SEMINÁRIO DE LITERATURA - MODERNISMO

CONTEXTO HISTÓRICO - Cronologia que precedeu 1922, nossa ruptura intelectual com estruturas envelhecidas:

1911-Hermes da Fonseca, eleito presidente da República, põe em prática a chamada "política das salvações", visando acabar com as oligarquias cafeeiras e concentrar o poder. --- 1912-Cresce a inflação e surgem graves operárias (anarquistas?), principalmente em São Paulo. --- 1913-Muitos protestos e comícios contra a carestia. --- 1914-Venceslau Brás, novo presidente, retorno da política do café-com-leite; início da I GM, com reflexos na sociedade brasileira. --- 1915-Congresso Internacional da Paz, promovido pela Confederação Operária Brasileira. --- 1922-No Rio, exposição comemorativa do primeiro centenário da Independência; fundação do Partido Comunista Brasileiro; Artur Bernardes assumiu a presidência sob estado de sítio. --- De 1922 a 1930, o tenentismo toma corpo; criou-se a Coluna Prestes; governo decretou ilegalidade do Partido Comunista; greves operárias constantes; com a quebra da Bolsa de Nova York, 1929, preço internacional do café desabou... inúmeros fazendeiros falidos; expulsão de muitos imigrantes envolvidos nas greves; sociedade cansada do velho regime e das fórmulas gastas; em 1930, Getúlio Vargas candidato à presidência........ Catete com morador novo até 1945.

Ao início do século XX, tradições acadêmicas e elitizantes da nossa literatura, coexistindo tendências inovadoras, oposições marcantes da nossa realidade - campo-cidade, branco-mestiço, rico-pobre, cosmopolita-interiorano, nacional-imigrante: em destaque, escritores GRAÇA ARANHA, MONTEIRO LOBATO, LIMA BARRETO e EUCLIDES DA CUNHA. Com o passar do tempo, aumentaram desejo e tentativas de renovação do ambiente artístico: exposições de pintura e escultura modernas, artigos nos jornais sobre novas tendências, mesmo de origem europeia - processo de radical transformação, descompromisso e descontentamento com tradições.

Brasil a meio termo: permanecer no arcaico, ficar "meio lá, meio cá" ou virar moderno? Hora de exaltar o nacionalismo recém-nascido.

A inquietação com os problemas nacionais, reais, gerou artistas e escritores, geração dos capitães MÁRIO DE ANDRADE e OSWALD DE ABDRADE, seguidos em especial por SÉRGIO MILLIET, RONALD DE CARVALHO, GUILHERME DE ALMEIDA, ANITA MALFATTI, HEITOR VILLA-LOBOS, LASAR SEGAL, TARSILA DO AMARAL, MANUEL BANDEIRA, MENOTTI DEL PICCHIA, ANTÔNIO MOYA, DI CAVALCANTI, REGO MONTEIRO. Direta ou indiretamente, participaram da "Semana de Arte Moderna de 1922", marco do Modernismo Brasileiro. Esta não deu origem a nada - foi gestação longa, parto demorado e serviu como divulgação e radicalização, coroamente de modernização que praticamente 'abrira' o século XX.

Não apenas uma oposição a valores ultrapassados, mas sim apresentar aspectos novos. Segundo LAVOISIER, século XVIII, "...tudo se transforma" - e a literatura brasileira abriu novos caminhos (não atalhos semi-ocultos), contrariando os já cansados/cansativos Parnasianismo e Simbolismo - não era, por exemplo, o papel de BILAC apresentar-denunciar problemas, embora com forte apego à terra natal... o caso dele, "a arte pela arte" - linguagem cuidadosa nos poemas /haja métrica e rima/, porém mais fácil contemplar estrelas ou ficar na porta da Confeitaria Colombo (antes da confeitaria, local do refúgio de TIRADENTES), olhando o mulherio andante.

E eis que de repente, o "Abaporu" (significa aquele que come), quadro da pintora brasileira TARSILA DO AMARAL, 1928, se tornou talvez o maior símbolo do movimento modernista nacional, combinando as tendências artísticas mundiais com nossos impulsos, "...também quero!" Em resumo, devorar o que vem de fora, cultura ocidental, e aplicar ao nosso nacionalismo - comer o invasor, rememorando "índios X portugueses". Em OSWALD DE ANDRADE, teorização da antropologia cultural, abrasileiramento da nossa literatura. E neste 1928, "Revista de Antropofagia", circulação entre os intelectuais de vanguarda, com duas dentições: 8 páginas, de maio/28 a fev./29, muita irreverência e consciência ingênua do Modernismo, depois limitada a uma página no Diário de São Paulo, de março a agosto/29, contornos mais definidos da antropofagia.

Compare quadros: "Más notícias", de RODOLFO AMOEDO, 1895 --- "Tropical", de ANITA MALFATTI, 1917.

