POESIA: SEMENTE DE TODA A LITERATURA


(Apresentação e Seleção de Ana Maria Machado para "Cinco Estrelas" Livro de Poemas com poesias de Chico Buarque, Henriqueta Lisboa, Olavo Bilac, Carlos Drummond de Andrade e Gonçalves Dias)

Tudo indica que a literatura começou em forma de poesia. Muito antes de existir a escrita.
Os estudiosos se baseiam principalmente em três argumentos para defender essa ideia. Em primeiro lugar, porque em geral os exemplos mais antigos de literatura em todos os povos são de poemas. Em segundo, porque, em matéria de linguagem, se pode considerar que a história de cada ser humano repete um pouco o que aconteceu com toda a humanidade - e a primeira ligação das crianças com o que poderia considerar uso literário da linguagem tem a ver com poesia. Além disso, é bem lógico imaginar que, se ainda não existia escrita e o autor de uma obra queria que ela não fosse esquecida, tinha de procurar um jeito de fazer com que fosse mais leve aprendê-la de cor. E é claro que é muito mais fácil decorar poesia do que prosa.

assim, os artistas da palavra, quando queriam expressar o que estavam sentindo (em poemas líricos), ou então impressionar os outros contando histórias que imaginavam ou grandes feitos de heróis (em poemas chamados de épicos), tratavam de usar a linguagem de uma forma um pouco diferente de seu uso de todos os dias, e apelar para os recursos da poesia.

Que recursos são esses? Muitos são formais, quer dizer, têm a ver com a forma de escrever ou arrumar a linguagem na hora de falar ou escrever. É o caso da rima, poe exemplo, quando se usam palavras que terminam de forma parecida, quase sempre no final dos versos - aliás, é bom lembrar que verso é o nome de cada limha num poema. Ou, ainda, pode ser o caso das aliterações e assonâncias, em que a repetição dos sons iguais ou semelhantes em várias palavras faz com que elas funcionem como um eco umas das outras, de um modo bonito. Ou da métrica - o número de sílabas de cada linha ou verso obedecendo a regras. E também da acentuação tônica, ou seja, os intervalos entre sílabas fortes e fracas. Todos esses recursos ajudam a marcar um ritmo, se cria uma beleza muito especial, além de ficar mais fácil lembrar o texto.

Outro recurso formal muito empregado na poesia são as repetições. Podem ser uma espécie de estribilhgo ou refrão, como se uso muito em letra de música. Mas também podem ser paralelismos, em que se repete alguma coisa com pequenas diferenças. (...) temos um belo exemplo desse recurso, de Gonçalves Dias, na "Canção do exílio".

Mas poesia não é só aquilo que rima, tem sílabas contadas, musicalidade ou um esquema definido de composição. Grande parte da poesia moderna, por exemplo, é bem mais livre em relação a todos esses procedimentos. E nem por isso deixa de ser poesia. É que não é só a fdorma que importa, mas principalmente a maneira de ver as coisas. Um modo difderente do comum. Como se o mundo estrivesse sendo visto pela primeira vez, de um modo novo. Nesse sentido, os poetas muitas vezes fazem a gente se lembrar de crianças brincando e descobrindo as coisas. Como se a própria linguagem fosse um brinquedo e as palavras pudessem ser reviradas pelo avesso.

