A FLOR ESTÉTICA

LM, querida! Uma situação é quando o espiritual permite "escrever o que a alma dita e concebe como poema", pois este é o primeiro momento de criação – o do nascimento do poema – obediente ao estado psíquico chamado de "inspiração" ou "espontaneidade", cuja escrita vem prenhe de emoção e é matéria disforme, esteticamente, mesmo que contenha verdades incontestes, sabedoria de mundo, ritmo e formato agradável aos olhos. Numa outra situação, ocorre o segundo momento criacional, aquele que provém da razão, ao qual chamo "transpiração", em oposição à tal de "inspiração". Pouquíssimos criadores, em Poética, comprometem-se, efetivamente, com a mais exigente de suas espécies, a Poesia. Contentam-se com o primeiro momento inspiracional e entendem que o poema nasce pronto e acabado. Ledo engano! Designo como “alforriados ou libertos” aqueles poetas-autores que não se conformam com o formato inicial do poema recém-criado e o cinzelam como verdadeiros artesãos da matéria verbal. Subentende-se que estes cinzeladores do verso estão prontos – e seus íntimos alter egos também – para chegar a um excelente poema com absoluta liberdade, porque ao cumprir os dois momentos de criação, cultivaram a mais linda flor estética: o lírio nascido do lodo, utilizando a simbologia da dor e do sofrimento da alma humana – aquela que, em regra, produz o poema com Poesia. A minha alegoria da "carta de alforria" é um comparativo histórico àquela que os escravos libertos recebiam quando de sua declaração de liberdade (por ela o negro brasileiro passava a ser cidadão), ao tempo do Império do Brasil, antes da Abolição, em 1888. No caso, enfim, a "carta" é a declaração de sua libertação do emocional, prevalecendo o racional, que vai dar forma ou formato ao poema, em definitivo, Para mim, no entanto, mesmo que o poeta-autor cumpra os dois momentos preconizados, o poema nunca está definitivamente pronto, sempre há algo a reajustar no organismo estético que ele representa. E isto de dá porque o poema com Poesia nunca é matéria morta. E, a bem da verdade, quem lhe dá vida em plenitude de beleza, perfume e cor é o poeta-leitor...

– Do livro A VERTENTE INSENSATA, 2017.

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