“Os sonetos negros” de Paulo Henriques Britto: as representações constantes nos seus "paraísos artificiais".
Com a intenção de analisar o texto “Os sonetos negros” escrito por Paulo Henriques Britto constante do livro “Paraísos artificiais” numa ótica na qual se espera tratar das representações(1), dos discursos e seus conseqüentes encontros de sujeitos além de buscar identificar o foco narrativo, tendo este como sendo o ponto de vista adotado pelo narrador, que no caso do texto analisado encontra-se em primeira pessoa. Por meio de Tânia e as aspas de Gastão - e suas falas - o autor é quem conta a história e limita a narrativa à suas impressões e experiências.
A obra como um todo é conduzida pela figura da estudante de Doutorado - Tânia - completamente inadequada a sua repentina e necessária mudança de lugar, pois vive no Rio de Janeiro em meio a recursos tecnológicos que a satisfazem, vê-se neste primeiro contato com a personagem uma forte tendência – com a intenção do autor de emplacar o cambio de realidade - à contraposição dos dois mundos (cenários) distintos o de cá – São Dimas(2) (interiorano, peculiar, presente, pacato, ameno, atrasado, inadequado, porém necessário a um fim específico de Tânia) e Rio de Janeiro (passado, agitado, moderno - digamos tecnologicamente, adequado às necessidades mediatas de Tânia).
Vejamos a partir do encontro de sujeitos, no singelo modo de vida, do desdenhado Clemenceau, apesar de todo o seu conhecimento tecnológico, de toda a sua importância – aliás funcionalidade indispensável ao bom andamento da obra – com a arrogante Tânia, que até às proximidades com o desfecho da narrativa não interessa-se por nivelar-se à aquele jovem interiorano. O modo de vida de São Dimas prevalece, Tânia é uma ilha apesar de sua altivez. Cabe aqui uma pequena alusão referente a um local, em específico na cidade de São Dimas, o Cyber Dimas – um “locus amoenus” para a personagem.
O senso de alteridade(3) da personagem é praticamente nulo, tanto em relação à coletividade local, como nas pistas emanadas pelo “velho” Gastão em relação aos “sonetos negros”. A personalidade cosmopolita, dinamista é o ponto chave para o segredo da obra e contribui para essa “cegueira” temporária da personagem. Cegueira na personagem e vazio ao leitor?
O foco às vezes é completamente apegado - ao final haveria espaço para um desapego? - às materialidades(4); mercantil, contrapondo-se à vida sem gozo daquela comunidade. “O que levou Matilde a enfiar-se naquele buraco?”
O “acordo informal” (Britto pág. 89) entre Tânia e Gastão - por ocasião das refeições diárias à moda local - ilustra bem a questão do processo de adaptação à nova realidade, à sujeitar-se ao novo convívio, a re-apresentar-se dentro da subjetividade local, do convencionalismo, do arbítrio de Gastão. Mesmo que isso lhe rendesse três quilos a mais.
Apesar de sutil, entendo por pertinente mencionar que a mirada do autor se confunde com a do personagem Gastão Fortes na passagem: ...“E a senhorita não crê que a fixação do texto dos “Sonetos negros” tenha implicações extraliterarias?...” É evidente; nessa passagem Britto despeja teoria por meio de Gastão, vislumbro assim o conceito de contexto(5).
Textualmente a obra nos traz três possibilidades por meio das re-apresentações textuais dentro da trama expressa na narrativa, as quais são: a possibilidade da obra “os sonetos negros” serem realmente da autoria de Matilde Fortes e em nada terem relação com homossexualismo, serem de Matilde Fortes e com profundo apego homossexual e por fim, o que encerra a obra que tem que “os sonetos negros” seriam de autoria de Gastão Fortes e atribuídos a Matilde por conseqüência do mais devoto amor sentido por Gastão.
Por fim, é interessante arrematar esta abordagem com as passagens de Gastão vistas às páginas 97 e 98, dizia ele a Tânia: “É esse o mérito da grande poesia” “Permite uma infinidade de leituras.” Esta aí a própria definição de representação, pois ela é capaz de reunir nela mesma uma subjetividade grupal, social e coletiva. As pessoas, o meio e as influências culturais. Semelhante à metáfora do caracol (6) de Júlio Cortazar, sujeito aos mais inacreditáveis devaneios. Se Tânia nos obsequiou com três possibilidades e teve a capacidade de desapegar-se e adaptar-se ao meio cujo estava inserida, imaginem os leitores e suas previsões acerca do que está sendo reproduzido influenciado pelo contexto da interação, da cultura.
BIBLIOGRAFIA
BRITTO, Paulo Henriques. Paraísos artificiais. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. Conto.
CORTAZAR, Julio “Alguns aspectos do conto” , Valise de cronópio, São Paulo, Perspectiva, 1974, pp. 147-163.
ALMARZA, Sara. Formas e dilemas das representações da mulher na literatura (no prelo) Editora da UnB, pp.5-7.
BASTOS, Hermenegildo José. Literatura e colonialismo. Brasília: Editora UnB: Plano Editora: Oficina editorial do instituto de letras – UnB, 2001. 127p.
NOTAS
(1) Representação Entre individuo e sociedade se estabelece uma relação altamente dinâmica, profundamente dialética, própria das representações que são construídas quando o singular e o coletivo se encontram.
(2) Cidade tida como um Buraco, inferior a uma cidadezinha ‘fuleira” de litoral onde se encontra camarão fresco e barato.
(3) Qualidade do que é outro.
(4) “os cigarros baratos do bar da rodoviária”, “o camarão fresco e barato”, “o preço da navegação na internet”, “ a fortuna que valeriam os móveis de Gastão numa loja de antiguidades”, “o FIAT velho e sujo de lama”.
(5) Contexto é a relação entre o texto e a situação em que ele ocorre. Podemos, por isso, defini-lo, de maneira um pouco mais precisa, dizendo que abrange o conjunto constituído, por um lado, pelas instâncias enunciativas e, por outro lado, pelo mundo extra-linguístico a que um texto se refere.
(6) Metáfora constante da obra: “Alguns aspectos do conto” , Perspectiva, 1974, pp. 147-163.