Incômodo
A vida recebe todo tipo de inquilino. Os ilustres, os necessários, os figurantes e os esquecidos. Aos ilustres ela reserva o que pode oferecer de melhor; desde o berço, são oferecidas as melhores acomodações, os melhores sabores, os melhores prazeres, toda riqueza sem o menor esforço, e o poder de mando e desmando. Aos necessários ela oferece abrigos e possibilidades para servirem aos ilustres em sua rede de comandos. Aos figurantes, ela oferece a dificuldade de superarem obstáculos e a dependência de só encontrarem um lugar, se submeterem-se às vontades dos que usam o povo como objetos de manobra e lucro. Aos esquecidos, ela oferece os recantos onde junta os entulhos,dos quais se envergonha de exibir ao público, como nos dias de uma cidade em festa que, limpa as avenidas, dando destinos escondidos aos restos imundos, para causar boa impressão aos visitantes e convidados ilustres.
Eu sei que falar de dores pra quem não sente, é desagradável. Quem não sente, quer mais é viver o que a vida tem pra dá; o que é próprio dos apáticos, que só pensam em si. Já pra quem sente, é parecido com quem tem dor de cabeça todo dia, e ouve os outros dizerem que é apenas psicológico. Dizem que falar da dor dos excluídos, é atrair energia negativa, é deprimente, é tedioso; é baixo astral. Mas eu não consigo ver beleza na vida, quando uma grande parte da nação é tratada com diminuição do ser; como subespécie, como resto.
A dor que mais me doe, é o mar de injustiças, o desmando, o deboche, a humilhação, a agressão; o sobrepor-se do idiota maluco com os aplausos dos seus alienados, desordeiros e fãs; o puxa-saquismo, a corrupção nos três poderes... Eu penso que alguém só acha graça neste ciclo, se tem o genoma deles, ou é um filho do diabo.