POÉTICA E SEXUALIDADE

O interesse dos leitores por temas ou assuntos triviais, costumeiros, é natural e muito compreensível. Nestes domínios, os pares de pensamento similar se atraem, excepcionando a regra de que os polos opostos se atraem. O poeta-leitor mal dotado e de pouca leitura, via de regra vai querer peças lírico-amorosas em que floresça o amar e seus prazerosos jogos, e quanto mais derramadas as "declarações de amor" e “convites ao gozo das delícias”, mais ele se sentirá nelas, porque é o que ele conhece ou conheceu; nada mais aprofundado ou denso. A rigor, é isto que ele pensa seja a tal de Poesia, visto que mais além ele não consegue perceber, porque o seu mundo de relação é restrito ao sentir – nada de pensar muito, já que o ato de leitura, as mais das vezes é enfadonho e cansativo. Para a maioria deste tipo de leitores a Poesia não leva a nada, é apenas uma maneira de gastar o tempo com algo não mais do que agradável e que pode servir de ajuda para levar os seus afetos aos jogos sexuais, meramente. A maioria destes leitores, especialmente os jovens, prefere a música com letras simples, diretas, que no conjunto, instigam à dança, ao erotismo, às drogas e ao sexo. Mas, esteja atento, amado diletante ou aficionado, iniciante em Poética: se no texto ou poema desses criadores meramente sensitivos – acreditam que basta a inspiração para que o poema se construa num passe de mágica – se constatar o comparecimento de figuras de linguagem, especialmente as metáforas, parece-me que, mesmo minimamente, o texto já conterá VERSOS COM POESIA. Com tal constatação, percebe-se entrarmos num território novo, o da formação das imagens na cabeça do poeta-leitor – diferenciada da linguagem usual, costumeira – que forçosamente levará à linguagem codificada, consequência do universo verbal utilizando o SENTIDO CONOTATIVO DA LINGUAGEM. Deste modo, resta excluído o singelo e doce recado amoroso, também as chamadas declarações ou confidências do amar, as quais só dizem respeito ao “Toi et moi” (Eu e você) de Paul Géraldy, de 1913, lavrado em célebre livro, ao seu tempo. Provavelmente comece aí a universalização da proposta, com o comparecimento da Poesia como gênero literário regido pelo "sugerir", e não pelo "dizer". Porque ENQUANTO A PROSA DIZ, A POESIA SOMENTE SUGERE. Ao demais, é preciso levar em conta que Poesia é fundamentalmente proposta de reflexão; que neste processo mental o pensar “dói, funde a cuca” e ocupam muito tempo as ações de leitura e pesquisa sobre o conteúdo da peça em exame. Desta sorte, é mais que compreensível que o leitor preguiçoso ou mal dotado opte pelo que lhe é de melhor entendimento, porque mais fácil e mais rápido de ser consumido. E, para o poeta-autor que deseja e sonha com muitos leitores de imediato, é muito mais cômodo cortejar a fácil popularidade. Neste sentido, fazer concessões ao leitor significa dizer: não codificar a palavra nem buscar o Novo estética e imageticamente. Em regra, o que leitor e/ou autor de poemas quer – no estrito domínio da palavra doce e fácil dos jogos do amar – é sair da vertical para o plano horizontal com o seu polo afetivo e com ele copular, dando vaza aos atributos sexuais do animalzinho carente: é o "toi et moi", nada mais do que isto. O poema com Poesia vai muito mais além e também ‘copula’ palavra sobre palavra, produzindo imagens e conjunções imagéticas. Vale dizer: o ato íntimo ocorre entre os neurônios dos dois polos afetivos. O SÊMEN OU O ORGASMO PODE SE COMPARAR AO POEMA, numa imediata descarga afetiva que pode produzir sensações diversas e variegadas, porém sempre plenas de prazer e gozo comparáveis ao estrito ato de conúbio animal. E é esta peculiar cópula que produz a gestação do eventual intertexto. Ou seja, o quase literal copular: "verso sobre verso, poesia sobre poema".

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/18.

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