12.1- Os MODOS verbais. A Magia do PRETÉRITO IMPERFEITO do Modo Indicativo.
I – Os Modos Verbais
Após esta necessária interrupção das férias do Natal e Ano Bom, e desejando a todo o Mundo um óptimo ano de 2021, estamos aptos a continuar as nossas conversas sobre Teoria Literária – ou, se preferirmos, a nossa Introdução à Teoria Literária.
E tal como começámos, continuamos a dirigir-nos sobretudo a ESTUDANTES, organizando as matérias de forma progressiva e sistemática.
Então, retomando a matéria onde tínhamos ficado no capítulo anterior, vimos que as palavras que nos proporcionam falar das ACÇÕES – são os VERBOS.
Os VERBOS são palavras gramaticais extremamente versáteis:
pois permitem-nos falar tanto da REALIDADE vivida e presenciada, como dos nossos DESEJOS e ASPIRAÇÕES, como de HIPÓTESES sujeitas a CONDIÇÕES...
ASSIM:
= Para falarmos da REALIDADE vivida e presenciada: usamos o MODO INDICATIVO:
Exemplo 1:
Neste momento, eu ESCREVO para Vocês, pois PASSEI umas férias óptimas, embora geladas, enquanto Vocês se DELICIAVAM no calor do Verão!
= Para falarmos dos nossos DESEJOS e ASPIRAÇÕES: usamos o MODO CONJUNTIVO:
Exemplo 2.1:
Se eu PUDESSE, se não FOSSE agora o vírus... eu iria passar uns dias ao Rio de Janeiro...
= Para formularmos HIPÓTESES sujeitas a CONDIÇÕES, usamos o MODO CONDICIONAL:
Exemplo 2.2:
Se eu pudesse, se não fosse agora o vírus... eu IRIA passar uns dias ao Rio de Janeiro...
= Finalmente, para enunciarmos apenas a ACÇÃO: usamos o MODO INFINITIVO: Exemplo 2.3:
Se eu pudesse, se não fosse agora o vírus... eu iria PASSAR uns dias ao Rio de Janeiro...
Espero que estes três exemplos nos permitam ter entendido a diferença entre os Modos Indicativo, Conjuntivo e Condicional.
Propositadamente, usei o mesmo exemplo em 2.1, 2.2, e 2.3, para se ver como as palavras se encadeiam umas nas outras, e como umas exigem a FORMA de outras!
Pois, do ponto de vista gramatical, as palavras são muito exigentes – mas também, muito expressivas, pois articulam-se umas com as outras de forma a proporcionarem-nos diferentes significados!
II – No título deste artigo, inscrevemos:
A MAGIA do PRETÉRITO IMPERFEITO do modo Indicativo.
Ora bem, só poderemos apreender essa “magia” se OPUSERMOS o Pretérito Imperfeito ao Pretérito Perfeito! Só sentindo a diferença entre um e o outro é que nos entenderemos!
Assim, recordemos o que já dissemos sobre um e outro no capítulo 12:
Para esse efeito, vamos tomar como exemplo, uma breve passagem da obra MADAME BOVARY, de Gustave Flaubert (1821-1880):
Na edição da Biblioteca VISÃO (Lisboa, 2000), na página 10, podemos ler esta passagem aparentemente divertida, mas que mostra a crueldade com que por vezes certos adolescentes, quando em grupo, se sentem fortes e por isso tratam com crueldade colegas fragilizados por se verem deslocados e sozinhos...
Claro que vamos assinalar as formas do PRETÉRITO PERFEITO com aspas, e as do PRETÉRITO IMPERFEITO com maiúsculas:
"" – Levante-se – “disse” o professor.
“Levantou-se”; o barrete “caiu”. Toda a classe “desatou” a rir.
“Abaixou-se” para o apanhar. O colega do lado “voltou” a fazê-lo cair com uma cotovelada e o rapaz “apanhou-o” novamente.
