O CORDEL - PESQUISAS ANTIGAS

Grande evento em Sampa e edições em livro comemoram o centenário da LITERATURA DE CORDEL, gênero literário que sobrevive no Nordeste - coleção com antologias de grandes cordelistas agora em livros e reedição da "História do Brasil em cordel", de MARK J. CURRAN, função de jornalista e memorialista (da guerra de Canudos até o impeachment de Collor), história não oficial pela perspectiva dos poetas populares; duas exposições, "A história que o povo conta e bandidos", com fotos de TIAGO SANTANA; e mais: feira de folhetos e xilogravuras, oficinas, shows musicais, peças de teatro, ciclo de palestras e mostra de cinema Painel rico e dinâmico sob o tema. Como destaque, mestre AZULÃO, codinome do paraibano JOSÉ JOÃO DOS SANTOS, 69 anos, desbravador do cordel e do repente, há 52 anos no Rio, cantador, cordelista, múltiplas atividades - já lançou CD musical, dezenas de folhetos e fez 'pontas' em novelas de temática regionalista, como "O bem amado", de DIAS GOMES, 1973 - representou o Brasil em eventos literários (States, França e outros países). Em 2001, viagem a Portugal, um dos pontos de origem do cordel nordestino: folhetos entre 8 e 32 páginas, o nome 'cordel' porque expostos pendurados em barbantes, como ainda hoje nas feiras no Nordeste, importados da Península Ibérica, chegou ao Brasil no fim do século XIX e aqui se propagou em variadas formas poéticas, riqueza em ritmo-métrica-rima e imaginação, temas variando entre caráter jornalístico, aventuras amorosas e eróticas, narrativas sobre cangaço, críticas de costumes, estórias fantásticas e apocalípticas. Personagens mais populares são o Canção de Fogo, Pavão Misterioso e o astuto João Grilo (inspiração de ARIANO SUASSUNA para protagonista em "Auto da Compadecida". ----- "Pavão misterioso" é o maior clássico, mais vendido em todos os tempos, verdadeiro autor JOSÉ CAMELO DE MELO REZENDE, final dos anos 20 - JOSÉ MELQUÍADES FERREIRA DA SILVA tomou posse da estória e publicou como se fosse dele, antes de Rezende: aventura heróica de João Evangelista que abandona tudo por uma viagem a Turquia a bordo de um pavão mecânico para libertar sua amada, a condessa Creusa, trancada numa torre pelo pai. A narrativa inspirou muitos escritores, popularíssima com a canção composta por EDNARDO para a novela "Saramandaia" - existe uma trilha de uma adaptação teatral. ----- O paraibano JOSÉ SOARES, importante cronista do seu tempo, ganhou apelido de "poeta-repórter" e o filho MARCELO, xilógrafo, 45 anos, herdou a perspicácia na escrita - em geral, versos sobre política e atualidade, concorrência de José com os jornais; atividade mais intensa do pai é a xilogravura, arte refinada intrinsecamente liga ao cordel, que ilustra centenas de capas de folhetos -seus trabalhos rodaram mundo e figuraram em cenas da novela "Roque Santeiro", de AGUINALDO SILVA e DIAS GOMES, 1975/76. ----- O cearense JOSÉ LOURENÇO GONZAGA nunca digitou num teclado de computador - há 36 anos /2001/ vivendo na terra natal, Juazeiro do Norte, e edita os "mesmos" tipos de poesia do passado, processo manual, letra por letra, pequenas brochuras de 8 páginas. Seriam minutos em um equipamento eletrônico, dois longos dias em seu empenho artesanal... Juazeiro e homens como ele são dois nichos de resistência da LITERATURA DE CORDEL como manifestação artística, objeto de análise de estudiosos até no exterior - aqui, informação e entretenimento: rádio nos anos 30, televisão nos 60, influindo esteticamente mas músicas de ZÉ RAMALHO, EDUARDO e ANTÕNIO NÓBREGA, na literatura de JORGE AMADO, na poesia de JOÃO CABRAL DE MELO NETO, no teatro de SUASSUNA, no cinema de GLAUBER ROCHA e na