NEO - REALISMO DE FATO BRASUCA OU LUSITANO?
Palestra a nível de Ensino Médio.
1---Sempre escutei falar num neo-realismo nacional, 'criado' ou ampliado por JORGE AMADO (até rimou!) e que surgiu posteriormente nas terras-mãe. Pode ser......... Reprodução sem discutir as ideologias de esquerda e direita. Como sempre diisse NELSON RODRIGUES, o nosso amado filósofo. "a vida como ela é"... Romances de personagem-enredo-ambiente, nada 'solto' como balão no espaço e sim relações homonológicas entre texto e contexto.
2---Nos anos 30, o regionalismo foi um novo conceito do real (Zé Américo, Zé Lins, Graciliano, Raquel, Jorge, Érico... e outros mais discretos, estimulados pela crítica nacional e estrangeira também... e mais a psicologia de Cornélio Pena, Lúcio Cardoso e Otávio de Faria. Sobre as condições sociais e políticas, certo protesto literário em tempo de Estado Novo, e o documentário social-humano gravitou dramaticamente em torno do (sub-)desenvolvimento nacional - espécie de reportagem, cenas impessoais em linguagem de cinema: recortes-superposição de imagens e diálogos. Porém... conscientização da realidade contemporânea, isto é, daquele momento - a fome, a miséria, a desigualdade social nordesina. Temática contextual das classes sociais dominadas pelo capitalismo, eterna luta entre o capital e o trabalho ("coronéis" serão 'diamantes' eternos?!), anos 30 e........ sem mudança de calendário ainda no século XXI.
3---VERGÍLIO FERREIRA, escritor português, confirmava sua geração interessada vivamente nas produções literárias norte-americanas e brasileiras, em especial pela situação política. Brasil modelando, vejam... Deslumbramento pessoal em "Um lugar ao sol", do Veríssimo - ainda em "Vidas secas", do Graça, e "Mar morto", do Jorge. VERGÍLIO, em fase inicial, sensivelmente influenciado, ainda em "Vagão J", 1946, mas foi pouca a influência brasileira, pois a partir de "Mudança", 1949, se bandeou sob os influxos da fenomologia e do existencialismo francês.
4---FERREIRA DE CASTRO, autêntico precursor do neo-realismo português, viveu certo tempo na Amazônia (vocês sabiam?) e sua obra está cheia de Brasil. Inclua-se cronologicamente o considerado iniciador ALVES REDOL, "Gaibéus", 1940, que em linguagem acrescentou até mesmo a fala brasileira, FERNANDO NAMORA, "Domingo à tarde", 1961, escritor espécie de síntese geral, e foram muitos os autores sensíveis aos nossos anos 30...
5---VERGÍLIO, "Vagão J" - ele mesmo diz "...uma experiência de aproveitamento da linguagem escrita (?) do povo." Sim, aproveitamento em literatura do registro linguístico da fala cotidiana. Em últimas consequências, o registro da fala popular, calão sem nenhuma censura em JORGE AMADO, mas não em Vergílio - fala reprimida, reticências no lugar do palavrão, escamoteando a autencidade da fala popular, conceito de censura existente no escritor: nenhuma forma de brasileirismo. Influência brasileira deixando penetrar na língua literária a oral regionalista, próprio interesse do escritor pelo drama sócio-econõmico das classes reprimidas, tema de miséria e fome. Em "Vagão J", cenas e quadros sociais, família Borralho (que nome!) como documento humano onde predominam a desigualdade e a injustiça social, problemática do subdesenvolvimento - sem escola, sem recursos para a compra do material didático......... Comum o tratamento regionalista da criança abandonada, sem a alegria da própria infância, desde cedo enfrentando as misérias da vida; adultos, coisificados-bestializados pelo trabalho e pela vida; mulher, instrumento de procriação ou bem cedo prostituição, por força de fatores econômicos. Quadros sociais revoltantes, ficçao de denúncia e protesto. Nunca povo consciente, sempre o pobre - a massa grossa, comer-beber-gerar filhos, anos seguidos, nenhuma mudança nunca! - explorado pelo rico.
