EXISTENCIALISMO - PARTE II
"Todo ser nasce por contingência, se prolonga por fraqueza e desaparece por acaso" - JEAN-PAUL SARTRE in "A náusea".
SARTRE sente uma Náusea com maiúscula.
O existencialismo é singular na história da filosofia - estilo não-universitário e pós-kantiano de pensar, pode ser caracterizado brevemente como mistura de Kierkegaard e a fenomenologia alemã... Aspecto interessante a relação entre literatura e existencialismo. Mas publicado em 1943, "O ser e o nada", de SARTRE não é "filosofia de diversão", como acusou um ano depois o marxista Henri Lefevre. O existencialismo é sério. Blaise Pascal, cristão trágico, um precursor do século XVII: "Assombro-me e espanto-me de achar-me aqui e não lá, pois não há nenhuma razão por que aqui e não lá, porque agora e não então." Nietzche tratava do grande tema existencialista: a gratuidade, a contingência absoluta da existência. E já falava de um "homem miserável" que sente este nojo do mundo que inspirará o maior escritor-filósofo do existencialismo francês, SARTRE (1905/1980) - dele, SIMONE DE BEAUVOIR dizia "recusar a separar a filosofia da literatura". Filosofia do pós-guerra na França, meta de "colocar as pessoas diante de sua própria liberdade". Ele escreveu dois textos curtos, "A imaginação" (1936) e "A transcendência do ego" (1937), era professor secundário no Liceu Pasteur de Neuilly e publicou o berço do existencialismo francês, "A náusea" (1938), livro onde uma questão propriamente filosófica - a noção da existência - é tratada de forma romanesca, um romance-diário, gênero tendo Rilke e Bernanos como antecessores, narrativa fragmentada na exposição do tema não-racionalista e não-abstrato do "sentimento da existência". ----- O personagem Antoine Roquentin é "um rapaz sem importância coletiva, apenas um indivíduo" (epígrafe de Céline) dedicado, em cidade portuária de província - Bouville - a um vago trabalho intelectual, reconstruir a vida do marquês de Rollebon, do século XVII, através de uma pesquisa histórica - 'divertisement' erudito. Em paralelo, ele também vive, existe, solitário e desenraizado num meio onde salafrários se defendem do mal de existir pela má-fé. O protagonista sente frequentemente um estranho mal-estarem contato com uma pedrinha lavada pelo mar, "uma espécie de náusea nas mãos", enjoo, desconforto; sente ao mesmo tempo a opacidade do mundo e a fluidez lodosa da existência - fraco diante da matéria insidiosa das coisas, mergulhado naquilo de que os homens fogem, pois "comumente a existência se esconde". Antigo gênero musical norte-americano, com estribilho cantado, interrompe breve ao gramofone essa sensação de estranhamento (existir)e Roquetin encontra um alívio passageiro. Sua existência na cidadezinha transcorre solitária - ele escreve Náusea com maiúscula - não é propriamente uma companheira - até o clímax ou "êxtase horrível", numa quarta-feira, passeando ao crepúsculo num jardim público, onde tem uma "iluminação": "Nenhum ser necessário pode explicar a existência: a contingência não é uma ilusão, uma aparência que se pode dissipar; é o absoluto, por conseguinte a gratuidade perfeita. Tudo é gratuito: esse jardim, essa cidade e eu próprio. Quando ocorre que nos apercebamos disso, sentimos o estômago embrulhado.. é isso a Náusea!" ----- Curvado diante de uma raiz negra e nodosa, de castanheiro, ele descobre a existência. Um filósofo fala do ser-si (Dasein) de Heidegger e do "homem miserável" de Pascal com a força expressiva da literatura. Em 1943, em "O ser e o nada", SARTRE busca estabelecer conceitualmente uma antologia fenomenológica da consciência. Mas com "A Náusea", o tema do "ato de consciência" e o "cogito existencial" já estão colocados e agudamente tratados. SARTRE, armado com a leitura de Husserl (seu filósofo preferido nos anos 30), realiza em "A Náusea" uma odisseia antológica, romance de aprendizado da existência, como uma espécie de Descartes angustiado com sua fórmula, "Penso, logo existo" (Cogito ergo sum), agora outra anexa, "Sou, mas sou absurdo". ----- "A Náusea" foi caracterizado como "uma espécie de caricatura trágica do Cogito de Descartes. De SARTRE, como ponto de partida, "ato de consciência", duas fórmulas cartesianas na mesma frase: "Sou, existo, penso, logo sou." ----- Romance de contingência absoluta, "A Náusea" também coloca os meios de superar o absoluto da existência: o Absoluto, a História, a Arte (música já mencionada, ragtime) e por fim a Literatura. SARTRE não é um esteta, mas um moralista e repudia a salvação pela arte. Quando SIMONE DE BEAUVOIR diz que "só o romance permitirá evocar na sua realidade completa, singular e temporal e jorro original da existência ("O existencialismo é a sabedoria das nações."), parece estar se referindo ao êxito de "A Náusea", êxito literário e filosófico, em que se exibe um paradoxo saboroso: um ser de papel, simbólico, fictício, fala da viscosidade, da fluidez, da lama da existência.
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FONTE:
Recorte não identificado com um artigo de José Thomas Brum, licenciado em filosofia pela PUC do Rio.
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