TEOREMA: sobre Inês de Castro
1---LEITURA em primeiro nível sobre INÊS DE CASTRO, segundo nível, ambiguidade do país PORTUGAL.
2---ESTÓRIA - realidade histórica e fantasia surrealista do autor. ENREDO sedutor - novela sentimental, tema do AMOR insubstituível e imorredouro, conotação de conto de fadas. "Era uma vez um príncipe que amava uma jovem nobre, que chegara de Castela. mas não era princesa e sim dama de honra de sua mulher." NARRADOR - o próprio COELHO a ser executado, a própria voz do espaço sombrio do Poder. ----- INÊS DE CASTRO, a verdadeira, viveu de 1320 a 1355, durante o reinado de D. Afonso IV, da dinastia de Borgonha, pai de PEDRO, príncipe e amante de INÊS, com quem teve dois filhos. ----- CONTEXTO HISTÓRICO NACIONAL - não apenas ser mítico, embora com aparência de tal coisa, o "mito Inês de Castro" - pressionado por negócios de Estado (?), o rei mandou matá-la; falso pretexto amoroso, em verdade politicagem - atual 'queima de arquivo' -, à frente dos filhos; em "Lusíadas", de CAMÕES, episódio de Inês de Castro, canto III, estrofes 118/135, Inês-literatura e poesia. ----- HISTÓRIA - Inês, bastarda, prima de Constança e de Pedro; portuguesa, criada na Espanha, chegou a Portugal como dama de honra de Constança; esta (ainda noiva?) também prima dele... - emaranhado familiar. ----- SURREALISMO, linguagem diferenciada daquela de sempre, forjando uma anti-linguagem muitas vezes de difícil compreensão - realidades oníricas, mistérios da alma, pensamento girando num mundo contíguo ao do sonho. "Surrealismo, busca de um nível de consciência que conjugue duas discordâncias: sonho e realidade" - ANDRÉ BRETON. Tensões surrealistas provém do Barroco (dualidade) e do Romantismo (sonho como centro da atividade). ----- VISÃO SURREALISTA DO CONTO, historicamente - Inês "revivida", coroada, tornada rainha depois de morta e o beija-mão dos vassalos de Pedro. --- Conto: assassino, já morto, assiste o rei comer seu coração, o delírio do povo, as pombas sobre a estátua etc. --- Juramento de Pedro: "Hei de morder aqueles corações (dos assassinos)! Um dia serei rei de Portugal..." --- Num acordo com o rei da Espanha, troca de exilados políticos /até nossos dias, no planeta inteiro!!!/, ressurgem os assassinos de INÊS DE CASTRO: PERO COELHO (um dos conselheiros do rei e o principal responsável pela morte dela), ÁLVARO GONÇALVES e DIOGO LOPES PACHECO - arrancados os coações de Pero e Álvaro, depois corpos foram cortados, Diogo conseguiu fugir. --- Cena fantástica e surrealista dentro da vida real: Inês coroada rainha depois de enterrada por dois anos, cadáver (ossos...) seguindo de Coimbra para o Monastério de Mombaça, à luz de tochas e cantos fúnebres. --- Mesmo tipo de vingança - vida real & ficção: Pedro mandou que se arrancasse os corações dos assassinos de IC, um pelo peito, outro pelo ombro. --- D. Pedro, nascido em 8 de abril, dois cognomes históricos: O Cruel (crueldade era costume na época) e O Justiceiro (estrutura de crime e castigo - assassinato e justiça). ------ LIRISMO - Inês-rainha, coroada depois de morta, "O que este homem trabalhou... cidades e lugarejos apreciaram." --- Inês-heroína trágica, a morte não conseguiu apagar --- Inês, símbolo do amor, "D. Inês tomou conta de nossas almas." --- Inês, mito eterno, "Ela abandona a carne (perecível) e torna-se uma fonte, uma labareda." - no Mondego, Fonte dos Amores, "feita das lágrimas das ninfas, choradas pela morte de Inês" (Camões) --- Inês-lírica, repercussão da tragédia no tempo e no espaço, "Entra devagar nos poemas e nas cidades." --- Inês-inocência, "Nada é tão incorruptível como a sua morte." --- Inês-ritual, "alimento de geração para geração." --- Inês-indivíduo, "...que amante favorita, D. Inês." ----- MISTURA NO PLANO TEMPORAL DO CONTO - Inês e Pedro, século XIV; conto: Pedro castiga o assassino de Inês, já é "El-Rei D. Pedro, o Cruel". --- "Estilo manuelino", século XVI, D. Manuel, o Venturoso - época dos grandes descobrimentos. --- Marquês Sá da Bandeira, que viveu de 1795 a 1876, praticamente século XIX, tomou parte na guerra civil contra D. Miguel e a favor de D, Pedro IV em Portugal. --- "...o letreiro da