6---ALVES REDOL, dando início ao neo-realismo português com "Gaibés", 1940 - ele mesmo diz "documento humano fixado no Ribatejo". Sete anos antes, JORGE AMADO escrevera em "Cacau" - "...um mínimo de literatura para um máximo de honestidade a vida do trabalhador das fazendas de cacau da Bahia". Em ambos, o romance como denúncia social. Jorge influnciou a técnica da construção neo-realista, tipo de ficção, atitude, aproveitamento da linguagem popular, tema real, montagem de cenas, enredo, diálogos, personagens, ponto de vista da narrativa, escolha do meio proletário, exposição da realidade social através de uma ideologia. Oposição ao romance da burguesia que conta de fora o mundo do pobre. Jorge viveu com os trabalhadores de cacau (diferente de falar deles); Redol viveu com os gaibéus, apelo de justiça e pão. nossos escritores do ciclo da cana-de-açúcar e dos retirantes procuraram identificação com o povo, romances despojados da visão burguesa; Redol revelou a miséria de vida dos ceifeiros de arroz no Ribatejo - trabalhadores do cacau e gaibéus, espécies de herói coletivo, o homem explorado pelo homem. ----- Ainda Alves Redol, depois, em seu melhor romance, "Barranco de cegos", 1961, biografia de Diogo Relvas, personagem real, mas com sentido simbólico - personagem feudal, mentalidade nobre ou aristocrática, não passa de "um escravo" quem lhe presta serviços; oposto à industrialização para não perder a mão-de-obra proletária (mesmo tema dos romances da cana-de-açúcar, evolução do engenho primitivo na usina moderna, diferença apenas em contextos nacionais diversos e língua falada em Portugal).
7---JOAQUIM SOEIRO PEREIRA GOMES, "Esteiros", 1941 - ele mesmo diz, "há moços que parecem homens e nunca foram meninos" - lembrando (não plágio) "Capitães de areia", 1937, de nosso Jorge, poética dramaticidade. Não plágio, no sentido exato do termo, e sim influência brasuca. ----- Em Jorge, crime e poesia se misturam entre aventuras dramáticas, romance que parte de reportagem no "Jornal da Tarde", baiano, sobre assaltos (já naqueles bons tempos...) praticados por menores abandonados, delinquentes, notícia jornalística, seguida de cartas ao chefe da polícia, ao juiz de menores, ao padre do reformatório etc. etc. etc. - realidade da infância abandonada......... na época (?). Bando de Pedro Bala descrito como "Vestidos de farrapos, sujos, semi-esfomeados, agressivos (mudou algo em 2018?) ... eram, em verdade, os donos da cidade" --- em "Esteiros", mesmo tema, menores abandonados que viviam em "minúsculos canais (...) abertos na margem do Tejo" - menos assaltos planejados, mas roubos de frutas ou de carvão em quintas ou fábricas. ----- Certas coincidências e divergências - Pedro Bala e Gineto, chefes do bando; Raul e Arturinho, meninos ricos em contraste; Professor e Sagui, contadores de estórias; Sem-Pernas e Coca, defeito físico na perna etc. - os portuguesinhos trabalham, miseravelmente explorados X os brasileirinhos vivem de roubos e assaltos - sexo livre apenas na Bahia - em ambos os romances, chefes de quadrilha terminam na prisão, heróis e solidários com os companheiros: Gineto preso à espera da liberdade, Pedro engendra espetacular fuga, mais tarde líder proletário, organizador de greves, dirigente de partidos ilegais, "perigo" (?)da ordem estabelecida.
8---Assunto amplo. (Hoje, cópia das nossas novelas.........) O nosso modelar romance regionalista foi fértil na primeira metade do século XX, produtividade esgotada. Em JOSUÉ DE CASTRO, "Homens e caranguejos", 1967, fruto retardatário da década de 30, romance de valor apenas histórico, real girando em torno da ideologia exterior. Reduplicação do romance neo-realista em MANUEL DA FONSECA, "Seara de vento", 1958, ilusão da realidade (termo de AUERBACH), esta ilusão mais ampla e FERNANDO NAMORA, "O trigo e o joio", 1954 - sempre realidade histórica comprometida com evolução social-política-econômica: real do texto, reflexo ideológico do real histórico, numa inversão simétrica, nunca assimétrica. ----- O principal comentário ou crítica é que esse movimento literário impôs um compromisso com a literatura: como arte, denunciar aos políticos o problema.
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LEIAM meu trabalho "Existencialismo português" - I-II-III, romance "Aparição".
NOTA DO AUTOR:
Regionalismo, não vaidosamente invenção nossa - origem norte-americana, obras de Hemingway ("Por quem os sinos dobram", livro um tanto clandestino), John dos Passos ("1919") e Steinbeck ("As vinhas da ira"), testemunho e protesto no pós-guerra, compromisso do ponto de vista social e econômico, reflexo do real histórico.
FONTE:
"A ficção brasileira e o neo-realismo português", artigo de Leodegário A, de Azevedo Filho, professor da UFRJ - D. O. Leitura, SP, ano 11, n.132, 5/93.
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