SEMINÁRIO DE LITERATURA - ARCADISMO - FINAL
Texto - "Lira n. 77", da segunda parte de "Marília de Dirceu", autor TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA --- 1-"Marília, não fui nenhum vaqueiro (...) 60-até que chegue a um dos dois a morte."
1---Nenhuma dificuldade de compreensão, não imagem metafórica ou metonímica (duas raras exceções num texto longo: "as carnes nossas" em lugar de corpo e "o rosto banharei de pranto"). Assunto simples, idem tom do discurso despojado e sem mistério, embora fruto de uma contenção elaborada e não tranquilidade real, o não fazer tragédia. ----- No seu todo, poema figurado em poesia pastoril, alegoria da vida, verdade biográfica do poeta, realidade disfarçada, redução de homem culto, bom nível social, cargo público, respeitado, a uma simulada rusticidade: pastor se dirige a Marília, narra sua prosperidade e vida de respeito interrompidas por um acidente catastrófico, cuja natureza não esclarece, e compara anterior situação de abastança e felicidade X atual, de privação e angústia, tempo real do enunciado, dor contida do elemento dramático, imaginando a existência de ambos se a sorte mudar e readquirir a posição perdida - alegoria, disfarce da condição verdadeira: recomeçará do nada, "Fiadas comprarei as ovelhinhas / que pagarei dos poucos (...)", contentando-se com a pobreza, desde que Marília a seu lado; o contraste entre a desgraça e a felicidade recuperada, exemplo aos filhos e a todos os pastores da aldeia. ----- Duas contradições de conflito: entre a serenidade contida do tom, estoicismo em face do destino adverso, e a tragédia real, e entre a simplicidade construída e o refinamento poético do emissor, sob o disfarce de pastor Dirceu. ----- Drama atual - perdeu tudo o que possuía e afastamento da amada, destruição do espaço de vida, levado a buscar pela imaginação um espaço novo, tensão violenta entre a realidade cruel do presente e a nostalgia do passado, com projeção irreal do futuro.
2---LIRA 77, dividida em duas partes, estrofe intermediária de ligação - quatro estrofes iniciais, do verso 1 ao 24; estrofe 5 intermediária, do 25 ao 30; final do 31 ao 60. Primeira parte, passado, verbos no pretérito, perfeito e imperfeito, apoiados em ocorrências do presente como contraste, em situação dramática - transição, força de futuro ainda embutido no presente, apenas desejo, natureza condicional, projeção sobre imaginação e desejo, futuros indecisos e disfarçados abrem caminho para futuros francos - nostalgia do passado, ilusão do futuro. O "jogo verbal", ora um tempo ora outro, ora passado ora futuro, marcam o cunho patético do 'elo perdido' na recordação conflitando com a tenacidade da esperança, devaneio, sonho acordado, futuro desconhecido - fragilidade do destino. ----- Espaço poético ligado inteiramente à representação do tempo: perdido e recuperado pelo devaneio, dois espaços pastoris (o perdido e o sonhado), definidos estaticamente pela descrição - choça, rio, olmeiros etc. - e dinamicamente pelos modos e tempos verbais. Enunciados em relação contraditória - bens materiais que pastor, tendo, daria mais coisas à Marília X a beleza dela valia para ele mais que o poder. ----- O poema flui admirável em unidade perfeita, tensões aos pares antitéticos: rusticidade x refinamento, enunciado perfeito X alegoria, tranquilidade X desgraça, espaço destruído X espaço redimido, passado X futuro, realidade X sonho, devaneio: tensões misturadas e combinadas, poema em movimento dialético em expressão única. O primeiro par é próprio do gênero pastoral - paisagem bucólica de cabanas, lãs tecidas artesanalmente, pastoreio de ovelhas, agricultura, regatos, pescaria, contato direto com a natureza, divertimentos campestres: quadro de atividade rústica, situação social modesta, o EU lírico do homem do campo, "o homem natural" para ROUSSEAU. ----- O poema adquire significado pleno porque conhecemos as circunstâncias biográficas em que foi composto, desembargador destituído, prisioneiro político - efeito diferente se o autor não fosse Gonzaga - obra escrita na prisão da Ilha das Cobras ou na da Ordem Terceira de Santo Antônio, ambas no Rio de Janeiro, entre 1789 e 1793, por um acusado de conspiração contra Portugal, crime de lesa-majestade - pena de confisco dos bens, infâmia social e morte. Marília, nome arcádico pastoral que deu à noiva, Maria Doroteia Joaquina de Seixas, de importante família rica da Capitanias de Minas. Longe da amada, sente sua falta, pensa na perda da situação social e procura consolo imaginando ser absolvido ou perdoado, casando e recomeçando tudo - variante do tema da mediocridade dourada, lugar comum da poesia ocidental. Período literário em que a LIRA 77 foi composta - quase no fim do século XVIII, Arcadismo atento à degradação do Barroco, desgaste da moda prolongada; Gonzaga recuperou a simplicidade, encantadora poesia que a cada momento parece dissolvida em prosa coloquial. Mestre do tipo de poema "lira" tinha sido Cláudio Manuel da Costa; inovação de Gonzaga foi suprimir diálogo entre pastores e lugares-comuns mais frequentes, como sacrifício de animais, oferta de produtos da terra e entidades protetoras.