O modo poético de ver o mundo, deslumbrado e inventador de novidades, acaba muitas vezes comparando uma coisa com outro. A gente bem que pode imaginar como isso foi acontecendo com os primeiros poetas. Imaginemos, por exemplo, que um homem primitivo sai para caçar, vai parar num lugar da floresta em que nunca tinha estado e lá descansa debaixo de uma árvore desconhecida, toda coberta de flores alaranjadas e avermelhadas. Ele pode ficar olhando, achar lindo, e pensar que aquelas cores lembram um pôr do sol. Então volta para a tribo e, de noite, conversando com os amigos, faz uma comparação e conta aos outros: 'Vi uma árvore colorida como o céu quando o sol se põe'. Mas, no dia seguinte, resolve convidar alguém para ir com ele até lá, e chama para ver de perto a árvore do pôr-do-sol. Nesse caso, ele já não está mais comparando e dizendo que é parecido, ou que uma coisa é como a outra, mas já usa uma imagem, utilizando a linguagem de um modo mais direto e econômico. Porém, ainda pode ir mais além e, depois, contar uma história ou fazer uma canção em que diga que se sentou à sombra do pôr do sol, ou que o sol pousou no alto da floresta para descansar antes de ir embora. Ou se desviar ainda mais e dizer que a fogueira, em torno da qual todos se reúnem à noite, é uma flor do sol brotada do chão. E, nesses casos, nosso amigo só estará falando da impressão que a planta lhe deu, mas já nem se preocupa mais com aquele objetro real que ele viu - a árvore nem está sendo mencionada de forma direta na frase. Desse modo, ele já está em pleno território poético, já deixou para trás  a comparação e a imagem e está usando um outro recurso da linguagem que se chama metáfora. Quer dizer, transportou o sentido de um objeto concreto para um simbólico e só se ocupa do símbolo. Para muita gente, esse mecanismo imaginário da metáfora é a verdadeira marca registrada da poesia. Alguém que consiga criar boas metafóras já tem meio caminho andado para ser um poeta. Não precisa  nem rimar e contar as sílabas - se viver numa época que não faça questão dessas coisas.

Mas nem sempre se aceitou toda essa liberdade em poesia. Por isso, vale a pena a gente situar um pouco os nossos poetas escolhidos, e tentar entender como eram as ideias sobre literatura no tempo em que eles viveram.

O mais antigo é Gonçalves Dias, que viveu no começo do século XIX. Esse tempo ficou conhecido como Romantismo. Valorizava muito a liberdade, a espontaneidade, os sentimentos, e isso era uma verdadeira revolução em relação à literatura dos tempos anteriores, muito cheia de regras. No Romantismo, a ideia de lutar pela liberdade e derrubar o autioritarismo era muito forte, e esse movimento coincide justamente com a independência das antigas colônias européias na América, entre elas o Brasil. Para isso,, a linguagem precisava ser mais simples do que antes, e conseguir atingir o público para discutir todas essas ideias sociais e políticas - como a abolição da escravatura, que vai ser o principal assunto de Castro Alves, um grande poeta romântico. Essa época punha o coração em primeiro plano, falando com intensidade das emoções individuais, muitas vezes idealizadas. Além idsso, num país que começava, como era o nosso, a literatura buscava valorizar a paisagem da nossa terra, os costumes e personagens nacionais - como os índios, por exemplo, que estavam aqui antes de os portugueses chegarem e eram os verdadeiros donos do Brasil. A época romântica trouxe para nossa literatura um tema que até hoje continua sendo muito importante para nós: o que é ser brasileiro?

Mais para o final do século XIX - a partir de 1880, mais ou menos - alguns poetas foram começando a achar que tudo isso tinha ficado muito exagerado e se afastado do que deveriam ser as verdadeiras qualidades da poesia. Começaram a propor algo diferenter, mais universal, racional, objetico, com emoções controladas. Em vez de buscar uma linguagem simples e popular, queriam um vocabulário elevado, em versos de grande perfeição formal. Achavam que a poesia devia ser equilibrada e superior, como tinha sido na Grécia antiga, em vez de ficar falando de problemas sociais contemporâneos ou perdendo tempo com o sentimentalismo de um indivíduo. Esse movimento ficou conhecido pelo nome de Parnasianismo, porque Parnaso era o nome do monte consagrado a Apolo e às musas, inspiradoras das artes, segundo as lendas da Grécia antiga. O poeta Olavo Bilac, (...) viveu nessa época e era chamado de "o príncipe dos poetas parnasianos", porque foi o melhor e mais perfeito deles.

