Tigrela / Herbarium SINTESE
Tigrela – Uma mulher oculta narra em 1ª Pessoa e em discurso indireto, a conversa que teve com a amiga Romana que encontra por acaso num bar. A narradora nos traça breve biografia de Romana deixando a imagem de uma mulher já com alguma história de vida. Hoje, alguém inquieta e nervosa, solitária e carente passando por uma depressão após seus cinco casamentos e... talvez, naquele momento, a perda de alguém que lhe é muito querido.
Conta que de seu último namorado ganhara um filhote de tigre, Tigrela, a quem se apega criando desde a mamadeira até as jóias e presentes dados como se o bicho fosse uma mulher e amante, com quem, durante esses últimos anos, convive numa cobertura com todo o conforto possível.
Num jogo ambíguo, a narrativa vai gradativamente humanizando as ações e o relacionamento de Tigrela com Romana. Da mulher com o animal, para a mulher com a mulher. Após algum tempo de paixão Gostava de uísque, essa Tigrela, mas sabia beber, era contida (...) E Romana sorriu quando se lembrou do bicho dando cambalhota rolando pelos móveis (...) e aí dançamos um tango juntas, foi atroz.
Romana confessa que a relação está desgastada e insuportável, sugerindo que ambas se desejam mortas. Olhares carregados, vinganças e mais recente uma violenta crise de ciúmes quando Romana reata com um “ex” seu No fim quis se atirar do parapeito ao terraço, que nem gente, igual. Igual, (...) Estranhei, Yasbeck tinha ficado de telefonar e não telefonou, mandou bilhete (...) fui ver e então encontrei o fio completamente moído, as marcas dos dentes em toda a extensão do plástico. Não disse mas senti que ela me observava (...) ficamos desconfiadas mais ainda assim, está me entendendo? (...).
Muito nervosa, Romana deixa transparecer por mais de uma vez, a vontade de saber a Tigrela morta em suicídio pulando do terraço. Ultimamente isso já era uma esperança. E naquela noite em especial Romana parecia ter uma certeza maior de que finalmente receberia a notícia da morte de Tigrela quando chegasse em casa Volto tremendo para o apartamento porque nunca sei se o porteiro vem ou não vem me avisar que de algum terraço se atirou uma jovem nua, com um colar de âmbar enrolado no pescoço.
A autora consegue uma ambigüidade fantástica nesse conto já a partir do título com o nome: Tigrela, que pode ser a união do anima tigre mais o pronome feminino ela, além da capacidade de escolher as palavras adequadamente a comporem as imagens cinematográficas da narrativa.
O conto pode ser visto sob o viés da literatura fantástica, bem como da simples metáfora de um caso de amor.
Herbarium – Em sensível narrativa, esse conto nos traz uma pequena história contada, em 1ª Pessoa, por uma menina, criança à beira da adolescência, que descobre a paixão num primo doente e mais velho que vem ficar alguns dias em sua casa.
Não se sabe a causa da doença do primo. Sabe-se que ele é estudioso das plantas e está frequentemente apanhando folhas para seu herbanário Todas as manhãs eu pegava o cesto e me embrenhava no bosque, tremendo inteira de paixão quando descobria alguma folha rara (...) ele tinha em casa um herbanário com quase duas mil espécies de plantas (...).
A menina narradora, desconcertada e apaixonada pelo primo, passa a coletar várias amostras e faz de tudo para impressioná-lo. Deixa de roer as unhas e passa, infantilmente, a ocupar-se somente da presença do primo, mudando algumas atitudes e comportamentos que até então não importavam. A convite do próprio primo aceita ser uma espécie de assistente dando asas à sua paixão e imaginação, até que vem a notícia da partida do rapaz O chamado era urgente, teriam que voltar nessa tarde. Sentia muito perder tão devota ajudante, mas um dia quem sabe? (...).
Triste e sem graça, a menina tenta encobrir seus sentimentos que, a cada passo desengonçado, ficam mais evidentes. Chateada com a notícia da partida e mais a chegada de uma moça que veio buscar o primo, nossa narradora acha uma rara folha que pensa em ocultar do primo só por birra Estendi-lhe o cesto, mas ao invés de segurar o cesto, segurou meu pulso: eu estava escondendo alguma coisa, não estava? (...) Enfiei a mão no bolso e apertei a folha, intacta a umidade pegajosa da ponta aguda, onde se concentravam as nódoas vermelhas. Ele esperava. Eu quis então arrancar a toalha de crochê da mesinha, cobrir com ela a cabeça e fazer micagem, hi hi! hu hu! Até vê-lo rir pelos buracos da malha, quis pular da escada e sair correndo em ziguezague até o córrego, me vi atirando a foice na água, que sumisse na correnteza! Fui levantando a cabeça. Ele continuava esperando, e então? No fundo da sala, a moça também esperava numa névoa de ouro, tinha rompido o sol. Encarei-o pela última vez, sem remorso, quer mesmo? Entreguei-lhe a folha.