SEM O LEITOR, O POEMA É MATÉRIA MORTA
Quando o texto não apresenta codificação verbal e, consequentemente, não leva a uma imediata construção de imagens na cabeça do leitor, não ocorre o necessário processo sensitivo para que se caracterize a Poesia enquanto arte e gênero literário autônomo: a estranheza para com a peça que se tem diante dos olhos ou que adentra aos ouvidos. O texto que não propõe a tal sensação de "estranheza" no receptor, pode chegar no máximo à Prosa Poética: um gênero híbrido que também possui beleza estética e enlevo rítmico, mas que não se confunde com a Poesia, exatamente devido à codificação verbal, que na prosa é bem mais rarefeita e menos profunda. Em regra, a Poesia é construída através da presença de metáforas polivalentes (enquanto na prosa poética elas são monovalentes), as quais levam naturalmente à codificação, o que permite que cada receptor a tenha em maior ou menor envolvimento circunstancial e imediata receptividade ou não. Cada poeta dá o que tem quanto às ideias e o exercício do sentir, mas quem efetivamente constrói-se (imantado por elas e pela comoção que advém de imediato) através da imagética é o receptor, a partir do que lhe é sugerido pelo texto, através do conjunto de significantes e significados apresentado pelo criador artístico. Porém, é a partir do poeta-leitor, segundo a teoria da Estética da Recepção, de Hans Robert Jauss, nascida em 1967 na Universidade de Constança, na Alemanha, que se vivifica, no mundo dos fatos, a inicial garatuja poética advinda do escrito recém-parido, por vezes ainda manuscrito. A esta corrente me afilio como estudioso de Poesia – é esta posição teórica a que mais me satisfaz para tentar explicar a fenomenologia do poético. São os olhos do leitor que perfazem e ratificam a beleza estética de modo a que a Poesia venha a respirar, isto é, adquirir vida autônoma, a efetivamente existir, enquanto proposta de reflexão no recôndito do poema e seus significativos efeitos. O poema é a peça pejada de Poesia, a sua tradução codificada: materialidade do gênero poético apresentada num original e singular objeto literário capaz de produzir inusitadas imagens e reflexões no seu eventual receptor. Quem sabe dos efeitos plásticos do exercício do sentir é o leitor. Ao poeta-autor cabe apenas apresentar ao eventual desconhecido a obra lírica grávida de sugestão. É inconveniente o poeta-autor manifestar-se sobre o poema e/ou o que ele contém ou o que ele "quer dizer". Se o autor da peça assim proceder, estará ‘matando o poema’, vale dizer, negando a sua validade, eis que este é fonte que se basta com força de sugestão e capacidade para produzir o Novo: uma proposta imagética e estética. Tentar explicar o poema é decretar a sua morte, a sua negação como proposta estética. Portanto, sem que o receptor quando do ato de leitura o abone e se aposse dele (ou não) como seu, o escrito poético nada mais é do que matéria morta. Mesmo que o espiritual (ou o Ego ansioso ou inflado) do poeta-autor acredite que haja produzido a sua mais recente obra-prima.
– Do livro OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/18.
https://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/6470280