Você sabe o que é ser “pobre em semântica”?
O pobre de Jó é a provação da fé divina. O pobre de espírito é definição da fraqueza moral. Rima pobre é a repetição de fonemas iguais da mesma classe gramatical. E “pobre em semântica”, o que é?
Um dia aí fui surpreendido num comentário desses notáveis numa dessas arengas que gosto de escrever, duvidando da linearidade do texto e concluindo que o texto era “pobre em semântica”. Tratava-se apenas dessas frases curtas, que não há tempo e espaço para maiores delongas. Como semântica e pragmatismo andam de mãos dadas na análise do discurso, e ele não tomou nenhum enunciado como exemplo, fui obrigado a retomar meus estudos de teoria literária e mergulhar na crítica. Pulei “dA Arte é o pensamento por imagens”, de Potebnia, para “A arte como procedimento”, dos formalistas russos. Os garotos de Moscou defendiam a autonomia da linguagem poética. A finalidade da arte é causar desautomatização através do estranhamento, de deslocar palavras do seu cotidiano, como no exemplo abaixo:
“Diante de uma casa em demolição, o menino observa:
— Olha, pai! Estão fazendo um terreno!”
O que é um significado semântico? É esse enunciado “Estão fazendo um terreno”. Mas se o garoto tivesse dito “Estão derrubando a casa” o enunciado deixaria de ter significado?
Não satisfeito, baixou o santo do New Criticism em mim. Preceitua a autonomia do texto literário e deve ser interpretado na análise da estrutura de significados semânticos, detectando tensões, ironia, paradoxo, simbolismo, estrutura dramática, metáforas, capazes de causar um conjunto de emoções no leitor e dentro da sua própria unidade e autonomia, tendo o texto como o objeto em si, devendo-se ignorar completamente o contexto histórico e biográfico da obra analisada.
Opá!!! Encontrei o santo que baixou no meu crítico. Mas esse cidadão deve pensar que o presidente do Brasil se chama Getúlio Vargas. Pior, não ouviu falar na semana de 1922, precursora da maior revolução na história da Arte no Brasil.
Ainda bem que ele não ousou se apaixonar pela estrutural. Para esta, Barthes, um dos pais da criança, diz que a compreensão de uma narrativa vai além da leitura linear do texto. Deve se projetar encadeamentos horizontais sobre eixos verticais, como os eixos das coordenadas e ordenadas de um gráfico cartesiano, o qual ele chamou de funções cardinais, que são unidas por unidades menores chamadas de catálises formando o núcleo ou a relação sintagmática da narrativa.
E que no próximo ano Deus abençoe os pobres em Semântica! E ao espírito prolixo do meu crítico.