VERSO POPULAR NORDESTINO

1---REFLEXÕES SOBRE POESIA - Conjunto de versos não condicionado exclusivamente à forma sob o jugo da rima e da métrica, e sim ao teor de poesia nele existente. Sentido de 1922: liberar a poesia sem sacrificar a ideia. BANDEIRA, CASSIANO, DRUMMOND, MURILO, não 'arcaicos'. Dizia-se que a linguagem conotativa era mais fiel à expressão poética do que a discursiva, mais própria dos prosadores; entretanto, onde a poesia existe, não importa a forma. Não prisão a tradição ou 'novidade' literária - cordel tradicional ou modernista só depende de disposição do poeta e do ambiente. Três tipos de público apreciador: os cordelistas, os tradicionalistas (apelidados por alguns de "canastrões - sem conhecimento da técnica, mau ator) e os modernistas, em suas variadas excentricidades - ruim os pseudo-literatos, sem amor à poesia, querendo ser... poetas. Fazer adivinhações de JOÃO GRILO, contar piadas ou desenhar bonecos nunca foram suportes de poesia. Não nos comunicamos por telepatia: a PALAVRA é o veículo das mensagens. Por que tanta aversão dos jornais literários à poesia tradicional? ("Letras da Provincia", Limeira/SP, n. 196) ----- 2---MEMORANDUM - A poesia brasileira continua liderada por DRUMMOND porque nem "José" conseguiu tirar-lhe a "Pedra no caminho" e pela eterna juventude do camoniano VINÍCIUS, deus que possui o segredo da longevidade intelectual. No resto, o Brasil só possui CASTRO ALVES da poesia social e AUGUSTO DOS ANJOS, incompreendido pelo homem comum, palavriado cemiterista, difícil, espinhoso realismo. Na sociedade de consumo, o poeta é louco, xinga sozinho pela rua e a ninguém incomoda, insano mental: clássicos do passado, poemas-nacionais, lição não aprendida. O povo não entendeu as conotações do Modernismo, poesia se distanciando do povo não pode traduzir-lhe seus ideais. A mensagem independe da forma. Citando DRUMMOND ("Jornal do Brasil", set./76): Em 1913, certamente mal informados, 39 entre total de 173, elegeram por maioria relativa OLAVO BILAC príncipe dos poetas brasileiros (...) porque o título a ser concedido só podia caber a LEANDRO GOMES DE BARROS, nome desconhecido no Rio de Janeiro, local da eleição promovida pela revista "Fon-Fon", mas vastamente popular no Norte do país, onde suas obras alcançaram divulgação jamais sonhada pelo autor do "Ouvir estrelas". --- Dias depois de sua morte, em Leopoldina, dois amigos de AUGUSTO DOS ANJOS viram BILAC na rua, foram cumprimentar e comentar sobre a morte prematura do poeta. "E quem é? - perguntou BILAC. Grande poeta? Não conheço. Nunca ouvi falar........" Um dos rapazes recitou o soneto "Versos a um coveiro". BILAC: "Era este o poeta? Ah, então, fez bem em morrer. Não se perdeu grande coisa". --- O ROMANCE da nova LITERATURA BRASILEIRA surgiu da influência dos folhetos de feira, sacrilegamente chamados de "literatura de cordel", nomes como JOSÉ AMÉRICO, LINS DO REGO, GRACILIANO, JORGE, RAQUEL e o memorialista SUASSUNA. --- Poetas existem e só serão entendidos no futuro (efeito retardado), os que se esgotaram e ainda não perceberam, o que repetem com outro título o já publicado (ruminante), os que passaram e não voltarão, os que escrevem do CORDEL ao moderno, sem "residência" fixa... Pouquíssimos poetas, raros os que calçam ruas. ("SLMG", jun./77) ----- 3---O CANTADOR DE VIOLA - Em 1701, a Coroa Portuguesa legalizou a situação da criação de gado na zona canavieira, conflitos entre lavradores e criadores, proibindo por carta régia, a criação de gado a menos de 10 léguas da costa. Os trabalhadores tangerinos (homens responsáveis pela condução dos rebanhos no sertão nordestinos) eram os mesmos identificados nos festejos regionais como componentes de reisado, fandangos, cheganças, emboladores de coco, tiradores de versos de ciranda, pastoris e demais modalidades dos festejos populares. Com o advento do "ciclo do couro", outros enredos: perseguições de onças, pega de barbatões (rês bravia criada no mato), ferra do gado, apartações, transporte de boiadas. O insulamento da cultura popular do litoral, importado pelos colonizadores, gerou a modalidade de exteriorização do sentimento. Do sul, o TROPEIRO trouxe viola e juntou-se ao poeta IMPROVISADOR ("Col. Temas brasileiros", v. 4); a cidade de Queluz (hoje Conselheiro Lafaiete) chegou a possuir15 fábricas de viola, instrumento preferido de tropeiros, sempre presente nos picuás (cesto ou saco de tecido ou lona) durante a viagem. A primeira lição do aprendiz de cantador é observar o feitio das estrofes, para cada modalidade de cantoria, ordenação da métrica e rimas, daí o constante exercício para desenvolver a técnica do improviso - com o hábito de tocar na toada dos colegas, o iniciante criará sua própria toada, canto identificador do violeiro REPENTISTA (nem sempre o bom violeiro é bom repentista e vice-versa, dificilmente duas qualidades num só). Sobrevivência do cantador - não marginalização pois acompanha os fatos sociais relacionados com o desenvolvimento do seu grupo. Cangaceiros e tropeiros foram tragados pela evolução sócio-econômica, mas o cantador é veículo de COMUNICAÇÃO vinculado às exigências do meio ambiente. A MÚSICA como fixação da MENSAGEM - Cantadores expõem a mensagem musical, elemento da fixação: música, motivadora do aprendizado escolar até o ensino do "be-a-bá" e da taboada. Religiões anexam música aos versos de louvores - música e poesia nascem de um estado nobre da alma, o que comumente se chama INSPIRAÇÃO. --- INSTRUMENTO MUSICAL COMO MOTIVADOR DE IDEIA - Os trovadores da Península Ibérica acompanhavam-se com instrumentos para melhor expressar o sentimento; idem os cantadores, como seus antepassados: aedos, vates, rapsodos, menestréis, bardos... viola em punho, cantigas de bem e de maldizer, recontos de amor e de amigo, fatos do romanceiro folheteado ou improvisações sobre ocorrências, anseio de comunicar. Afora a viola que motiva a ideia de que seu toque serve para mordedura de cobra e outras crendices por causa do som, dizem que sapo solta a presa quando se bate no sino, o toque do zabumba incha barriga, o aboio do vaqueiro acalma a rês alvoroçada e chama o gado para o curral, o assobio prolongado chama o vento ou o caipora... Atualmente, a figura do cantador é imprescindível como peça de tear da literatura para aculturação do povo. Em tempos passados, os versos improvisados, sem recursos técnicos, eram decorados pela assistência, estrofes conservadas intactas a custo de muita sorte, ou versos diferentes nos livros dos folcloristas ("Peleja de Mãe d'Água com Inácio da Catingueira", MEC/IJNPS, Centro de Estudos Folclóricos, Folclore, n. 9/1976). Pensamento de muitos que, difusão do ensino mais adiantado. moderno, no interior, o cantador repentista fosse desprezado, mesmo no ensino superior não marcaram ausência.

(Segue.)

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 17/12/2019
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