EXISTENCIALISMO PORTUGUÊS

1---APARIÇÃO - INTRODUÇÃO - Romance existencialista, isto é, da condição humana. Não distrair o leitor, como no período romântico, no desfastio burguês. Pretensão de agir sobre o espírito do leitor, nas personagens uma meditação interpretativa - tempo de ANDRÉ MALRAUX, escritor francês, geração neo-romântica e até certo ponto moralista, sempre movida por pressão interior; influência na formação de VERGÍLIO FERREIRA, de que nunca se libertou, romance fundamentalmente da condição humana. O ficcionista português também não aderiu pleno ao romance existencialista na linha de SARTRE-SIMONE-CAMUS; trincheira sobre a condição humana, até certo ponto romance dissidente, dentro do próprio existencialismo. SARTRE escreveu "La Nausée", VERGÍLIO escreveu "Aparição", espécie de antináusea - não no enjoo nem na prostração - a tônica do romance está na meditação interrogativa da condição humana, conceito de angústia transformada em conscientização e superação da náusea: primeiro degrau do problema, a náusea, degrau superior, angústia capaz de levar o homem a meditar sobre seu destino. Não a visão do "nouveau roman" de 1950; aceitar a restauração da técnica ficcional, mas não a negação do humano, que significaria seu próprio desvanecimento. ----- VERGÍLIO não segue a linha do romance existencialista de SARTRE-SIMONE e sua posição se vincula a MALRAUX, temas do existencialismo na medida de poder analisar e interpretar o homem. ----- Sua obra de ficção necessita de uma aprendizagem inicial - VERGÍLIO não é ficcionista que faz ensaio e sim ensaísta que faz ficção, obra literária entre dois pólos do problema /ensaio-ficção/ que se interpenetram em estrutura de interdependência solidária. Onde filosofia, onde literatura? Romance-ensaio. Arte comprometida na medida em que toda liberdade se fundamenta em determinados valores - quase paradoxo, toda arte está comprometida e exprime seu modo de sentir e analisar a condição humana. ----- Escritor que tem vício de pensar, para ele um homem não pensante, mas pensando - busca neo-realista de interesse à narrativa - romance em que a expressão do tempo adquire importância excepcional: a busca de um tempo único para a narrativa em que o passado se presentifica, incluindo o futuro, planos temporais cruzados no enredo, com caráter de atualização romanesca, afastando-se dos esquemas tradicionais. Tempo normal da narrativa, não deliberadamente retardado (se fosse romance psicológico) nem acelerado - episódios transcorrem sempre em tempo normal, embora retardem em função de digressões filosóficas pertinentes à própria narrativa. ----- Ambiente também comprometido com os esquemas tradicionais - não descrição excessiva (como no romantismo ou realismo) - fatores físicos aparecem ao lado de fatores mentais na atmosfera provinciana; na realidade, o que predomina é a atmosfera criadas pelas ideias do protagonista na província, desencadeando um processo angustiante da revelação do ser. Caráter de modernidade no nível estrutural do romance. ----- Seleção e arranjo do material romanesco feitos com habilidade técnica, episódios-incidentes (que dariam bons contos) articulados no contexto geral da narrativa, num arranjo bem dosado e articulado, permanente fio de interesse com o narrado e o leitor - o que vale é o modo de narrar, sob um ponto de vista interno. Elemento unificador é o caráter filosófico do livro, reflexão crítica em torno do ser, que se autodescobre para enfrentar problemas angustiantes, como o da morte e da inexistência divina. ----- Até que ponto vanguarda na literatura portuguesa? Romance-filosófico não inteiramente desvinculado da tradição, porém inovador do ponto de vista temático e ensaístico, humanismo integral em posição de pesquisa e vanguarda na procura de novos caminhos, o realismo não reflexo do real, mas o real desse reflexo - o elemento ideológico é o condutor da narrativa incorporado a um processo de criação estética, ou seja, no romance se instaura uma nova realidade, que é a própria realidade do romance. ----- Romance-ensaio, de ideias, ficção incorporando fundamentos de uma doutrina filosófica, em que principais personagens vivem e sentem o mundo segundo as verdades do existencialismo - reorganização do mundo em visão existencialista num plano ficcional, com valores defendidos pelo existencialismo - personagens esféricas, envolvidas nesse neo-realismo existencial, em que a condição humana é objeto permanente de profunda indagação filosófica; vida magnífca e ao mesmo tempo destituída de qualquer significação e da integração desses contrários surge uma filosofia sem qualquer transcendência divina. Resta a única solução de enfrentar o problema até o seu desgaste, isto é, o homem aceitar a sua condição, sem ignorar ou fugir; "Ser homem é assumir a responsabilidade de tudo o que é do homem, de tudo o que ele faz e de tudo o que nele existe. ----- Verdade estabelecida numa dimensão humana e não com pretensos valores que a transcendem: Deus não existe; a existência precede a essência, pois primeiro ele existe, depois ele é; o homem se constrói existindo; liberdade do homem é o encontro consigo mesmo em verdade e plenitude; a importância da morte decorre da importância da vida; o tempo é o estar sendo etc.

(Segue.)

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 20/09/2018
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