e três noites, caiu uma chuva morna e tempestuosa.

Na quinta-feira, o vento deixou de soprar e um nevoeiro cinzento espesso estendia-se sobre a terra como para esconder os mistérios que a essa hora se estavam a realizar na Natureza: a chuva, o degelo, o estalar dos blocos de gelo, o desabar das torrentes espumosas e amarelentas.

Finalmente, na segunda-feira de Pascoela, já à noitinha, o nevoeiro dissipou-se, as nuvens diluíram-se em flocos brancos e o bom tempo chegou finalmente.

No dia seguinte pela manhã, um sol resplandecente acabou de derreter a fina capa de gelo que se formara durante a noite e o ar morno impregnou-se dos vapores que subiam da terra. A erva velha ganhou imediatamente tons verdes, a erva nova despontou no solo, os rebentos dos viburnos, das groselheiras, das bétulas encheram-se de seiva e sobre os ramos dos vimes, banhados de luz, as abelhas, abandonando os seus quartéis de Inverno, zumbiram alegremente.

Invisíveis cotovias soltaram o seu canto por cima do veludo dos prados e das choupanas cobertas de gelo, os pavoncinhos gemeram nas concavidades e nos pântanos submersos pelas chuvas torrenciais. Os grous e os gansos bravos vararam o céu com os seus guinchos primaveris. As vacas, cujo pelo irregular apresentava, aqui e ali, grandes peladas, mugiram nos pastos. Em volta das ovelhas balantes que começavam a perder o pêlo, os cabritos saltitavam, canhestros.

Ao longo dos atalhos húmidos corriam os garotos, que deixavam no chão o desenho dos seus pés nus.

Em torno dos tanques, ouvia-se a algaraviada das mulheres a lavar a roupa, enquanto repercutia por todos os lados o machado dos mujiques reparando sebes e arados.

A Primavera chegara realmente.”

INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR:

Quem foi Leon Tolstoi

e

informação sobre a sua obra:

https://www.ebiografia.com/leon_tolstoi/

Myriam

Março 2021

Myriam Jubilot de Carvalho
Enviado por Myriam Jubilot de Carvalho em 26/03/2021
Reeditado em 22/05/2022
Código do texto: T7216303
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