Barbearia Vidigal", século XX - só existia modernamente barbearia-letreiro. --- Conto: personificação de Pedro - cenário inclui janela manuelina (posterior a ele); marquês aparece como estátua (também posterior a ele, da mesma forma); contemporaneidade apenas na barbearia, com seu letreiro. FUSÃO dos séculos XV e XX. ----- D. Pedro-vingador ou justiceiro? ----- CENÁRIO EXTERIOR - praça descrita alegre como um dia de feira ou festa, cena romana de rei bárbaro aclamado e praticando barbaridades para agradar povo bárbaro. --- Marquês-estátua, único "personagem" sempre impassível, ele-estátua sem reações --- na vida real, expansão burguesa, precursor do neo-colonialismo - imperialismo até o século XX, 1975, África sem Portugal. "O marquês... ignora tudo, verde e colonialista no alto do seu plinto (base do pedestal) de granito." Verde = azinhavre, uniforme militar, colônias não exploradas (selváticas). ----- MOMENTOS LÍRICOS - "...céu azul...pomba (símbolo de paz)...pedaço muito azul do céu...claxon de um carro expande-se liricamente ao ar...começos de junho...primavera...selva. A terra é eterna." --- sentimento burguês nacional, amor à terra, a renovação da vida - um homem morre, a vida continua: descrição clássica. ----- PERSONIFICAÇÃO - predominância de verbos no presente, alguns no futuro, só Inês é passado - grande número de verbos relacionados com os sentidos: visão, audição, tato, paladar, olfato. ----- TEMA "OLHO", obsessão surrealista - verbos 'ver/olhar' aparecem muito no conto, assim como outros com significado semelhante. "...vejo o rosto violento e melancólico do meu pobre Senhor." "D. Pedro deita a vista distraído..." "Vê a igreja..." "O rei olha para mim..." "Olho de novo para a janela..." "Vejo no rés-do-chão o letreiro..." "...verifico (=vejo) que o coração..." "Percebo (=vejo) como tudo isto..." Etc. --- Verbos relacionados com sons (=falar, ouvir): "Ele diz um gracejo. Toda a gente ri. Alguém ordena... Ouvem-se aplausos. A multidão delira, aclama-o..." Etc. --- Tato/paladar: "Estremeço de frio. O rei levanta-o (meu coração) na mão direita. E levanta o meu coração, e depois trinca-o ferozmente. Um filete de sangue escorre pelo queixo...meus maxilares movendo-me...O rei come o meu coração." ----- SURGIMENTO E CITAÇÃO DE 'ALGUÉM', o indefinido, o povo - 3 vezes - "Alguém quis defender-me... Alguém ordena que me levante... Alguém sugere que me cortem o pênis..." ----- APARECIMENTO DE PARTES DO CORPO HUMANO - cabeça, rosto, mãos, costas, pescoço, joelho, pés, costelas, carne, coração, olhos, sangue, dedos, pulso, face, pênis, ombro... - verdadeiro tratado de anatomia em contraste com alma, que também faz parte do homem quando este é religioso, interior que se opõe ao exterior do homem; "Sei que vou para o inferno (=deportação). ----- CENA MOVIMENTADA, verbos de movimento - "Puseram-me de joelhos...que me levante...Arranquem-lhe o coração...o punhal entrou na minha carne...o moço sobe a escada...multidão delira..." - somente passividade mostrada em Sá da Bandeira (estátua de granito) - "Ignora tudo." ----- POMBAS, símbolo da paz - ao final, cena após castigo, elas voam e pousam na estátua, cagando-lhe em cima: antes, LIRISMO - "...pedaço muito azul do céu...Vejo uma pomba passar..." - depois, REALISMO - "...cagam-lhe..." - talvez pretexto pois ele não impediu a cena violenta. ----- CENA COLORIDA - coração e sangue vermelhos, céu azul, marquês verde (estátua), bigode louro, bata branca - verde, azinhavre ou uniforme militar. ----- NOÇÕES DE POSIÇÃO E DIREÇÃO (movimento e localização) - "El-rei na janela sobre a praceta...levanto um pouco a cabeça, torço o pescoço para o lado esquerdo..." "Por baixo da janela...e vê-me em baixo, ajoelhado, entre alguns dos seus homens...o punhal entrou na carne e cortou algumas costelas." - "...lado esquerdo" (historicamente, assassinato de Inês à margem esquerda do Mondego) - "...o rei sobre a praceta" (superior, ao alto, senhorial) - "...vê-me embaixo ajoelhado (posição inferior e submissa) --- sempre 'citação à janela' em estilo manuelino, berço da Revolução Comercial: "...uma outra (janela) em estilo manuelino, uma relíquia, obra delicada de pedra que resiste no meio do tempo."