CANTADORES, REPENTISTAS E VIOLEIROS - PARTE IV (FINAL)
4---POESIA DO VOO - Quase obcecados pelo voo, usam de todos os recursos para elevar-se acima da terra e deslocar-se com rapidez, por maior que seja a distância: enganchados em dorso de pássaros, como João Cambadinho na última etapa de longa peregrinação em busca do Reino de Miramar, onde o aguarda uma princesa que lhe prometeu a mão; apesar de sua ignorância de pastor de rebanhos, aspira as alturas e estremece de alegria ao ver montes azuis no horizonte, que representam a luz e não a morada natural dos que podem voar. -- Não havendo pássaros de carne e de penas, os homens recorrem à habilidade dos mecânicos e voam em máquinas engenhosas, às vezes criadas há dezenas de anos por poetas semi-analfabetos, até hoje não puderam ser construídas por técnicos em aeronáutica, como o pavão de JOÃO MARTINS DE ATHAYDE, "que levantou voo da Grécia / com um rapaz corajoso / raptando uma condessa / filha de um conde orgulhoso" ("Romance do pavão misterioso"), belo pássaro de metal, forma inusitada, série de vantagens sobre aviões convencionais; movido a eletricidade, sem barulho e trepidação, desarmado com um simples toque de botão, decolava verticalmente, descia com suavidade no teto de qualquer casa, rápido como uma flecha e "voava igual ao vento / para qualquer direção". -- E se não houver aves fantásticas nem for possível construir uma de alumínio? Nem por isto o herói deixará de voar pois tudo o que necessita é de uma rica-poderosa-ardente imaginação que sempre se encarregará alegre de prover transporte para qualquer tipo de viagem; para certeza sobre a morte de Lampião, José Pacheco percorreu as sete partes do mundo, solta as asas da criatividade a fim de continuar a busca: "...atravessei os mares / montado em um elefante / que ao som duma trombeta / vinha descendo dos ares / visitando aqueles lares / terrasantos e fadas..." ("O grande debate de São Pedro com Lampião"). -- Por meios e caminhos semelhantes, JOSE CAMILO DOS SANTOS, que se apelidou "A estrela da poesia", voou até sua ilha da felicidade, o "lugar sem dor, sem pedra, sem espinho" de que nos fala o menestrel ELOMAR em seu "Cavaleiro de São Joaquim": "Dr. Mestre Pensamento / me disse um dia; - Você, / Camilo, vai visitar / o país São Saruê" - em obediência, conta o poeta que tomou "o carro da brisa" e mais tarde passou "para o carro do mormaço / o qual veloz penetrou / para além do grande espaço". Quando a noite sucede a tarde, Camilo muda mais uma vez de condução, trocando o carro do mormaço pelo de "nave fria", que o leva através dos mistérios da treva até o "romper da nova aurora", momento que coincide naturalmente com a chegada à utopia de São Saruê.
5---Poesia do MOVIMENTO, da VIAGEM e do VOO, poesia da imaginação sem trevas e sem fronteiras, poesia da liberdade, apesar de tudo que se opõe à liberdade. Presa pelas cadeias da cegueira, é certo, mas não a um rochedo imóvel e sem vida, e sim ao lombo de um cavalo fogoso, cuja marcha normal é o galope e cujo roteiro preferido é o longínquo e altíssimo Caminho de São Tiago.
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LEIAM meu trabalho Meu amiguinho "Tiago andarilho".
NOTA DO AUTOR:
*FATEIRA - Ocupação ou atividade feminina no interior da Paraíba: tratar e limpar vísceras oca e intestinos (falos) dos animais abatidos em matadouros públicos. - **PELA - Brincadeira, caçoada.
FONTE:
"O cego, a viagem, o voo", artigo de MÁRIO PONTES (Rio, 1973) - Petrópolis, Revista de Cultura Vozes, ano 68, n. 2, 1974.
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