teledramaturgia de DIAS GOMES. ----- Variação oral do cordel está no canto dos REPENTISTAS, difere da poesia impressa pelo caráter de improviso. Os irmãos cearenses KLÉVISSON e ARIEVALDO VIANA cm a coragem de exposição, verve humorística em folhetos, por exemplo "Martírios de um alemão", crítica do turismo sexual. Uma fusão de cordel e HQ, prêmio HQ Mix, livro didático "Lampião...Era o cavalo do tempo atrás da besta da vida", 1998 - crença de que "intelectual gosta de xilogravura, povo não entende, prefere fotografia". Como a maioria dos poetas populares, Klévisson cresceu no meio de cordelistas e tem coleção de cerca de 7 mil títulos, desde clássicos da década de 30. ----- Coleção mais modesta, por igual impressionante, a de RAIMUNDO SANTA HELENA, 415 cordéis nas paredes da residência suburbana carioca: aos 75 anos, referência no gênero cordel no país. Vida repleta de passagens extraordinárias: ainda criança, viu pai ser morto a mãe grávida ser estuprada e marcada a ferro por Lampião (não se cansa de campanhas contra cordelistas e repentistas que exaltam o cangaço), fugiu de casa aos 11 anos para ir atrás do bando, intenção de vingança; carreira na Marinha, mudança para o Rio, casou, teve três filhos, um deles se matou por amor e inspirou versos sofridos do poeta. Em 1945, foi um dos fundadores da Feira de São Cristóvão, no Rio., seus livrinhos vendidos a R$1 - o tradicional mercado livre atrai nos fins de semana milhares de nordestinos retirantes e cariocas entre outras coisas dançar forró nas pistas improvisadas, feira descaracterizada pela invasão de estridentes aparelhos de som e ausência de cordelistas jovens. ----- Em São Paulo, a editora Luzeiro, herdeira da tradicional Prelúdio. mantém a chama há 80 anos, 186 títulos clássicos do cordel em catálogos, capas coloridas, a R$1,50, inclusive para exportação. Novo fòlego nos anos 80, com a morte de Luiz Gonzaga e a queda de Collor... ------ Coleção da editora Hedra reúne obras dos pioneiros grandes mestres do cordel no Brasil: paraibano JOÃO MARTINS DE ATHAYDE, cearense PATATIVA DO ASSARÉ, alagoano RODOLFO COELHO CAVALCANTE e baiano JOSÉ GOMES, o "Cuíca de Santo Amaro" -ganharam ótimas compilações de poemas na coleção - 6 mil exemplares vendidos, campeã a antologia, a R$12 cada livro, tamanho de um folheto, com análise da obra dos respectivos autores por um especialista. Patativa, 92 anos, referência viva e também o mais popular, autor da toada "Triste partida", gravada por Luiz Gonzaga - virou filme e assunto de teses; Cuíca era temido pelos versos tenazes contra corruptos e poderosos da época. ----- Poesia e teatro ao som de tambores, a literatura de cordel é um dos sustentáculos do grupo Cordel do Fogo Encantado, liderado por LIRINHA, de Arcoverde, interior de Pernambuco, com um ótimo CD produzido por NANÁ VASCONCELOS - o quinteto associa em show música e poesia dos cordelistas, grande impacto visual e sonoro., plateia magnetizada com os versos dramatizados: o poder da musicalidade instrumental, apenas percussão e um violão, e a estrutura poética do cordel - combinação de ritmos, como samba de coco, toré indígena, reisado e percussão de candomblé - plateia numa espécie de transe de alegria participativa.

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LEIAM meus trabalhos "O cordel e a comunicação... a religião..." e "O pavão misterioso" --- No futuro desse artigo, "Cordel encantado", telenovela, 2011 - tema de abertura "Minha princesa cordel".

FONTE:

"Um século de cordel" - Rio, revista Época, 21/5/01.

(Segue.)

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 26/11/2019
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