O CORDEL E A COMUNICAÇÃO - PARTE IV
Análise dos sistemas utilizados pelos repentistas violeiros nordestinos para levar mensagem ao povo e foco da figura de um grande poeta. ----- noite de lua cheia, amplo salão-auditório repleto em alegria e expectativa, plateia do SESC em Teresina, 1978, alguém tentou gozar a fama do violeiro, agilidade mental, capacidade de improvisar e pediu glosar o tema "...e a terra /t ou T?) caiu ao chão". (E isto é possível? Ou o desafio debochado vai virar caso gramatical de polissemia?) Só que o cantador era LOURIVAL BATISTA, apelidado "Louro do do Pajeú". Afiou a viola, deu algumas notas e cantou: "Com jeito, calma e cautela, / numa manhã bem formosa, / eu plantei um pé de rosa / no meio duma panela. / Cresceu e tornou-se bela, / desabrochou em botão. / Veio depois um furacão / e a forquilha rachou-se. / a panelinha quebrou-se / ...e a terra caiu no chão." ----- REPENTE como esse é comum no Nordeste , onde o violeiro é um dos grandes veículos de comunicação popular. Nas feiras de grandes ou pequenas cidades interioranas, sentados em toscos banquinhos de madeira, voz livre ou microfonizada, caixas de som... violeiros aceitam desafios e animam festas de padroeira, niver, casamento, período eleitoral, felicidade de boa colheita agrícola, manifestação cabocla de festejo junino... LOURIVAL BATISTA, vasto aparato tecnológico para levar sua voz lá longe e dar a mensagem ao imenso público, viola especial auxiliada pela eletricidade para dar mais "som", tradição oral reunida à modernidade. ----- Violeiro, remanescente de uma geração antiga que levava a mensagem, meados dos anos 40, usando apenas a voz, ainda sem recurso tecnológico - geração tinha vocação para o repente, improviso fácil e puro, poesia metrificada e sonorizada por um processo de inteligência. Lourival conheceu o microfone, o som. a eletrônica, o processo mecânico de emissão ampla da mensagem. Com os novos aparelhos surgidos comercialmente nos anos 50, o violeiro se abismou, interior da Paraíba, povoado longínquo, vendedor de remédio 'cura tudo', microfone ao pescoço, voz rompendo léguas nos ouvidos do povo. Sensacional descoberta! ----- - Lourival sustentou outra dimensão - três microfones em sua frente, sem precisar gritar tanto... e o som da viola parecia arrebentar as teias de aranha do teto, ele atingindo milhões de pessoas quando um dia sua poesia foi dita, a princípio tímida, depois despreocupada de limites, no vídeo de uma televisão. ----- De veiculador de mensagem poética para plateia pequena,, o vate passou a atingir os meios de comunicação de massa (mídia), cantando para um público desconhecido, aglomeração maciça. Entre as duas afirmações de BERGSON quanto ao processo criativo, Lourival Batista era ao mesmo tempo o primitivo (que transmitia a hereditariedade de uma cultura popular armazenada na "linguagem usual" dos antecessores), mas por outro lado se exprimia como o artista que atingiu um estágio de introspecção que o torna intimamente pouco ambientado , pois é com o povo que sua poesia atinge o seu grande objetivo. ----- Essa dicotomia poderá a princípio provocar um abalo na transmissão da mensagem poética, mas o fará refletir que é preciso engajar-se na nova ordem tecnológica para alcançar maior número de pessoas. ----- De poesia improvisada, falada ao público, ao folheto vendável em livrarias, bancas , mercados e butiques, processo rápido - a indústria cultural atrai com salários mais altos jornalistas e escritores, afirmação qu inclui LOURIVAL BATISTA, um talento que passará a produzir em massa, na distância do primitivismo e da inexperiência social, iniciando carreira de repentista, Como um KAFKA, poderá libertar-se da influência e da pressão, mas jamais despojar-se de sua arte, fruto talentoso, dos seus dias, O grande 'inseto' não é o processo criativo e sim a produção maciça do talento, aos poucos descaracterizando a individualização.
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LEIAM meu trabalho POLISSEMIA.
NOTA DO AUTOR:
PAJEÚ - Microrregião formada por 17 municípios no sertão de Pernambuco.
CINEMA - "Quelé do Pajeú", filme baseado em estória original de Lima Barreto: Pajeú, pernambucano, um dos líderes guerrilheiros durante a Guerra de Canudos (século XIX), direção Anselmo Duarte, 1969.
FONTE:
"O improviso nos meios de comunicação de massa", de HERCULANO MORAES, jornalista e escritor, cadeira 18 da Academia Piauiense de Letras - SP, D. O. Leitura, ano 13, n.148, set./94.
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