5 obras dolorosamente belas
Há livros que doem, isso eu já falei em outro post. Livros que sabem onde a ferida está e nos provocam. Uns provocam jogando na nossa cara a nossa "miséria" e outros criam empatia com a gente e a gente com eles. É falar de si falando de realidades ficcionais. (Gostei de desse oximoro).
Eles doem. Mas é uma dor diferente. Uma dor que vem com um fundo de contentamento por essa dor. É como um prazer em estar triste. Contraditório, não? Mas quem não é? Parece que a tristeza tem algo de poético e isso nos contagia.
Por isso hoje lhes trago 5 livros que têm uma beleza dolorosa e que valem muito a pena serem lidos.
5. Nada - Carmen Laforet
Romance de estreia da escritora espanhola/catalã, o livro narra a vida de Andrea durante o ano em que ela viveu com os familiares na rua Aribau em Barcelona. Rua Aribau é inclusive o nome de um livro de poemas belíssimo feito por diversas autoras. Todo escrito em primeira pessoa, a autora nos brinda com imagens e ações belíssimas, mas carregados de um cansaço, de um tédio quase niilista… é como se sentir um nada em uma casa onde você é uma ninguém, apesar de ser família; o nada de ser pobre em uma sociedade elitista… o nada dos sonhos…
Mas não é no social que Carmen Laforet te pega, é na tua alma. As dores de Andrea são dores de uma solidão e insegurança que faz com que a gente queira ir lá e abraça-la… e esse abraço vem na figura da personagem Ena.
Outro ponto alto do romance é que nele não há vilões ou heróis. Só seres humanos e por todos eles nós sentimos empatia, mesmo os mais conflituosos. Román é um personagem memorável. LEIAM!
4. Quarto de despejo - Carolina Maria de Jesus
Dizer que Carolina Maria de Jesus é uma grande escritora chega a ser redundante. E o é porque até ela mesma sabia do impacto que sua obra causaria e não se poupou a dizer isso em alto e bom tom, como é possível ver em muitas partes do livro. Porém, é uma pena que muitas pessoas se limitem a olhar para Carolina Maria de Jesus como "uma escritora favelada" e só.
Não. Ao ler sua obra não percebemos apenas relatos fortes da favela do Canindé, vemos uma mulher sensível que cria imagens belíssimas e que sabe tirar da condição em que estava metáforas que nos tocam. Por exemplo: querer catar o céu para fazer um vestido. E mais, vemos alguém que levava a escrita à sério, pois era uma forma de projetar sua voz ao mundo. E que bom que essa voz se fez ouvir! Mesmo sendo escrito no final dos anos 50, suas questões ainda são bem atuais e tem uma representatividade fortíssima. Dolorida, mas bela!
3. Como água para chocolates - Laura Esquivel
Um dos livros mais próximos de uma experiência mágica. Laura Esquivel consegue te brindar com personagens inesquecíveis e com um olhar sobre a sociedade mexicana do início dos século XX a partir da perspectiva de uma mulher que não poderia se casar. O enredo gira em torno da culinária e cada capítulo começa com uma receita. Mas não pensem que é só isso… os ingredientes personificam não só estágios da vida de Tita, mas sentimentos, conflitos, traições.
Veja esse trecho:
"Algumas vezes, chorava sem motivo algum, como quando Nacha cortava cebolas, mas já que ambas conheciam a causa daquelas lágrimas, não davam muita atenção. Faziam disso uma fonte de diversão, de modo que, durante a infância, Tita não fazia distinção entre lágrimas de alegria e de tristeza. Para ela, rir era uma forma de chorar."
E é essa sensibilidade que nos encanta. E ainda dá vontade de provar as receitas.
2. Memorial do convento - José Saramago
Eu pus esse, mas poderia pôr qualquer outro de José Saramago. O primeiro Nobel em língua portuguesa não se escusa de fazer comentários ácidos sobre o gênero humano, além de ter um senso de humor pra lá de peculiar e um estilo de escrita inigualável. Porém nem só de ironia vive o homem, mas de poesia e de afetos. E Saramago coloca isso nos personagens Baltasar e Blimunda. A simbiose entre os dois é tão linda, tão íntima que a gente não carece de ouvir um "eu te amo" entre os dois. E de fato eles nunca se declaram, mas precisa?
E as "vontades" que fizeram a passarola voar? E a busca de Blimunda por toda Portugal? Quer coisa pra doer como aquilo? O final simplesmente belíssimo… leiam.
1. O fim do homem soviético - Svetlana Alexievitch
Svetlana é alguém que com certeza eu quero conversar um dia. Porque o exercício de escuta que ela faz nesse livro é uma coisa de doido. Com seu gravador ligado e apenas anotando, ela capta as dores das pessoas e vai mais além, vai na sua alma.
Lidar com os traumas da URSS e a transição para a Rússia "democrática" foi uma experiência que marcou o fim de uma era e o fim de muitos sonhos. Esses soviéticos tiveram suas vidas marcadas pela URSS e quando veio o fim, foi como se eles se inadequassem a esse mundo novo.
" A URSS acabou, mas nós ficamos"
O problema é que essas vozes anônimas são impactadas pela sua "irrelevância" histórica e os conflitos humanos não serão registrados nos manuais. E foi isso que a autora quis sanar. O livro dói. O livro tem hora que incomoda. Joga na nossa cara que o fim das ideologias ou é a alienação, ou é o desencanto.
Enfim, um clássico.
Menção honrosa:
Sobrevivendo no inferno - Racionais MC's
"Vim pra sabotar seu raciocínio
Vim pra abalar seu sistema nervoso e sanguíneo"
Sim. Esse album entrou na lista de obras literárias a serem estudadas. Ganhou tese de doutorado e tudo.
O album tem imagens fortíssimas, letras agressivas. Um ritmo repetitivo e uma voz revoltada.
Filhos da periferia de SP, os Racionais não se omitem a denunciar o genocídio de populações negras no Brasil. A letra de Capítulo 4, versículo 6 faz isso explicitamente. O disco segue a estrutura de um culto e no centro aparece a música Diário de um detento, que denuncia o massacre do Carandiru.
Nada no disco é confortável. E essa é a intenção. Ele veio pra incomodar e pra dar voz àqueles que quase sempre "são só números". E é isso que o torna belo.