Como ninguém aguentava todas essas regras e esse artificialimo por muito tempo, houve depois uma reação muito forte contra esse movimento, com o Modernismo, no século XX, que iniciou um tipo de literatura totalmente diferente. Com uma liberdade como jamais se vira na história da arte. Mesmo não sendo representantes dos primeiros modernistas, que inauguraram essas ideias no Brasil, fazendo um escândalo público em 1922, em São Paulo, com um evento que sae chamou a Semana de Arte Moderna, as duas estrelas seguintes - Henriqueta Lisboa e Carlos Drummond de Andrade - se situam no período moderno. Um período em que os versos ficaram livres, não precisavam mais rimar nem ter métrica fixa. A linguagem ficou sintética (muitas vezes entrecortada e fragmentada) e qualquer palavra passou a poder entrar num poema, seguindo ou não uma pontuação. Voltou a ser importante valorizar a linguagem falada no Brasil, em vez de seguir modelos eruditos portugueses. Aliás, com o Modernismo, tudo no Brasil ficou sendo essencial, mais uma vez - os temas, a realidade quotidiana, nosso passado histórico e cultural. Até mesmo nosso senso de humor, nossa maneira de rir e fazer piada, entrou com força total na poesia. Uma poesia cada vez mais urbana e ligada às cidades que se desenvoleram enormemente no país no decorrer do século XX. Com uma enorme vareiedade de vozes e tendências, uma das características mais notáveis dessa época que incorporou à literatura brasileira escritores e poetas de todas as partes do Brasil, de diferentes histórias e vivências pessoais.

Até hoje estamos ligados às conquistas dos modernistas e somos seus herdeiros, mesmo com algumas modificaçõesa trazidas depois pelas geraç~çoes seguintes, que preferiram se definir como apenas modernas ou pós-modernas. Na poesia contemporânea, em meio a uma porção de tendências e experiências diferentes, algumas produções individuais foram se destacando e construindo um conjunto significativo. Entre essas, num Brasil que se industrializou também culturalmente e passou a produzir filmes, discos e programas de televisão, alguns compositores e letristas se destacaram como poetas, pelo uso criativo e rico que fizeram da linguagem. Sem dúvida, Chico Buarque de Holanda é um dos mais completos entre eles, conseguindo, ao mesmo tempo, aliar a inegável sofisticação literária e a marca popular.






 
Resumo" Poesia não é só o que rima e tem sílabas contadas - também é jogo de palavras, é emoção que desperta, é uma maneira especial de ver o mundo. Para a escritora Ana Maria Machado, o que fez esta seleção de poemas para você, um bom poeta faz a gente se de criança brincando e descobrindo as coisas. Autora de 108 livros que já venderam 7 milhões de exemplares, Ana sabe muito bem do que está falando. Você vai ver como pode ser gostoso ler um poema - como se a própria linguagem do poeta fosse um brinquedo, que a gente pode armar, desmontar e redescobrir a cada instante.
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Ana Maria Machado, grande escritora da Literatura Brasileira, suas contribuições e obras se destacam na literatura contemporânea. Foi através da literatura infanto juvenil que ela se destacou como escritora. Suas obras infantis, marcadas pelas qualidades estéticas, originalidade e criatividade, abordam temas diversificados da atualidade, redefinindo posições dentro da sociedade, com reflexões sobre o papel da mulher do homem, do negro, da criança, do índio, etc. (...) Ana Maria Machado através de uma linguagem coloquial, cotidiana, trabalha a intertextualidade; as influências escancaradas na narrativa, fazendo referência direta e indireta a autores e obras literárias, a viagem pelo mundo da leitura e Literatura através de referências aos contos de fadas, a escritores brasileiros, ao fazer literário, rompendo com as narrativas tradicionais direcionadas às crianças. Temas da atualidade se misturam aos clássicos; a mistura do maravilhoso com a realidade, a originalidade da linguagem marcada pela ruptura, as invenções e reinvenções, o potencial artístico desta escritora e suas obras. Diante de um mercado editorial tão grande, dedicado ao público infantil, é preciso saber escolher livros que contemplem o valor estético e literário, para a formação do sujeito criativo e critico.
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Indico:
https://www.recantodasletras.com.br/cartas/6676169
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Ana Maria Machado
Enviado por Maria Madalena de Jesus Gomes em 14/11/2019
Código do texto: T6795048
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