5 livros que valem a pena enfrentar

Vamos partir do pressuposto de que toda leitura é válida - porque cá entre nós, tem umas que só é perda de tempo. Entretanto sabemos que há livros que demandam do leitor um pouco mais de carinho e paciência, seja pela linguagem rebuscada, seja pela história não te "pegar" ou quaisquer outros motivos. Ou seja, são obras que te convidam a desistir.

Acontece que você é brasileiro, não desiste. Vai. Enfrenta o tranco e chega no final você sai com uma sensação de recompensa genuína do tipo: E não é o que esse trem é bão mesmo, sô!!! E aí pronto: posta citação no insta, obriga amigo a ler, conversa no bar… enfim.

Dito isto, separei 5 leituras que me deram essa sensação.

5. Os Sertões - Euclides da Cunha

Quero começar com ele porque eu tentei ler 7 vezes e desisti, só conseguindo concluir na oitava vez. sabe que não é lá uma leitura muito agradável. Não somente isso, além dessa linguagem extremamente rebuscada, o livro é lento, é RACISTA - um dos livros mais racistas que já li, e a gente só "compreende" devido à época em que foi escrito - etc.

Porém, ultrapassadas essas camadas, percebemos que Euclides te brinda com imagens fortíssimas e belas da paisagem sertaneja - a descrição do relevo como a "ossatura exposta de um gigante" -, metáforas pra lá de ricas como a do Hércules-Quasímodo, o "argumento incontestável da bala" e uma crítica social ácida à primeira república. E não somente isso, a simbiose entre cenário, personagens e tragédia nos dá uma visão amplíssima e empática daquele crime que foi a Guerra de Canudos.

Sim, Os Sertões é uma denúncia. Tem seus erros, mas é uma denúncia que vale a pena.

4. Grande Sertão: veredas. - Guimarães Rosa

Todo mundo que te recomenda essa obra descreve que a linguagem é mágica, uma narrativa estonteante, frases pra lá de poéticas e uma dimensão da alma humana como poucos. E isso é verdade. Mas uma coisa é o que os outros dizem e outra coisa é quando tu vai enfrentar a obra. Porque a narrativa, além de longuérrima, não obedece as estruturas tradicionais do romance. É um longo monólogo em primeira pessoa que não tem divisão em capítulos, com parágrafos confusos, cheio de neologismos e um personagem que a todo momento vai e volta no tempo, se enrola, desconversa. E pra você acompanhar esse ritmo é difícil.

Acontece que de repente a prosa te pega e você parece que tá lá conversando com Riobaldo na rede enquanto dona Otacília traz um dedinho de café e ele vai contando os causos da vida dele. Aí ele te fala de Diadorim, de Joca Ramiro, dos sentimentos dele, do pacto com o Capiroto… e assim vai… quando termina o livro, a sensação é de uma vida que a gente viveu… mas cuidado: viver é muito perigoso.

3. Dom Quixote - Cervantes

Esse é o meu livro favorito pra sempre. Eu AMO D. Quixote. Meu Deus, que livro!!! Mas eu sei que ele também tem suas dificuldades, principalmente porque as traduções que chegam ao grande público são com uma linguagem antiga e por vezes enfadonha. O texto também usa de metáforas muito localizadas temporal e geograficamente, que às vezes confundem o leitor. Mas pera lá…

Não demora muito pra você ser enredado não. Pensa que o pobre do fidalgo acha que todo lugar é um cenário de Game of thrones (perdoem o anacronismo… eu sei que o correto seria Amadis, mas me dá uma colher de chá, vai), e vai parar em uma bodega achando que é um castelo e é ordenado cavaleiro por um sujeito pra lá de salafrário acompanhado por cuidadores de porcos e prostitutas… só pra começar. E ainda tem a aventura dos moinhos de vento, a novela do curioso impertinente, Maritornes… só pega a visão, truta!

Cervantes te zoa o tempo todo e zoa também a sociedade ao redor. Até o plagiador dele ele tira sarro. Leia!!! Vale muito a pena.

2. Sandman - Neil Gaiman

Mas, Tiago… gibi!!! Sim, meus amores. Uma HQ. Acho que já deu tempo da gente encarar esses gênero com uma seriedade literária e parar de achar que é só coisa de criança ou resumir todo esse universo à Marvel/DC - que tem autores como Allan Moore e Frank Miller. etc. Neil Gaiman é um autor já consagrado com livros como Coraline, Deuses americanos, A bela e a adormecida, além de contos e aulas de escrita criativa. Ou seja, o cara manja muito!

Em Sandman nós temos nada mais, nada menos do que um CLÁSSICO. O personagem Morpheus não é só o deus do sonho, ele é o sonho e o sonhar… sendo assim, sua própria natureza é etérea e difusa, o que permite uma poeticidade muitas vezes ácida, outras delicada, mas nunca vazia. A HQ original tem 75 volumes recheados de vários arcos e histórias entre-arcos que são maravilhosas… o conto da princesa Nada é lindo. Cada arco é recheado de debates bem filosoficos, cheios de sarcasmos, e alguns com críticas sociais ásperas. Estação das brumas é o meu favorito e história do imperador dos EUA é ótima.

Leia. Só digo isso.

1. A poesia de João Cabral de Melo Neto

Bom, não é um livro em específico. É o conjunto da obra e, como a maioria dos autores aqui, estou tomando por base a minha experiência enquanto leitor. Quando li João Cabral pela primeira vez, eu tinha a sensação de estar lendo algo muito diferente, porque além de não conseguir entender a mensagem, o texto me parecia insípido. Só depois de ler uma crítica literária explicando como pensava o autor é que fui ler bem e aí… apaixonei.

João Cabral é seco. É áspero. Odeia lirismo e falar de si. O poema dele é cerebral, mineral. Não desce como água, não te enleva como canção - ele odiava música inclusive. Ele mesmo dizia que queria que a poesia dele fosse como uma estrada esburacada, que pra passar de um verso a outro o sujeito tinha que penar. E o que o poema dele tem, então? Imagens e metáforas fortíssimas. A descrição que ele faz da mulher usando paisagens, como no poema Pelo telefone é riquíssima. Em O cão sem plumas, vida nos mocambos e palafitas ganha contornos vivos e agudos que chegam a doer na alma. Morte e vida severina nem tem o que falar. O personagem como arquétipo do retirante é uma das mais belas criações em língua portuguesa.

Resumindo: vale muito a pena ler. É outro Horizonte e uma vez que ele te pega, não te larga mais.

INSISTINDO

Volto a insistir no argumento de que a literatura que não se serve para nos transportar a outras visões de mundo é uma literatura vazia de sentido. Pode até ser divertida, mas passa. Não olha para nossa alma. Não constrói dentro de nós algo duradouro. Por isso os clássicos são tão importantes.

A vida é fugidia. E as experiências também. Natalia Ginzburg faz um observação muito perpicaz quando coloca o personagem Emilio de Todos os nossos ontem a dizer: "como era estranho que os olhos dos homens passassem sobre as coisas sem deixar vestígios". E o que é a literatura senão o registro desse olhar traduzido em arte? Todos os autores que citei estão mortos, mas a alma deles nos toca ainda. E é isso que é mágico, saca?

Ler autores que desafiam tornam tua alma mas profunda e nos colocam dentro da grande árvore de vida que é a existência humana.