ANÁLISE DO CONTO "A MENINA DE LÁ", DE JOÃO GUIMARÃES ROSA
O conto é todo doçura, todo afetividade. A primeira coisa a chamar a atenção é que o título “A menina de lá” coloca o acontecimento longe mas, já na primeira linha, o nome do lugar aproxima do narrador, como vai depois aproximar do leitor essa menina: Serra do Mim, esse mim, pronome, liga o acontecimento ao narrador, mas onde o narrador? Liga só pela ternura?
O apelido da menina a descreve. Nhinhinha, é mais que pequena, é aquele pequeno-grande no afeto, o pequeno-grande de importância; e vê-se a menina, pequena, miúda, quieta e agigantada no seu Dom de ser especial.
Seu comportamento marca, suas histórias tocam e principalmente nos toca a profundidade da última; “ou da precisão de se fazer lista da coisas todas que no dia por dia a gente vem perdendo. Só a pura vida.”
Nhinhinha, a menina tão quieta, a menina que “fazia vácuos”, que podia docemente ralhar com o pai, com a mãe, e que não era repreendida porque era suasibilíssima, ( de suasório = persuasivo (?) de suave, que é o que a palavra sugere?) inábil como uma flor. Só ao final desse parágrafo o narrador se personaliza, e o faz com a mesma palavra, a palavra que nomeia o lugar onde, ou atrás de onde, ficava a casa da menina: “E Nhinhinha gostava de mim.” E o conversar do narrador com a menina é o que ela dizia, e “no escorregar do tempo” o narrador é primeira pessoa, é mais perto de Nhinhinha, ele a toca, ele é tocado pela afetividade dela, mas é breve, breve o toque como breve o tempo da vida da criança, como pequena a própria criança. E o mim “Nunca mais vi Nhinhinha.”
Fica sabendo que a menina começou a fazer milagres e se some novamente na terceira pessoa, sem dar ao leitor nenhuma certeza de quem era, de que ligação tinha com a menina e com sua família; era um irmão? Era um conhecido que vez ou outra visitava a família? Ou é o Mim, o lugar atrás de onde Nhinhinha vivia, o criador e possuidor principal da doçura desse anjo? Ou ele é simplesmente mais um que, como eu e como cada leitor, foi breve e profundamente tocado pela criança pequena e frágil de doçura?
A morte de Nhinhinha é descrita de forma tão rápida que surpreende embora previsível: “E, vai, Nhinhinha adoeceu e morreu.” e parece que na última frase, ele explica um tanto dessa morte tão repentina: “Todos os vivos atos se passam longe demais.”, e por se passarem longe, quando chegam é como notícia, e a notícia é breve, não entra em detalhes, não dá o dia-a-dia de uma dor com culminância em morte.
E a dor que vem depois justifica mais essa rapidez, e a morte é repentina e a dor é “um de-repente enorme” como definir de outra forma esse travar de forças?
E o caixãozinho que ela queria era cor-de-rosa com verde funebrilhos, teria porque o quis e tudo ela tinha como queria porque era Santa Nhinhinha, a santa a quem o leitor, terminada a leitura do conto, dedica um minuto de silêncio contrito e um pensamento que não se torna palavra mas que, se pudesse fazê-lo, seria outro conto de amor.