DE UM SEMINÁRIO SOBRE A LÍNGUA PORTUGUESA-PARTE III
Por que o luminoso e poético faixo luminoso se chama, em PORTUGUÊS, arco-íris ou arco da velha?
No mundo em que vivemos, há uma complexa malha de mitos, tabus e crenças, explicáveis pela etnografia, o folclore e as estórias dentro das histórias das religiões...
Arco-íris é um arco visível no céu, resultante da dispersão da luz solar em gotículas de água. Assunto da Linguística comparada: trabalho publicado em 1853 pelo indoeuropeísta alemão FREDERICO POTT; mais recentemente, o italiano MARIO ALINEI em 1984.
Curiosamente, todas as denominações do fenômeno são constituídas de nomes compostos, “arcus” na área românica, “bogan” na germânica, “doga” na eslava, “toxon” na grega, “kaari” na finlandesa etc. Em PORTUGUÊS, arco-íris, arco-celeste, arco da aliança, arco de chuva, arco da velha, arco de Deus. Semelhanças de “arco (ideia e/ou palavra-base) + ...”, em francês, espanhol, italiano, grego, galês, norueguês,inglês, ucraniano e russo dialetal, finlandês e outros. // Em outros compostos, a idéia -base de algo que cinge, circula, como “cinto” (bem difundido em muitos países da Europa) ou “auréola” (aparece na França e na Grécia). Menos freqüentes os tipos “arma” e “ponte”. // Para ALINEI, o tipo “arco” não implica necessariamente em personificação do arco-íris: arco-do-céu, arco da chuva, do tempo, da água... como personificações: arco da velha, arco-íris (da deusa Íris), de Deus... e claríssima representação antropomórfica, feminina ou masculina, em “cinto”, “auréola”, “arma”, “ponte”. Num apelo à ‘reforma cultural popular’, isto é, movimento contra o paganismo, (católicos e protestantes a partir do século XVI), explica-se na mesma área até 5 denominações para o arco-íris, nome predominante fixado em época mais recente. Um passeio na pré-história e na história antiga dos povos europeus - três momentos: a) nomes zoomórficos, os mais antigos; b) nomes antropomórficos pagãos (pré-cristãos e pré-islâmicos); c) nomes antropomórficos e islâmicos mais recentes e escassos.
Nomes zoomórficos mais arcaicos - explica-se pelo totemismo, a mais antiga forma de religião da humanidade. O arco-íris “é” a serpente (zona limítrofe de Itália e Suíça/ que suga a água, os homens, as plantas e os animais da terra ao céu e depois os despeja novamente aqui. A designação em italiano dialetal “arco bevente” ou em latim “arcus bibit” não assinalam a figura do animal, porém se pendem à mesma origem, VIRGÍLIO e HOMERO associando arco-íris e serpente. Outros animais concorrem nas denominações do arco-íris: dragão /variante maior/, minhoca /variante menor/ (pequena região germanófona no noroeste da Itália, “minhoca da chuva”), boi, vaca (no esloveno, “vaca negra” pelas nuvens escuras carregadas de chuva), vitelo, bode, cão, cetáceo ou delfim (difundidos na Itália o arco-íris e o relâmpago) e outros.
Nomes antropomórficos pagãos - mudança lenta do zoomorfismo, transição metade animal e metade homem ou Deus, o que em diversas mitologias dos povos (centauros, tritãos, sirenas) - Itália e Suiça, variante lexical como ‘cinto do dragão”; Eslovênia, “vaca negra de Deus”. Nomes pagãos (pré-cristãos e pré-islâmicos) - três grupos segundo ALINEI: a) positivo - arco-íris bonito, que faz o homem feliz e rico, representado por figuras femininas (Portugal, Itália meridional, deusa grega Íris e também Vênus, deusa da beleza, Grécia, senhora lua, Ucrânia e Bielo-Rússia, “a feliz”, em outras áreas, a “jovem da chuva”); b) negativo - algo terrível, representado por figuras masculinas (na maioria dos casos, o arco--íris “é” uma arma 9espada, arco, foice, bastão) de que se serve o deus para matar e destruir; c) neutro - figura especial, a velha (na Europa, o arco-íris e quase todos os fenômenos atmosféricos (tempestade, turbilhão, neve, granizo etc.), maga Silvana que tem poder sobre as forças da natureza e os animais, segundo ALINEI (PROPP acredita ser o antecedente totêmico na linha feminina) - em geral, a velha aparece acompanhada do tributo “cinto”, o “cinto da velha” (em português, “arco da velha”, e em outros idiomas europeus) - a idéia de velha reunida a arco pode também advir de corcova ou corcunda, próprio de ambos.
Também na cristianização e islamização das áreas européias, traços da ideologia pagã anterior como nas denominações dos dias da semana, há o dia da lua, de Marte etc. (Portugal, “arco da virgem”).
Representações verdadeiramente cristãs - “arco da aliança”, em italiano dialetal “arco di Noe”.
FONTE:
“O arco-íris”, artigo do gramático Evanildo Bechara - SP, D. O. Leitura, ano 11, n.131, abril/93.
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