O poema, em Freud
Jornada 2014:
A poética em Freud _ o sonho e o poema enquanto contextos
Eliane Accioly Fonseca
Para Ferreira Gullar, seus poemas nascem do estranhamento:
"Digo que meus poemas nascem do espanto, de algo que põe diante de mim um mundo sem explicação". Ferreira Gullar
Como psicanalistas não apenas falamos em contexto, como criamos, por exemplo, o contexto de nossa escuta. A escuta flutuante cria o contexto do que escutamos. É uma escuta estranha. A posteriori, também falaremos do contexto da sessão. E os contextos que temos com nossa escuta, por exemplo, são de estranhamento.
O sonho, o poema, a tela de um artista, o filme que assistimos. O que, ou como é o contexto do qual tanto falamos?
Antes do livro dos sonhos, em “Os primeiros estudos da histeria”, Freud já mencionava a consciência sonhadora das tecelãs: uma forma de consciência distinta de nossa consciência dita discursiva. No consultório vivemos com nosso paciente, uma forma de consciência distinta da discursiva, ou seja, distinta do que chamamos lugar comum da linguagem. Todos os contextos aos quais me referi acima, são formas de consciência expressiva, para Susanne Langer, Isaias Melsonh, outros, e eu mesma.
Um contexto se caracteriza pela presença de cada um de seus elementos, assim como das relações entre eles. Cada um dos elementos significa os outros elementos. E cada elemento é significado por todos os outros elementos. Não se trata do todo e das partes, é outra forma de compreender: por exemplo, qual o efeito que aquele contexto provoca na pessoa? Como o contexto me afeta? Se retirarmos um elemento, descaracterizamos o contexto. O que também ocorre se acrescentamos outro elemento. O ideograma é constituído pela combinação dos caracteres. Precisamos compreender o sonho e o poema como um contexto formado por signos-caracteres combinados entre si pela lei da sugestão, e pela sugestão, afetando todo o tempo uns aos outros.
Trabalho com psicanálise e arte, colocando a mão na massa: sou psicanalista, poeta e há cinco anos pinto telas. Academicamente pesquiso cotidianamente as relações entre a arte e a psicanálise. O que chamamos de contexto é uma relação muito importante entre a psicanálise e a arte. Ou um universo de relações. E eu diria entre a psicanálise e as artes, incluindo a vida.
A literatura e a poesia, no entanto, trabalham com a palavra, assim como a psicanálise. Em minhas pesquisas não trabalho com a linguística, trabalho com a poética. O ano passado, quando escrevi e apresentei a vocês o texto escrito para a Jornada de 2013, vivi um impacto, pois, com o que vivo na arte e na clínica desde 1979, ganhou um aprés-coup, uma ressignificação. Chegou para mim “Há uma poética em Freud”. Todos sabem disto, eu tb já sabia, est´[a escrito nesse livro, mas foi impactante, veio por outras vias. Me lembrei que em Cem anos de solidão, de Gabriel Garcia Marques, José Buendia revela à Úrsula e aos filhos, reunidos à sala das refeições:
_ A terra é redonda como uma laranja.
Úrsula, sensata, impaciente, cansada da lida com a sobrevivência da família, manda o marido calar a boca.
_ Hombre de diós, para de aborrecer as crianças.
O momento de José Buendia, no entanto, é o de apresentar ao outro, Úrsula e filhos, uma vivência ontológica, no encantamento de alguém que concebeu e criou o mundo. Na nossa vida somos os dois personagens, Buendia e Úrsula. Temos sonhos, temos preocupações, e na medida do possível criamos nossas vidas. No momento em que se resinificava em mim a existência da poética em Freud, era como se pela primeira vez eu soubesse disso.
O contexto do qual falamos é específico, como fala Ferreira Gullar:
"Digo que meus poemas nascem do espanto, de algo que põe diante de mim um mundo sem explicação".
Passamos a colocar as mãos no material:
Pablo Crocodilo e Helena.
O diagrama do sonho de Freud, por ele próprio.
O sonho do paciente de Ellen Sharpe.
A recriação de Haroldo de Campos _ Cummings