O CADINHO ARDENTE
Fico imensamente feliz quando o poeta-leitor toma posse da ideia em ebulição e a aprisiona no seu poema autóctone, num repente humaníssimo de possessão e domínio. E ali ela fixa residência, sua clausura dadivosa – um pontinho brilhante ao longe, parecendo uma estrelinha tímida alçada dos contos de fadas. Há maior gesto de confraternidade do que o intertexto? Mais que a beleza e a estética que encantam, o verbo comunicou-se num mutismo solitário, porém pleno de solidariedade. Nesta hora, o poeta-autor e o receptor são unos. A unicidade espiritual lacrou a garatuja, propôs a ela o brilho e a amplitude peculiares ao Novo, prenhe de estranhamentos. Só resta ralar os joelhos frente ao Absoluto. Porque agora a palavra reina em uníssono e tomou corpo, formato. Autor e receptor rezam pela mesma cartilha e o universo é ritmo em uníssono. O único reparo é a cavatina – que é arenga sem volta – em vez da clava diuturna que recolhe o sono dos omissos. A partir daí retempera-se o pretenso momento de inquietudes. Resta desvirginada a clausura individual. O agora, frente à estranha medusa, desfia sua enigmática cabeleira. Que venha o inusitado bobo-da-corte, como convém ao humano, sempre incrédulo no face a face das surpresas. A canção rítmica faz o seu delírio. Descobre-se, neste estado de plenitude, que somente Ele (dentro da criatura) sabia das inquietações e angústias. O Absoluto sempre dá um jeito de se comunicar...
– Do livro A VERTENTE INSENSATA, 2017.
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