Destaca-se a figura de PAULO PRADO, embora de rica família cafeeira, historiador amador, mecenas e ativador, apaixonado pelas artes, elo entre artistas e empresários patrocinadores. Dona MARINETTI, francesa, sua mulher, sugerira uma Semana, como a semana de festas em Deauville. Ideia imediatamente aceita.

A "Semana" de três noite foi um grande acontecimento, reunindo no Teatro Municipal de São Paulo toda a nata áurea de cérebros pensantes - ih, discursaram, leram poemas, trechos de romances, expuseram quadros e tocaram músicas - alternados raríssimos aplausos e multíssimas vaias.

Nas noites de 13, 15 e 17 de fev./1922, abriu-se ao público o saguão do teatro... (Na Europa, o derradeiro movimento de vanguarda, Surrealismo.) Abertura a cargo do pré-modernista GRAÇA ARANHA, 53 anos, que aderiu ao movimento dos moços modernos, conferência "A emoção estética na arte moderna", ilustrada com declaração de poemas; seguiram-se três danças africanas e peças de VILLA-LOBOS. --- Na segunda noite, RONALDO DE CARVALHO, homem bonito e de casaca, declamou "O sapos", de BANDEIRA, ridicularizando o Parnasianismo - foi a mais agitada da semana, gritos e ruidosas vaias acompanhando a declamação, chuva de batatas, rabanetes... e ovos. Um espectador começou a latir - berros de RONALD: "Tem um cachorro na plateia, mas ele não está do nosso lado." No intervalo, palestra de MÁRIO DE ANDRADE no saguão. Na segunda parte do programa, a consagrada pianista GUIOMAR NOVAES - tocou VILLA-LOBOS - vaiada, indignada, saiu do palco, não voltou mais, MÁRIO quis ir embora, mas MENOTTI o segurou pelo braço. --- Na terceira noite, sob a presidência da récita por MENOTTI DEL PICCHIA, dedicada à música, um incidente - VILLA de casaca negra e... chinelos: inchaço, vermelhidão e dor pelo ácido úrico. Menos espectadores, porém ainda comportamento mais comedido: protestos e incompreensão pelos trajes inusitados. Décadas após, divulgação também popularmente incompreendida do tal existencialismo francês de SARTRE, a moda rendeu muito tempo como fantasia de carnaval - elegante conjunto de calça comprida e casaca de cetim preto, chinelo velho num pé, sapato no outro, ponto de interrogação pintado na testa: existencialista!

MARIA DE LOURDES, irmã mais nova de MÁRIO, espectadora na segunda noite: "Guiomar tocou Villa-Lobos, o público queria Chopin - ela retirou-se do palco, não voltou mais. O público da torrinha (...) até o filho de nossos vizinhos, sentado na plateia perto da gente, estava vaiando e o pai o advertiu para não fazer, por respeito aos Andrade - o rapaz saiu devagarinho, foi vaiar nas torrinhas."

Contradição. Semana com apoio financeiro dos fazendeiros de café e do presidente (governador) do estado de São Paulo - um dos objetivos dos organizadores era "assustar a burguesia que cochila na glória de seus lucros" - bom, no mínimo assobios e vaias da assistência, provavelmente herdeira estudantada universitária vinda do interior do estado - inclua-se o Geminiano ANTÔNIO DE ALCÂNTARA MACHADO, nascido na capital, que mais tarde aderiu ao 'outro lado'.

Foi esse o clima que marcou a ruptura com o tradicionalismo caduco. Por que atacar o Parasianismo? Porque foi o estilo anterior; pior, muito apegado a regras e modelos e era o que valia para a classe dominante a que conseguiram chocar.

Muitos caminhos, mas em comum o nacionalismo, dinamismo e vontade de libertar nossa arte da tutela "do outro lado do Atlântico", reivindicar a mais absoluta liberdade... e conseguiram!!! (Hoje, universal e inversamente, os outros povos copiam e aplaudem as nossas telenovelas.)

SUBGRUPOS MODERNISTAS - Mas não dissidentes, cada um com suas propostas para a renovação, movimentos cujos próprios nomes já denotam nacionalismo e nossas riquezas naturais: "Pau Brasil" (a primeira desde Cabral - liderança de OSWALD DE ANDRADE), "Antropófago" (idem), "Verde-Amarelo" e "da Anta". Dose muito grande de ironia e humor, no manifesto Antropófago, publicado por Oswald de Andrade em 1928: "Tupi or no tupi that is the question" (paródia /raras pessoas sabem/ de célebre frase de Hamlet, clássico da literatura universal, personagem de SHAKESPEARE: "To be or not be, that is the question" - CHACRINHA dizia: "Nada se cria, tudo se copia".)

(Segue.)

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Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 17/11/2019
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