IMAGENS QUE PASSAIS.../ CAMILO PESSANHA / TEMÁTICA DA VISÃO



Clepsidra e Outros Poemas / Camilo Pessanha
Análise da Temática da Visão



A imagem dos olhos ou da visão é uma constante nos poemas de Camilo Pessanha, sendo, portanto, considerada de importância, na medida em que representa um instrumento de aferição, um ponto de contacto entre o “eu” e as sensações exteriores.

Em cinco dos poemas estudados, constatamos esta imagem como um elemento significativo para a análise.

- Inscrição: “Eu vi a luz em um país perdido”. A referência é feita através do verbo “ver”. A visão, portanto, adquire um caráter de instrumento de captação. É a constatação de um ideal que o poeta viu.

- “Quando voltei e encontrei meus passos”: Temos “olhos baços” / “olhos turvos”. Neste poema a imagem é demonstrada em caráter distinto em relação à “Inscrição”. Através desta menção podemos visualizar, nitidamente, o estado de espírito do “eu” poético. Os olhos, através da adjetivação usada, são o próprio reflexo da dor e do sofrimento.

-Branco e Vermelho: A menção de vista, na primeira estrofe, é de grande importância a reforçara dor que atinge o poeta, fazendo-o desvairar. Esta imagem significa a perda da razão pelo poeta. Na terceira estrofe, a reiteração da imagem é feita através da expressão “vejo passar”, sendo que esta se relaciona diretamente ao aniquilamento da humanidade por meio da imagem dos escravos, refletindo a intensa dor do poeta, chegando até o delírio.

-“Depois da Luta e Depois da Conquista”: A imagem de “olhos abertos”, ligada aos “mortos da batalha”, que se encontram no plano de sonho e felicidade, em contraposição, portanto, à realidade. Enquanto se sonha, não há realização e a dor está, justamente no realizar, pois se há felicidade no sonho, na realidade está a dor, a inutilidade.

-“Imagens que passais pela retina / Dos meus olhos...”: Logo no início do poema surge a imagem dos olhos, mais precisamente da retina, como símbolo da incapacidade do poeta de captar as imagens que desfilam a sua frente. Novamente surge neste poema a imagem encontrada em “Depois da Luta e Depois da Conquista”. Enquanto neste os olhos refletem as estrelas, portanto sonho e felicidade, em “Imagens que Passais pela Retina” a função dos “olhos abertos” é a de transmitir a idéia da inutilidade total dos olhos, já que não conseguem fixar as imagens. A imagem “olhos pagãos” seria uma das chaves para a análise do poema. Em primeiro lugar, vejamos o que significa a palavra “pagão”: indivíduo que não foi batizado, ou que é adepto de uma religião que não adota o batismo. Infere-se daí que os olhos pagãos e, portanto o poeta, não receberam a luz da perfeição que é dada através do batismo.

Após esta comparação, podemos deduzir que a imagem dos olhos é empregada, principalmente, como a visão existencial do “eu poético”, ou ainda, como ocorre em I”Inscrição” e “Imagens que passais...”, como o símbolo da constatação de um ideal. Em ambos a estrutura é linear, ao contrário dos outros analisados, cuja estrutura é circular. Por que linear? Note-se que ambos partem da constatação de um ideal, da certeza de uma evidência. O poeta “vê a luz em um país perdido” e “reconhece que há imagens passando pela retina dos olhos”, tendo por ideal fixá-las. Em seguida, sabe-se que esse ideal não vai ser alcançado, pois há uma grande distância entre o “eu” e o “ideal”, sendo que em “Inscrição”, o poeta resume em um verso apenas esta idéia e, em “Imagens que passais...”, utiliza-se do soneto inteiro para transmitir a mesma idéia... A incapacidade, por parte do poeta, de alcançar o seu ideal, ou, no caso de “Imagens que passais...”, de fixar essas imagens, o reduz ao nada, possibilitando-nos entrever uma temática nihilista. A conclusão do primeiro poema é a desistência total do poeta: ele não quer lutar e foge então da luz, recorrendo até mesmo a termos “baudelairianos”, ou seja, à sua identificação com um verme. Em “Imagens que passais...”, a conclusão seria parecida, pois, após insistentes apelos, o que ocorre é também a desistência: o poeta tentou fixar as imagens, chegando até mesmo a uma súplica no último terceto do poema, mas o desfecho leva-nos à conclusão de que tudo foi inútil (os movimentos são vãos e diante disso o poeta é levado à desistência). Em ambos, temos como tônica, a temática nihilista e a decadência do poeta. A estrutura dos poemas, além de linear, apresenta um sentido de verticalidade, pois a perda de consistência é gradativa e ele finalmente desiste, ou seja, acaba num plano inferior ao primeiramente desejado.

Esses dois poemas, o primeiro e o último, enfeixam uma obra que João de Castro Osório define na Introdução como em relação estreita com seu próprio nome, Clepsidra, comparando o fluir da água no relógio com o fluir de “...sua realização em Poemas que verso a verso, imagem a imagem, lágrima a lágrima, passaram na Clepsidra espiritual de sua Alma ‘lânguida e inerme’ ...” Pessanha, C. (1969, p. 49). Essa comparação possibilita a visão do texto como um metapoema e enriquece a percepção do conjunto da obra.



Nilza A. Hoehne Rigo


Bibliografia:

PESSANHA, C. (1969). Clepsidra e Outros Poemas. Introdução
de João de Castro Osório. Lisboa: Edições Ática