- ainda "estátua de granito" (pedra indestrutível) - rei Manuel e marquês Bandeira, resistentes como Inês. ----- PRAÇA, lugar limitado, fechado - JANELA, o alto - dela se descortina um mundo mais amplo, ideia de amplitude, visão livre o 'ao redor'. ----- FATOS - "...tenho fome...", fome de vingança - "...às custas da gente do povo", com sacrifício do povo - "coração fumegante", coração, sede de amor, ódio, paixão --- "inferno...país católico", índice da religiosidade do povo -- "Matei por amor ao amor", fidelidade de Coelho ao rei Afonso VI + amor de Afonso VI por seu filho Pedro + amor de Pedro por Inês. --- "A terra está cheia de seiva. A terra é eterna." - sempre a mesma terra; o homem é que morre, mas a terra é eterna, sempre se renova. --- "Foi mais cruel e mais inspirado..." - mais vingativo, inventando outros tipos de tortura e morte. ----- OPOSIÇÕES - rei louco, inocente e brutal; rosto violento e melancólico; meu pobre (infeliz) Senhor (poderoso) /maiúscula, superioridade, rei dominador/; igreja monstruosa; agradeço-te a minha sorte (ação de receber algo x a honra de morrer pela mão do rei?) - ofereço-te a morte de Inês (dá ao rei o motivo de seu castigo e assassinato); Pedro triste e luz de triunfo; rei e amante (criaturas informais) X Constança (criatura do céu); D, Constança...sua insignificância e estupidez, perdão a todas as ofensas... "Detesto a rainha." --- ama o rei X detesta a rainha (ele pecador. ela virtuosa e piedosa); povo bárbaro X povo puro; o rei, bom representante, à altura do seu povo (bárbaro também e também puro); alma obscura, religiosa (pura) X tão próxima da terra (pecadora); povo bárbaro (distante da perfeição do outro mundo) X povo religioso; fé em guerra, crueldade X fé no amor, justiça; Portugal, país ambíguo - "Somos todos loucos." --- D. Pedro, fogo interior (ódio) X paixão (cada vez maior e mais pura); Inês abandona a carne (fonte, límpida como a água, purificada após sua morte) X torna-se alma (labareda, sua lembrança desperta o "fogo", a sede de vingança em Pedro; Inês = Fonte dos Amores X inspiradora de poetas, mártir por amor... - sua morte incorruptível X ela glorificada; alimento de geração a geração = estória (digerida como símbolo); o rosto violento (ódio) e melancólico (de nostalgia) do meu pobre Senhor (infelicidade, desamparo do rei todo poderoso. ----- INFERNO, país católico - INÊS e PEDRO, pecado por amor (= "inferno dos namorados", DANTE, "Divina comédia", Francesca de Rimini e Paolo) --- também Coelho, um dos assassinos de Inês (morto ela vingança de El-rei Pedro) --- alegou-se para a morte de Inês: "...salvar o reino da influência espanhola, mas Constança, a esposa de Pedro, era espanhola. ----- PAÍS TOTALMENTE AMBÍGUO - e também o seu povo, os governantes e os jogadores de futebol (ironia aqui do repetidor da estória). "Somos um povo bárbaro e puro, e é uma grande responsabilidade estar à frente de um povo assim. (...) nossa alma obscura, religiosa, tão própria da terra. Somos também um povo cheio de fé. (...) nas guerras, na justiça, na crueldade, no amor, na eternidade. SOMOS TODOS LOUCOS."
"...meu povo bárbaro e puro..."
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TEOREMA - conto de HERBERTO HELDER DE OLIVEIRA (1930/2015), do livro "Os passos em volta", 1970 - ele, contista e poeta.
LEIAM meus trabalhos "Inês, Inês...", "Inês de Castro" e "Inês de Castro, a personagem e o mito".
NOTAS DO AUTOR: Sobre INÊS DE CASTRO: "Cancioneiro geral", trovas de Garcia de Resende 1516 --- "Lusíadas", Camões, 1572 --- "A Castro", Antônio Ferreira, 1587 --- "Castro", Domingos dos Reis Quito, século XVIII --- "La reine morte", Henri de Montherlant, 1942 --- "Invenção de Orfeu", Jorge de Lima, 1952 --- "Inês de manto", poema de Fiama Hasse Pais Brandão.
TEMA DO OLHO - Filme "Um cão andaluz", de Salvador Dali e Luís Buñuel, 1929 - olho cortado = olho embalado, olho zumbi, docinho em formato de olho; surrealismo, inconsciência, teoria de André Breton, conceitos psicanalíticos de Jacques Lacan.
FONTE:
Memórias de aula, caderno universitário.
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