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CARPE DIEM --- HORÁCIO, poeta latino (68 a. C. / 8 a. C.), um dos maiores influenciadores de pensamentos e atitudes do Arcadismo - tema do CARPE DIEM horaciano, "gozar o dia", viver o presente, filosofia de aproveitar o momento pois o tempo corre célere - adoção dessa postura em muitos versos de GONZAGA: "Minha bela Marília, tudo passa; / A sorte deste mundo é mal segura; / Se vem depois dos maçes a ventura, / Vem depois dos prazeres a desgraça." --- "Prendamo-nos, Marília, em laço estreito, / Gozemos do prazer de sãos amores, / Sobre as nossas cabeças, / Sem que o possam deter, o tempo corre: / E para nós o tempo que se passa / Também, Marília, morre." // AUREA MEDIOCRITAS - Também horaciano, AUREA MEDIOCRITAS, "mediocridade de ouro", exaltação do meio-termo, da simplicidade, isto é, posição de equidistância entre dois polos opostos; alcançada, viver em contato com a natureza.
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SÉCULO XVIII - importante mudança na vida brasileira: centro econômico transfere-se do Nordeste para Minas Gerais e Rio de Janeiro, e na rota da economia a vida política, social e cultural, em particular Vila Rica, sede dos acontecimentos mais significativos dos anos Setecentos: a mineração, a Inconfidência, os poetas do Arcadismo e o gênio do Aleijadinho. // INCONFIDÊNCIA MINEIRA /auge da "conspiração" que não deu certo/ - (Resumo...) "Noite fria e chuvosa, dez./1788. mensageiro traz carta para Alvarenga Peixoto, convocando-o para encontro em casa de Freire de Andrade, tenente-coronel, comandante dos Dragões. Subiu a coluna, e esperavam mais quatro conspiradores: Álvares Maciel, filho do capitão-mor de Vila Rica e cunhado do dono da casa, padre Oliveira Rolim, José Joaquim da Silva Xavier, alferes, e Correia de Toledo, vigário de São José. Formalizar planos de um levante armado contra a coroa portuguesa - todos brasileiros, agentes ativos da (possível?) revolução. Esperavam a imposta derrama em fev./1789. Povo em geral estava inquieto e se propunham a instigar um motim sob sua cobertura, com a conveniência dos Dragões: governador seria assassinado e se proclamaria uma república independente. O alferes deveria provocar a agitação em Vila Rica, companheiros chegariam antecipados à cidade, pequenos grupos, armas sob os casacos. Dragões convocados para enfrentar a multidão, Freire de Andrade atrasaria até que o alferes tivesse partido para Cachoeira - introduzido na escolta do governador, prenderia e executaria Barbacena, voltando então para Vila Rica; mostraria a cabeça do governador e bradaria que queriam liberdade. A seguir, seria proclamada a república e lida uma declaração de independência. era só esperar a derrama e fixar o dia da revolta. Se conspiração descoberta, todos deveriam negar conhecimento dela - não havia nada escrito."
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FONTES:
"Na sala de aula - caderno de análise literária", livro de Antônio Cândido, 1985. --- "A devassa da devassa: a Inconfidência Mineira - Brasil - Portugal, 1750 - 1808", livro de Kenneth Maxwell, historiador britânico.
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