O CORDEL E A COMUNICAÇÃO - FINAL

M - Já cantou em programa de rádio? / LB - Em João Pessoa, temos um programa desde 57, com o nome da gente. Eu só vou lá de três em três meses, mas Otacílio vive lá fazendo um programa de mais ou menos meia hora. Mas às vezes eu chego em João Pessoa e não vou nem na rádio, não faço o programa, que eu não gosto mesmo de rádio, porque o tempo é pouco, e o cantador quer tempo para expandir as ideias,o ambiente é fechado, não presta. Prá quem improvisa, tem que ter o ambiente, o cultivo, o calor do povo, e em rádio não tem nada disso. / M - Prefere apresentações fora, em palácios, faculdades ou aqui mesmo no mato, no sertão? / LB - Gosto de cantar em qualquer canto, quando há convite e alguma vantagem, faculdade ou uma latada, prá mim é a mesma coisa. Na questão financeira, tanto faz uma como outra. Agora, na compreensão a faculdade é melhor, porque muitas vezes o matuto só quer mesmo a voz bonita, faculdade não, lá o povo acha bonito e entende. Só isso, não é por luxo não, é por causa da compreensão. Agora, a maioria dos cantadores chega assim nesses meios adiantados e fica muito sugestionado, pensa que o povo vai exigir muita coisa dele,e que ele não sabe. Mas é o contrário, o melhor lugar prá se cantar é lugar adiantado, o povo dali quer as coisas naturais. O matuto, esse da latada que nós chamamos, pede coisas mais difíceis do que quem entende, pede geografia sem saber, quer que o cantador cante matemática. E nem entende ele, nem o cantador. / M - Mas dizem que o poeta de cordel e os da viola são quem informa o matuto das coisas que ele não tem condições para saber. / LB - É, o jornalista era quem escrevia o cordel, era quem transmitia mais é ainda, né? O cantador quando não sabe, inventa. São inteligentes por isso, inventa uma coisa parecida. porque nem ele nem o matuto entende, e dá na esma coisa. Tinha um cantador lá no Rio Grande do Norte, ele era semi-analfabeto, Domingos Cardoso, mas era bom repentista. E tinha o Francisco pequeno, lá outro cantador, que cantava muita coisa também, sabia ler, mas apanhava de Domingos no improviso, nas coisas naturais. Domingos era muito bom no repente, ganhou nome, e quado chegava um cabra que dizia: "Domingos, cante aí um bocado de geografia", aí, ficava bem calmo e dizia: "O senhor pede porque conhece muita geografia". Aí, o outro falava: "Não, num conheço não". Domingos aí respondia: "Assim, tenha paciência!, eu não canto para quem não entende, não. Vou cantar outra coisa". Mas quando era o contrário, que a pessoa dizia que tinha estudado, Domingos dizia: "O senhor tá pedindo porque já conhece". Aí, o outro falava: "Conheço sim". E Domingos então dizia; "Ah, então num vou perder meu tempo, não. Se o senhor já conhece, não precisa mais". / M - Ultimamente, tem aparecido muita gente querendo ser empresário de cantadores? / LB - Tem. Empresário é só ter a prática, a lábia prá arranjar contrato e ter a terça, quarta parte naquilo, a percentagem. É muito bom, né? Às vezes o artista é meio inibido e junta=se com o empresário. Eu mesmo não tenho empresário, não. Com essa orquestra Armorial do Recife, eu já fiz umas três viagens ao Sul. Mas aí eu vou contratado prá lá, vou livre, passagem, hotel e "x". Quem faz o contrato é Cussi de Almeida, eu ganho quatro cinco mil contos prá cantar dois dias, eu, Otacílio e Dimas. agora, o particular dele, o que ele ganha, eu não sei, não deve ser muito, né? / M - Ultimamente, tem aparecido muitos compositores "pesquisando" a arte popular, ouvindo o trabalho de artistas populares. Às vezes pegam o material e gravam como se fosse deles. O que o senhor acha disso? / LB - Quem deve tá achando é eles, né? Comigo já aconteceu muito, mas eu agora tô tomando mais cuidado, não dou mais minhas coisas de graça não, só por dinheiro. Quem já veio umas dias vezes aqui em casa foi o Quinteto Violado, Gilberto Gil também, logo depois que ele voltou de Londres, e muitos jornalistas. Mas quando eles chegam agora, u vou logo dizendo: "Eu só faço por tanto". Porque eles chegam, pegam o material, é aquele sensacionalismo, e no fim eu não ganho nada. Essa conversa da gente agora, eu não vou cogitar disso, porque pelas caras de vocês eu vi que o negócio é diferente e eu tenho consideração por isso. Vou recitar mais uns versinhos aqui do folheto prá vocês levar: "Estou velho, cansado e calvo / De vender inteligência / Emprestar experiência / Mas sem do bem ser o alvo / Inda não pude ser salvo / Das mãos do falaz destino / Padeço desde menino / Neste tão triste planeta / Descansarei na carreta / Na triste dobra do sino".

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FONTE:

"Gravar? Prá quem improvisa, tem que ter o ambiente, o cultivo, o calor do povo..." - Entrevistadores: MARCOS CIRANO SAMPAIO VERAS (nascido em São José do Egito / PE, 1952, jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco) e RICARDO DE ALMEIDA - SP, jornal semanário Movimento, março/76.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 12/12/2019
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