POR QUE AS PESSOAS CONFUNDEM OS CONCEITOS DE POEMA COM POESIA?
É muito comum às pessoas consultarem os dicionários para entenderem determinados conceitos, eu mesmo fiz e faço isso muitas vezes. Se por acaso alguém consultar os termos poema e poesia pode chegar à definição comum de que são sinônimos, isto é, ambos significam arte poética de escrever em versos. Baseadas nisso chegam a conclusão errônea de que poema e poesia “são a mesma coisa”, o que não é correto. Mas por que isso ocorre? Os dicionários estão errados?
Os dicionários utilizam conceitos baseados, sobretudo, na etimologia da palavra. Muitas vezes registram palavras com base no uso sociolinguístico de determinada comunidade. Com relação aos termos que estamos estudando (poema e poesia), os dicionários dão a mesma definição tanto a um quanto ao outro. Tudo isso nos remete para mais de dois mil e quinhentos anos atrás – aproximadamente – quando Aristóteles buscava enquadrar duas grandes formas de fazer arte, isto é, formas de usar a palavra, seja ela em um discurso (retórica), seja na construção de uma obra artística (poética).
Nessa perspectiva, o ser humano tinha duas coisas diante de si: a retórica e a poética. Em outras palavras, o ser humano poderia criar grandes discursos dialéticos através da retórica e produzir grandes poemas (fábulas, epopeias, comédias, tragédias) através da poesia. É aqui que podemos observar a grande questão. O próprio Aristóteles – o primeiro autor a estabelecer um estudo crítico sobre esses conceitos – utilizou os termos poética e poesia como sinônimos, uma grande área de conhecimento, assim como era o caso da retórica. E dentro dessa grande área chamada poesia ou poética, encontra-se os poemas, isto é, as fábulas, as epopeias, as tragédias, etc. Portanto, poética ou poesia era uma área de conhecimento, dentro dela tinha os poemas (fábulas, tragédias, entre outros). Etimologicamente, uma palavra tem seu significado, mas é preciso conhecermos toda a sua profundidade quando nosso objetivo e enquadrá-la dentro de um estudo simples ou uma pesquisa mais abrangente.
Passaram-se mais de dois mil anos e ainda vemos pesquisadores, poetas, filósofos, etc, utilizando conceitos etimológicos descontextualizados, sem levar em consideração toda a profundidade que esse estudo exige e todos os conhecimentos acumulados e aperfeiçoados pela história literária, até mesmo no que diz respeito aos aspectos linguísticos.
Mas pode me questionar o mais crítico dos leitores: qual o problema se enquadrarmos poema e poesia como sinônimos? Isso poderia ser aceito, se não incorresse em no mínimo dois problemas graves; um de ordem conceitual, pois não teríamos mais critérios para classificar diversos gêneros literários; outro de ordem intelectual, uma vez que revogaria toda uma sistematização do conhecimento, no aspecto literário, evidentemente. Não poderíamos distinguir, por exemplo, prosa poética e poema, letra de música e poema, poesia e prosa, etc. Teríamos que modificar inúmeras tipificações literárias desde o classicismo até o pós-modernismo, reformulando todos os critérios já tão conhecidos. Ficaria impossível, até mesmo, enquadrar as obras de diversos autores em gêneros literários específicos. Tudo isso ocorreria se simplesmente aceitássemos que poema e poesia são a mesma coisa.
Vale observar que tudo o que foi dito até aqui deve servir principalmente para quem deseja se aprofundar em teoria literária. A leitura de poemas ultrapassa qualquer explicação. Nós só precisamos entender um pouco desse processo para percebermos que a beleza da poesia está em tudo, carecendo apenas de nossa sensibilidade para captá-la e nos tornarmos seres mais humanos.
(Autor: Leon Cardoso)