Machado de Assis e a consolidação do sistema literário brasileiro*
Inicialmente temos Machado, após a “independência” (baseada em idéias liberais estrangeiras) brasileira, enfatizando a necessidade de construir uma identidade cultural nacional. Tal preocupação existe nos textos Machadianos, vê-se ainda o autor desdenhar o progresso material (raciocínio econômico – burguês), acreditando com mais contundência no progresso intelectual, dessa forma, Machado de Assis vem a posicionar-se assim por acreditar que o início de uma identidade típica nossa habitasse o mundo das idéias e da produção intelectual; mas como isso seria possível? Se a coerência e a generalidade não pesavam muito. Tínhamos a escravidão que não era o nexo efetivo da vida ideológica. Passado o afã nacionalista, percebe-se uma vocação para criar de Machado, repleta de êxito no segundo momento de sua produção enquanto romancista.
É também pertinente ressaltar que Machado entregava ao teatro uma responsabilidade que não era percebida pelos seus contemporâneos: pois este era o gênero que mais se aproximava do povo, e, portanto, poderia civilizá-lo de modo mais eficaz, por possuir uma linguagem mais direta; mas será que atingiria as três classes de população deixadas pelo colonizador: o latifundiário, o escravo e o homem livre?
Sendo assim, Machado, asseverou em crer que o povo não poderia ser o responsável pela falta de desenvolvimento pleno entre nós. Claro, vivíamos numa sociedade na qual prevalecia a lógica do favor, o toma lá da cá estava institucionalizado. Ele irá culpar os nossos intelectuais, adeptos da civilização comprometida, da barbárie, pois foi ela que criou o trabalho escravo. Barbárie levada até as últimas conseqüências, tida como “evolução civilizacional”, mas completamente oca, se buscarmos suas origens e suas efetivas conseqüências nos dias atuais.
A raiz do problema será o nosso meio intelectual, a abundância de traduções, sobretudo da língua francesa, como a principal causa do atraso no desenvolvimento de uma tradição local. A lógica mercantil era mais atraente que a lógica da intelectualidade. Mesmo aqueles que teriam a chance de trilharem nos caminhos da independência da alienação liberal e consumista, não o faziam e preferiam permanecer no “papel do agregado”, como mesmo descreveu Machado, por meio do medíocre defunto-autor do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. Pode-se vislumbrar assim, que a atividade literária de Machado de Assis estava, como na maioria das vezes, empenhada em contribuir com o processo de civilização (não a civilização da barbárie) e formação do caráter dos leitores, com claras manifestações do nacionalismo vigente durante todo o período em que produziu. Denota então, o processo social pelo qual o autor deve a existência de sua obra. O que veio a transforma-lo num autor universal, mesmo produzindo em região periférica.
Portanto, a identidade nacional é fruto da colonização, os traços dessa identidade são vistos nos tempos atuais, são os desdobramentos dos dilemas passados nos tempos de colonização, por isso, era mais do que necessário o conhecimento do dilema, a fim de que se conhecêssemos essa identidade perturbada. Dessa forma, Machado é mágico, ordenando como quer os fatos, trazendo de forma disfarçada as questões de história mundial, ou não (dilemas nacionais), mas certamente não as trataria tão magicamente se as tratasse de forma direta. Ao vencedor as batatas!
* Fontes: Obras de Antonio Candido e de Roberto Schwarz.