– Deixe lá o boné – “disse” o professor.
“Houve” uma gargalhada geral dos alunos que “desconcertou” o pobre rapaz, de modo que não SABIA se DEVIA conservar o barrete na mão, deixá-lo no chão ou enfiá-lo na cabeça. ""
Talvez agora seja mais evidente a diferença entre estas duas formas verbais:
Comparemos o sentido das formas
“disse”
“Levantou-se”
“caiu”
“desatou”
“Abaixou-se”
“voltou”
“apanhou-o”
“Houve”
“desconcertou”
Com o sentido das formas
SABIA
DEVIA
Há uma diferença considerável!
As formas “disse” – “Levantou-se” - “caiu” – etc... mostram-nos uma ACÇÃO PONTUAL: aconteceu naquele momento, naquele momento único!
As formas – SABIA – DEVIA – mostram-nos uma acção indefinida, uma coisa que estava a acontecer mas não se concluiu, uma acção que se prolongava na sensibilidade desta vítima AO MESMO TEMPO que os colegas o ridicularizavam...
Por hoje, concluiremos assim:
Modo INDICATIVO: apresenta o facto de um modo real, certo, positivo.
O Modo Indicativo apresenta a ACÇÃO ...
...no Tempo Presente: eu falo, eu penso, eu escrevo, eu saio, eu vou (à praia).
...no Tempo Pretérito (ou PASSADO):
Quando enunciamos uma ACÇÃO que ficou completa, uma acção pontual: escolhemos o Pretérito PERFEITO;
Quando enunciamos uma ACÇÃO que se PROLONGA no tempo, em SIMULTÂNEO com outra: escolhemos o Pretérito IMPERFEITO.
Ainda na mesma edição de MADAME BOVARY, na página 158, podemos ler esta passagem que nos faz sentir toda a magia da noite e o seu efeito a repercutir-se PROLONGADAMENTE sobre a sensibilidade do par apaixonado:
"" As estrelas BRILHAVAM por entre os ramos dos jasmineiros sem folhas. OUVIAM, por trás, o rio a correr e, de quando em quando, o estalar dos juncos secos. Aqui e além, na escuridão, AVOLUMAVAM-se maciços de sombra, que, por vezes, estremecendo todos num único movimento, se ERGUIAM e INCLINAVAM como imensas vagas negras que avançassem para os envolver. O frio da noite FAZIA-os estreitarem-se mais; os suspiros que se lhes SOLTAVAM dos lábios PARECIAM-lhes mais intensos; os olhos, que ambos mal PODIAM ver, PARECIAM-lhes maiores e, no meio do silêncio, HAVIA palavras ditas em sussurro que lhes CAÍAM na alma com uma sonoridade cristalina e ali se REPERCUTIAM em vibrações múltiplas. ""
BRILHAVAM
OUVIAM
AVOLUMAVAM
ERGUIAM
INCLINAVAM
SOLTAVAM
PARECIAM
PODIAM
PARECIAM
HAVIA
CAÍAM
REPERCUTIAM
..E aqui temos as FORMAS mágicas do PRETÉRITO IMPERFEITO, a sugerir-nos UM MOMENTO delicioso que parecia eterno, com o seu doce efeito sobre o par formado por Madame Bovary e o seu falso apaixonado, AO MESMO TEMPO que contemplavam as estrelas.
***
INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR:
"Madame Bovary", a obra mais conhecida de Gustave Flaubert, foi publicada pela primeira vez em 1857. É uma obra que marcou a história da literatura francesa e, portanto, da literatura europeia.
Sobre Gustave FLAUBERT:
Pode ler a sua biografia em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Gustave_Flaubert
Dissertação sobre "Madame Bovary"
""EMMA BOVARY: entre livros e romances""
LINK:
https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/23082/1/MilaThaynaSuassunaFernandes_DISSERT.pdf
© Myriam Jubilot de Carvalho
2021